As festas universitárias e a cultura surda: os sinais

03/09/2024 16:26

Por Lara Malafaia Vieira

Bolsista de Acessibilidade PET-Letras

Letras-Libras

Na Semana de Letras Libras (SELL), que ocorre anualmente no mês de Novembro, são realizadas palestras, minicursos e apresentações de pesquisas, nas formas de  comunicação oral ou banner. No ano de 2022, tive a oportunidade de participar pela primeira vez como ouvinte e ano passado, 2023, apresentei meu primeiro trabalho, junto com um amigo (Bruno Camargo), intitulado “Uma mão sinalizando e a outra no copo: uma proposta de sinais para as festas universitárias de Florianópolis”.

A ideia do nosso exercício de projeto e deu origem à apresentação ocorreu durante um almoço no restaurante universitário da UFSC, onde eu estava sentada na presença de dois amigos, uma surda e um ouvinte. Durante a conversa tocamos no assunto “festas universitárias”, as quais frequento sempre que possível. Ao relatar o nome de cada uma das festas, precisávamos criar estratégias para explicar para a surda os trocadilhos presentes nos nomes em português e com isso, pensar em como criar os sinais que mantivessem o trocadilho também em Libras.

Descrição da imagem: quatro imagens de festas universitárias. A primeira é uma mancha amarela com roxo escrito “PATOLOKO” com um desenho de um pato com óculos escuro e moletom roxo. A segunda tem um fundo vermelho onde está escrito “ENFERNIZA” com um estetoscópio com uma cauda triangular. A terceira tem fundo roxo com uma escrita em branco “INSANITÁRIA”; sobre o “ns” há imagem de um cogumelo vermelho com uma bola branca do videogame SuperMario. A quarta tem fundo amarelo onde aparece um brasão escrito “UNI 2021”; além disso, nela há  três tipos de bolas e a frase “spring break” numa faixa, embaixo.

Quadros e Schmiedt (2006) relatam que um dos papeis das línguas é a manifestação das culturas, dos valores e dos padrões sociais de um determinado grupo social. Consideramos que estes tipos de entretenimento também são parte da cultura universitária, então, após diversos encontros, selecionamos 21 festas da UFSC e UDESC, montando os sinais. Dois, os gravamos. Todos os sinais foram criados com a participação de pessoas surdas para que pudessem ajudar com a fidelidade dos trocadilhos.

Durante a inscrição para o SELL organizamos um banner para ser apresentado, pois percebemos que as festas movimentam, em média, dez mil pessoas tanto da comunidade interna quanto externa das universidades. Quando estão distantes dos corredores e dos trabalhos acadêmicos, os universitários procuram esses eventos como forma de distração, lazer e diversão. As festas também são locais ótimos para socializar e integrar com outros universitários.

Descrição da imagem: QR Code com os vídeos dos 21 sinais das festas universitárias.

 

No final da criação destes sinais e da criação do banner, tínhamos o trabalho e o  apresentamos. Todos que passavam por lá, surdos e ouvintes, professores e alunos, ficaram curiosos sobre os sinais e a história de cada um deles. Depois do SELL, pude perceber que os surdos começaram a usar os sinais naturalmente. Hoje, vemos a importância da comunidade surda participar desses eventos e de participarem das discussões sobre os mesmos.

REFERÊNCIA

QUADROS, Ronice Muller de; SCHMLEDT, Magalli L. P. Idéias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, 2006. 120 p. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/port_surdos.pdf.

 

Comparative Analysis of Macbeth Adaptations: Globe 2014 and 2018 Sign Language Synopses

28/08/2024 08:42

Paula Scalvin da Costa

Bolsista PET-Letras

Letras Inglês – UFSC

 

Comparing different adaptations of the same play, even within the same project across different years, reveals insightful variations in how directors interpret and present the material. This brief analysis, developed as part of the English Literature III discipline in the Letras Ingles course at UFSC, focuses on two different adaptations of Act I, Scene 4 from Shakespeare’s Macbeth. The scene has been portrayed in numerous ways, each highlighting unique aspects, particularly in the portrayal of Lady Macbeth.  One notable adaptation is by Shakespeare’s Globe, which includes a synopsis in British Sign Language (BSL). This choice offers a compelling perspective on narrative communication, especially given the limited availability of comprehensive adaptations in alternative formats. The BSL synopsis creatively enhances accessibility and deepens the appreciation of classic literature. By contrasting this with Shakespeare’s Globe On Screen’s 2014 adaptation directed by Eve Best, this essay explores how different mediums and interpretations influence the portrayal of Act I, Scene 4 in Macbeth.

Descrição da imagem: pintura óleo sobre tela. Lady Macbeth, cabelos vernelhos longos em tranças segura, perto de sua cabeça, uma coroa. A pele é branca e ela veste uma espécie de túnica verde e azul. O fundo da cena é azul escuro. Trata-se do quadro de John Singer Sargent, Ellen Terry as Lady Macbeth, 1889.

In Act I, Scene 4 of Macbeth, Shakespeare vividly depicts Lady Macbeth’s transformation through his choice of words. This pivotal scene reveals her ambitious nature and her willingness to forsake morality for power.

The scene opens with Lady Macbeth reading a letter from Macbeth informing her of the witches’ prophecies. Her initial reaction is filled with excitement and ambition as she contemplates the possibility of Macbeth becoming king. Her language is metaphorical and vivid, conveying eagerness and ruthless ambition; for instance, she resolves to “pour [her] spirits in [his] ear,” signifying her intent to decisively influence Macbeth.

As Lady Macbeth reflects on Macbeth’s nature, her tone becomes persuasive and manipulative. She worries that Macbeth is “too full o’ th’ milk of human kindness” to seize the crown through murder, viewing kindness as a weakness and setting the stage for her manipulative tactics. Her language is strategic, aiming to instill urgency and resolve in Macbeth, using commanding verbs and vivid imagery to persuade him to act against his better judgment.

Towards the end of the scene, Lady Macbeth’s tone darkens significantly. She invokes the spirits to “unsex” her and fill her with cruelty, demonstrating her willingness to renounce traditional feminine qualities and embrace ruthlessness. This pivotal moment marks her desire to transcend gender norms and embody a more masculine form of power. Her words become increasingly violent and resolute, underscoring her commitment to their deadly plan and revealing both her inner turmoil and fierce ambition.

In summary, Act I, Scene 4 of Macbeth is instrumental in illustrating Lady Macbeth’s complex character. Through her shifting tone and choice of words, Shakespeare masterfully conveys her transformation from an ambitious wife to a ruthless manipulator, setting the stage for the tragic events that follow and highlighting her pivotal role in the play’s exploration of ambition, power, and morality.

“Macbeth in BSL: Shakespeare Synopsis Project,” directed by Sophie Stone and released in 2018, focuses on portraying Shakespeare’s classic through the lens of the Deaf community. This adaptation stands out for its exceptional direction and portrayal of secondary characters, unfolding the narrative through their perspectives and setting an ominous tone from the outset. It underscores how perceptions shape understanding.

Key elements include nuanced acting and the strategic selection of characters who observe pivotal scenes. Sign language effectively conveys what characters witness, especially in naming the main protagonists, while subtitles offer basic understanding of signed dialogue, with deeper meanings emerging through careful observation of chosen signs.

The Shakespeare Synopsis project aims to adapt Shakespeare for the public, including synopses tailored for the Deaf community. In this adaptation, secondary characters witness crucial story events, such as Macbeth’s encounter with the witches or, specifically analyzed here, Lady Macbeth’s reading of her husband’s letter.

A notable aspect is the significant sign choice for Macbeth in this BSL production: three extended fingers sweeping across the chest. This gesture symbolizes Macbeth tearing at himself, metaphorically ripping away a part of himself and illustrating the story’s darkness and damning nature, reflecting regional or community-specific differences in adaptation.

Cinematography plays a crucial role, enhancing the dark and eerie atmosphere, capturing the unsettling ambiance within the Macbeths’ residence or intense chaos of battlefield scenes. Subtle costume changes reflect characters’ deteriorating mental states over time, symbolizing unfolding tragedy and emphasizing narrative depth and complexity.

Shakespeare’s Globe On Screen’s 2014 adaptation, directed by Eve Best, stands out for its unique approach to portraying Shakespeare’s classic. Notably, the transformation in tone and voice by the actress during pivotal scenes, such as Lady Macbeth’s letter reading, mirrors her evolving emotions and thoughts.

Key elements include Samantha Spiro’s exceptional portrayal of Lady Macbeth, skillfully articulating her inner thoughts aloud. Costume choices deepen narrative depth, blending casual elegance with everyday life, reflecting Lady Macbeth’s contemplation of kingship. As ambitions darken, her tone overwhelms a once-grand stage setting with character weight, enriching complexity and thematic resonance in unfolding tragedy.

Both adaptations by Shakespeare’s Globe, one in BSL and the other from the 2014 adaptation, share rich, earthy, and somber tones, evoking audience emotions in ways that create a claustrophobic sensation.

In the specific scene of Lady Macbeth reading the letter, both adaptations intensify the proximity of characters as the scene progresses. An intriguing point is the difference in the character within the Macbeths’ household between the synopsis adaptation—a butler—and the play—a woman, reflecting on the performance itself. While the butler’s interpretation in the synopsis is solemn and imbued with morbidity, the portrayal of the woman in the play is naive, perhaps serving to contrast with the inherent morbidity of the actress portraying Lady Macbeth.

The synopsis adaptation by Shakespeare’s Globe offers a condensed, third-person perspective, consistent with the play as a whole, yet Lady Macbeth externalizes her tumultuous and convoluted thoughts. Throughout the scene, one can perceive, “as she reads the letter, I could see her human kindness leaving her body,” a profound statement echoed by the project, providing a parallel perspective on human nature’s complexities within the context of power and ambition.

In exploring different adaptations of Act I, Scene 4 from Shakespeare’s Macbeth this essay has illuminated the multifaceted nature of Lady Macbeth’s character and the interpretative richness brought forth by various mediums and directorial approaches. The comparison between Shakespeare’s Globe’s British Sign Language synopsis and Eve Best’s 2014 On Screen adaptation underscores how different forms of communication and directorial choices can profoundly impact the portrayal of Shakespearean themes such as ambition, power, and gender dynamics.

The BSL adaptation, through its innovative use of sign language and nuanced portrayal of secondary characters, offers a unique perspective that enhances accessibility and highlights the universality of Shakespeare’s themes. In contrast, Eve Best’s adaptation emphasizes the dramatic intensity and psychological depth through compelling performances and visual storytelling.

Both adaptations resonate with their audiences by evoking emotional depth and thematic resonance, albeit through distinct stylistic choices. Whether through the visceral impact of sign language or the visual and auditory immersion of traditional theater, each adaptation enriches our understanding of Macbeth’s timeless exploration of human ambition and its consequences.

Ultimately, the diversity of interpretations showcased in these adaptations serves as a testament to the enduring relevance and adaptability of Shakespeare’s work across different cultural and artistic contexts, inviting ongoing exploration and appreciation for audiences of all backgrounds.

REFERENCES

BEST, Eve (Diretora). Shakespeare’s Globe On Screen Macbeth. William Shakespeare, 2014.

Macbeth in BSL: Shakespeare Synopsis Project. Youtube. Direção de Sophie Stone, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IJn3qtmh6po&t=25s. Acesso em: 14 jul. 2024.

Estudos decoloniais: desafios e perspectivas para a compreensão do poder e dos saberes

27/08/2024 07:56

    Por Tay Muller

Bolsista de Acessibilidade PET-Letras

              Letras-Libras

 

Os estudos decoloniais emergem como um campo interdisciplinar que busca questionar e desmantelar as estruturas de poder e conhecimento estabelecidas pelo colonialismo, como explica Quijano (2005), na análise dos elementos históricos e das dinâmicas sociais da América Latina, que serviram como fundamento para a formulação da proposta epistemológica do sociólogo. Ao desenvolver a noção de “colonialidade do saber”, ele se referiu ao poder epistêmico europeu. “O fato de que os europeus ocidentais imaginaram ser a culminação de uma trajetória civilizatória desde um estado de natureza levou-os também a pensar-se como os modernos da humanidade e de sua história, isto é, como o novo e ao mesmo tempo o mais avançado da espécie.”

A partir da perspectiva decolonial, compreendemos quem são os corpos passíveis a ser violados, modificados, agredidos e tendo suas histórias apagadas assim como suas famílias, cultura, religião, crenças e sonhos. Esses corpos são produção da colonialidade e pensados a partir da “marafunda”:

 

                             Esse fenômeno, que prefiro chamar de marafunda ou carrego colonial, compreende-se como sendo a condição da América Latina submetida às raízes mais profundas do sistema mundo racista/capitalista/cristão/patriarcal/moderno europeu e as suas formas de perpetuação de violências e lógicas produzidas na dominação do ser, saber e poder. (Rodrigues Júnior, 2017, p.35)

 

Este movimento intelectual, que ganhou força especialmente nas últimas décadas, propõe uma leitura crítica da história e dos processos sociais, culturais e políticos, com o objetivo de revelar e subverter as hierarquias e desigualdades produzidas e mantidas pelo sistema colonial e seus legados.

 

A decolonialidade deve ser lida como um ato de responsabilidade com a vida. A ação decolonial é afeto em suas dimensões éticas/estéticas, de modo que o termo não pode ser reduzido a um neologismo que se hipnotiza na fixação de seus traumas, serpenteando em uma interminável retórica. (Rodrigues Júnior, 2017, p. 35)

 

 Os estudos decoloniais têm suas raízes em movimentos de resistência e emancipação dos povos colonizados. Eles se inspiram em obras seminais de pensadores anticoloniais como Frantz Fanon, que pensava esse processo como algo político mas além disso uma transformação profunda, social e culturalmente. Uma mudança no sujeito que passou pelo processo de colonização, que muitas vezes busca aprovação do próprio colonizador.

 A discussão desse assunto e, mais ainda, a aplicação dessa teoria dentro e fora da academia, nos permite entender as sociedades a partir de outras perspectivas, alterando estruturas que oprimem os seres que não sejam o modelo. Ela abre  possibilidades de conhecer novas culturas e novos seres de forma mais empática. A partir dessa reflexão, podemos nos sentir convidados a repensar nossas atitudes e a forma que fomos colocados e nos colocamos no mundo.

 

REFERÊNCIA

 

RODRIGUES JÚNIOR, L. R. Exu e a pedagogia das encruzilhadas. Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

 

Processos de aquisição da linguagem

14/08/2024 18:44

 

Por Izabel Bayerl e Laiara Serafim

Letras-Português

Bolsistas Pet-Letras

 

Como as crianças aprendem a falar? Por que meu filho repete tudo que eu falo? Por que a criança troca a letra “R” pelo “L”? Por que algumas crianças aprendem a falar mais rápido que outras? Essas são algumas das perguntas centrais que permeiam a área da aquisição da linguagem.  Os processos de aquisição são diversos e estão presentes em todas as fases do aprendizado da criança, desde os primeiros sons nos primeiros meses, até a entrada da criança no ensino formal. Aqui, nos dedicamos a explicar de forma breve como ocorre a aquisição e desenvolvimento da fala e quais processos estão envolvidos.

É verdade que desde a barriga a criança já começa a ter contato com a sua língua materna, mas é só por volta dos seis meses que a criança começa a produzir os primeiros sons. Contudo, esses primeiros sons não estão diretamente ligados apenas à língua falada pelos pais, mas refletem também conhecimentos inatos da gramática universal. De acordo com Chomsky (1968), a GU permite que os falantes nativos de uma língua reconheçam e produzam sentenças daquela língua. Essa competência não é simplesmente uma cópia do que é ouvido no ambiente linguístico, mas inclui uma capacidade intrínseca de criar e interpretar estruturas linguísticas de maneira criativa e variável, no entanto, somente os conhecimentos inatos não são suficientes para que a criança adquira a língua, ou seja, ela precisa receber estímulos externos, dos pais e da comunidade.

Já por volta do primeiro ano ao segundo ano de idade a  criança começa a produzir as suas primeiras palavras.  É um momento mágico e podemos pensar que ela está apenas repetindo aquilo que ouviu dos pais ou familiares. Embora a interação com ambiente seja essencial para que ocorra a aquisição da linguagem, esse processo não ocorre através de escuta-repetição. O que acontece de verdade é que a criança está criando juízos de gramaticalidade e prova disso é que crianças são capazes de produzir palavras e até sentenças que nunca ouviram, como: “Eu trazi” e “eu sabo”. Ao produzir uma sentença como essas, a criança está utilizando de forma generalizada uma regra de conjugação verbal, como a seguir: “Eu nado”, “eu falo”, “eu sabo”. De todo modo, as crianças podem repetir aquilo que ouviram de um adulto, mas isso não significa que a aquisição da linguagem se dá através da repetição, mas sim de uma combinação de vários fatores, dentre eles a internalização da gramática da língua, antes mesmo da criança entrar no ensino formal.

Durante todo o processo de aquisição da linguagem, as crianças utilizam diferentes recursos para produzir palavras e sons que elas ainda não adquiriram, respeitando sempre a sonoridade ou sonância da língua. Esses processos são naturais e fazem parte do desenvolvimento da linguagem. A capacidade da criança de reconhecer e respeitar a cadeia de sonância é um reflexo de como ela internaliza e começa a aplicar as regras fonológicas da sua língua materna ao longo do tempo. Dentre as estratégias de reparo estão:  omissão do som, realização de glides (semivogal), realização de outro som próximo na escala de sonância,  epêntese (acréscimo de uma vogal), além de alterar a sonorização da palavra.

Com o avanço dos anos a criança começa a produzir sentenças mais extensas e completas. É nessa fase, por volta dos 3 anos, que pode ocorrer a troca entre algumas letras. Entretanto, essa troca é uma das estratégias de reparo utilizadas pela criança para produzir palavras que ainda não adquiriu por completo. Essa troca ocorre entre sons semelhantes. A criança, quando ainda não adquiriu o “R” na sua gramática, pode usar o som do “L” para substituí-lo, pois eles são muito próximos na escala de sonância.

Já na fase da educação formal, diversas questões podem influenciar a capacidade de consciência fonológica das crianças. Por exemplo: aquelas que são filhas de pais analfabetos ou que não fazem uso da atividade de ler e escrever no cotidiano possuem a capacidade fonológica bem menos desenvolvida do que crianças que crescem com maior acesso à cultura escrita, e isso está ligado diretamente com o processo de desenvolvimento da leitura e escrita quando essas crianças chegam à escola.

É possível notar que a aquisição da linguagem possui processos complexos e variados para cada fase da aprendizagem, e esses processos podem ocorrer de forma distinta para cada criança, em tempos diferentes. É importante conhecer quais fenômenos fazem parte de cada etapa para promover estratégias e recursos que estimulem o processo individual de aquisição de cada criança.

REFERÊNCIAS

GROLLA, Elaine; SILVA, Maria Cristina Figueiredo. Pra conhecer: aquisição da linguagem. São Paulo: Contexto, 2014. p. 36-55

LAMPRECHT, Regina (org.) et al. Aquisição fonológica do português: perfil de desenvolvimento e subsídios para a terapia. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 73-94.

RIGATTI-SCHERER, Ana Paula. Consciência fonológica na alfabetização infantil. IN: LAMPRECHT, Regina et al. Consciência dos sons da língua. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2009. p. 130-143.

CHOMSKY, Noam. Linguagem e mente. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

Sinais no Poder – resenha de “Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional”

05/08/2024 14:39

 

Por Bruno Camargo

Bolsista PET Letras

Letras – Libras

 

MONZO, Francis Lobo Botelho Vilas; GOROVITZ, Sabine. Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional. In: RODRIGUES, Carlos Henrique; QUADROS, Ronice Müller de (org.). Estudos da Língua Brasileira de Sinais. Florianópolis: Editora Insular, 2023. p. 157-176.

Descrição da imagem: Ao fundo, homens e mulheres assentados na mesa diretora de uma comissão no Congresso Nacional. Em primeiro plano, uma intérprete de Libras realiza a interpretação da discussão./

Fonte: Geraldo Magela/Agência Senado

 

Esta é uma resenha do capítulo Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional, de autoria de Francis Lobo Botelho Vilas Monzo e Sabine Gorovitz. O trecho aqui resenhado se encontra no nono capítulo do sexto volume da série de livros Estudos da Língua Brasileira de Sinais, organizado por Carlos Henrique Rodrigues e Ronice Müller de Quadros e publicado no ano de 2023.

A primeira autora do capítulo é Francis Lobo Botelho Vilas Monzo. Interessou-se pela língua de sinais na adolescência e obteve o certificado Prolibras em 2007. Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2008, mestre em Estudos da Tradução pela Universidade de Brasília em 2022, é analista legislativo do Senado Federal e atua na área de acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência na Casa Legislativa.

A segunda autora da obra resenhada é Sabine Gorovitz. Graduada no ano de 1993 em Línguas Estrangeiras Aplicadas à Economia pela Université Paul-Valéry – Montpellier III, França. Mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e doutora em Sociolinguística pela Université Paris Descartes, França. A autora é docente vinculada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução da Universidade de Brasília (POSTRAD) e atua no desenvolvimento de pesquisas nas áreas de tradução, interpretação simultânea e comunitária, políticas e direitos linguísticos.

A obra está dividida nos seguintes capítulos: Introdução; Políticas linguísticas e políticas de tradução e de interpretação no par linguístico Libras-português; Contextos de atuação e contratação do intérprete de línguas de sinais no Congresso Nacional; Discussão dos resultados e avaliação da qualidade da interpretação; e Considerações finais.

Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional parte da argumentação apresentada na dissertação de mestrado, de mesmo nome, da autora Francis Monzo com orientação de Sabine Gorovitz e tem como objetivo identificar as políticas linguísticas presentes nos contratos de tradução e interpretação em língua de sinais celebrados no Congresso Nacional. A metodologia utilizada para a investigação foi de análise qualitativa e documental. Foram analisados regimentos internos e administrativos das Casas Legislativas que compõem o Congresso Nacional e contratos realizados entre os anos de 2006 e 2021, perfazendo um corpus de 18 documentos.

O capítulo é inaugurado a partir das palavras de Rajagopalan (2013, p. 34), que diz: “todo gesto de cunho político envolve uma questão de escolha entre diferentes alternativas que se apresentam”. O autor sintetiza com excelência as tomadas de decisões que são necessárias para o desenvolvimento das políticas linguísticas e de tradução e interpretação. Nessa perspectiva, Santos e Francisco chamam a atenção para o fato que “políticas linguísticas e políticas de tradução não se resumem às leis” (Santos; Francisco, 2018, p. 2946). No Brasil, ainda que a Constituição Federal enfatize o monolinguismo da Língua Portuguesa existem legislações que reconhecem a existência de outras línguas no país, como a Lei nº 10.436/2002 – Lei da Libras.

No escopo da aplicação dessas políticas de tradução e interpretação no Congresso Nacional, foram identificados dez contextos de atuação dos Tradutores Intérpretes de Língua de Sinais (TILS) em áreas como: plenário; recepções e portarias; setores de comunicação: tv câmara/tv senado; escolas de governo, entre outros. A análise dos contratos de serviços de tradução e interpretação de TILS destacou que a especificidade de cada contexto não é levada em consideração nos editais de seleção, com exceção da atuação nas TVs Legislativas. A contratação para atuação para TV é incluída na prestação de outros serviços diversos na área de televisão, portanto, a descrição das atribuições e funções do profissional é sucinta.

Na seção “Discussão dos resultados e avaliação da qualidade da interpretação”, as autoras debatem os resultados encontrados. Dentre as discussões apresentadas nota-se um avanço desde o primeiro contrato, de 2006, que se adaptaram com surgimento das políticas nacionais da categoria profissional, como o ProLibras e os cursos de formação superior. As autoras afirmam que os contratos mais recentes sequer mencionam as especificidades de atuação em cada contexto, mesmo com as distintas características existentes entre elas. A análise dos contratos também mostrou a não existência de critérios de avaliação da qualidade de interpretação no Congresso Nacional.

As autoras concluem afirmando a falta de políticas explícitas, linguísticas ou de tradução e de interpretação, voltadas ao cidadão surdo. Enquadrado nas regulamentações de acessibilidade, destacam certa tensão entre a concepção da surdez enquanto identidade cultural e o modelo médico de deficiência. De outro modo, identificaram-se avanços conquistados ao longo dos anos, mas que ainda apresentam falhas a serem revistas para contratações futuras.

Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional, de Francis Monzo e Sabine Gorovitz, é um material de suma importância para a categoria profissional. A temática das políticas linguísticas e políticas de tradução e de interpretação na esfera legislativa é emergente e o capítulo resenhado é essencial para o desenvolvimento de pesquisas nessa área. O capítulo é um material de grande relevância e impacto para estudiosos dos estudos da tradução e da interpretação em línguas de sinais. Assim, a investigação das autoras presente neste livro, bem como a dissertação homônima, são leituras recomendadas e indicadas aos profissionais e interessados.

 

REFERÊNCIAS

 

RAJAGOPALAN, Kanavillil. Política Linguística: do que é que se trata, afinal? In: NICOLAIDES, Christine et al. (org.). Política e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes, 2013. p. 19-42

 

SANTOS, Silvana; FRANCISCO, Camila. Políticas de tradução: um tema de políticas linguísticas? Fórum Linguístico, Florianópolis, v. 15, p. 2939-2949, 2018.

 

 

Primeiro Ensaio

27/07/2024 13:24

Por Mahara Soares

Voluntária | PET-Letras

Letras-Português

Ana Martins Marques, poeta, redatora e revisora, publicou “O Livro das Semelhanças”, no ano de 2015. Sendo parte do projeto poético da autora, reconhecida por relacionar o processo de escrita com a experiência do existir, tem como base um sistema metalinguístico utilizado para refletir as diferenças e semelhanças entre o real e a literatura. O livro cria um jogo metapoético que vai além de seu conteúdo, envolvendo os próprios títulos dos poemas numa espécie de construção estrutural. “Livro”, primeira das quatro seções em que a obra se divide, é introduzida com os seguintes textos: Capa, Nome do Autor, Título, Dedicatória, Epígrafe, Primeiro Poema e Segundo Poema. Os poemas têm um sentido de continuação entre si, arquitetam o livro ao mesmo tempo em questionam sua respectiva estrutura e função.

Descrição da Imagem: capa do livro. Fundo azul claro, com manchas pretas. No centro, um quadrado (virado), em branco, traz o título do livro e o nome da autora em fonte fina.

 

Primeiro poema

O primeiro verso é o mais difícil

o leitor está à porta

não sabe ainda se entra

ou só espia

se se lança ao livro

ou finalmente encara

o dia

o dia: contas a pagar

correspondência atrasada

congestionamentos

xícaras sujas

aqui ao menos não encontrarás,

leitor,

xícaras sujas

(Marques, 2015, p. 18)

 

No que diz respeito ao aspecto temático, o “Primeiro Poema” aborda a poesia como algo a parte do cotidiano, do mundo do “dia” em que cabem as coisas rotineiras. Assim, entrar no poema seria como abrir uma porta para um mundo que não o real, como (se deixar) ser transportado a outro lugar que não o comum, fugir.  Ao mesmo tempo, ironicamente, o leitor encontra elementos corriqueiros ao fazer a leitura, e o eu-lírico escreve enquanto reflete sobre a dificuldade da escrita, explorando a metalinguagem. Vejamos como a autora procede com o “Segundo Poema”:

 

Segundo poema

Agora supostamente é mais fácil

o pior já passou; já começamos

basta manter a máquina girando

pregar os olhos do leitor na página

como botões numa camisa ou um peixe

preso ao anzol, arrastando consigo

a embarcação que é este livro

torcendo para que ele não o deixe

para isso só contamos com palavras

estas mesmas que usamos todo dia

como uma mesa um prego uma bacia

escada que depois deitamos fora

aqui elas são tudo o que nos resta

e só com elas contamos agora

(Marques, 2015, p. 19)

 

O poema acima está estruturado em um soneto decassílabo, contendo dois quartetos e dois tercetos, símbolo de uma literatura clássica considerada rebuscada. Apesar disso, a inspiração se encontra apenas parcialmente no aspecto formal, já que o poema não segue à risca o padrão da métrica característica dos sonetos. É possível identificar alguns esquemas de rimas que variam entre rimas internas, enlaçadas, emparelhadas e cruzadas. Há ainda a presença de alguns versos brancos, que não compõem rimas. Nota-se, assim, o esforço da autora em romper o padrão com o padrão, uma estratégia irônica e bem articulada.

A quebra se estende à expectativa do leitor que, ao reconhecer um esquema de rimas, presume que o mesmo se repita, que haja uma sonoridade contínua, mas é surpreendido pela alternância constante e pela “dessonorização” que marca a literatura moderna. Além de não contar com rimas previsíveis, o leitor se depara com a escassez de pontuação, estes fatores o tornam diretamente responsável pela fluência da leitura do poema, ou seja, pelo ritmo, que se adere ao pensamento e vice-versa. Cria-se, assim, o movimento sonoro do poema.

A poesia coloca-se como uma tentativa de preenchimento da realidade por meio da linguagem. A ambiguidade, presente nas comparações e metáforas, explora a confusão entre os elementos reais e os imaginários, conciliando ainda mais os dois mundos, vivido e literário. Ana Martins Marques utiliza de imagens baseadas em analogias, como em “manter a máquina girando” e em “a embarcação que é este livro”, para criar relações subjetivas entre objetos diferentes.

Logo no primeiro verso de “Primeiro Poema”, o eu-lírico expressa sua preocupação com o processo de escrita que enfrenta: “O primeiro verso é o mais difícil”. Entre o bloqueio criativo e a pressão de despertar o interesse de um possível leitor, são infindas as possibilidades e escolhas de construções frasais. Já o “Segundo Poema” tem um início bem contrastante com o do texto anterior: “Agora supostamente é mais fácil / o pior já passou”. Agora a questão deixou de ser sobre como começar e tornou-se sobre como manter, como assegurar a continuidade, como garantir que o leitor seguirá nas páginas. A poeta reflete, então, sobre o material da poesia.

Ao observar os tercetos, encontra-se um tipo de espelhamento do primeiro verso da terceira estrofe e do terceiro verso da quarta: “para isso só contamos com palavras” e “e só com elas contamos agora”. Está exposta, finalmente, a fragilidade da literatura. Seu material são as palavras. Estas, que são usadas para falar de todas as coisas, das importantes e das banais, das úteis e das inúteis, das simples e das complexas. A substância da poesia é a linguagem e, principalmente neste caso, a linguagem usual do cotidiano, “estas mesmas que usamos todo dia”.

Ao mesclar os aspectos formais clássicos da métrica com o conteúdo moderno e a linguagem simples, a autora aproxima seu leitor da poesia, resgatando elementos com os quais ele está familiarizado, experiências pelas quais ele já passou. Esta concepção aumenta a eficácia poética e a fruição do texto literário, pois permite que o leitor se conecte com o livro, desperte suas memórias e preencha as lacunas deixadas pelo escritor.

A obra de Ana Martins Marques imerge o leitor em seu processo de escrita, reflete a literatura enquanto a constrói, brinca com as relações extralinguísticas que estabelece. As característica presentes em seus textos vão muito além das que foram aqui citadas, têm a capacidade de suscitar discussões variadas e profundas sobre diversos assuntos, de deixar  registrada a potencialidade de estudos futuros. Entretanto, pode-se dizer que os pontos destacados já são suficientes para afirmar a relevância da referida autora para a literatura brasileira contemporânea.

 

REFERÊNCIA

MARQUES, Ana Martins. O livro das semelhanças. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

Percepção musical dos surdos e sua relação com os sons e a vibração

25/07/2024 14:14

Por Andreza Vitória Bobsin Batista

Bolsista de Acessibilidade PET-Letras

Letras-Libras

 

Há muitos de identidades surdas. Um surdo pode tocar pandeiro, bateria, chocalho, tamborim, triângulo e tambores de maneira geral por conta da vibração, que deixa tudo mais perceptível para eles. Um surdo tem a visão e vibração, e, por isso, consegue se concentrar na música e dançar.

Descrição da Imagem: um DJ (Afonso Loss) no centro. Ao fundo, pessoas com instrumentos musicais e camisetas onde se lê “Surdodum”

Fonte: produzido pela autora

Os surdos conseguem desfrutar da música por meio de vibrações, por sons e de forma visual. As pessoas surdas sentem a música de dois jeitos diferentes: por meio de vibração ou por meio da interpretação da Língua Brasileira de Sinais- Libras. Por não conseguir ouvir, sentem a música pela vibração no corpo e também pela visão – por exemplo quando uma pessoa utiliza uma dança se movimentando e o surdo visualiza e copia todos os movimentos, gestos e expressões do artista. Deste modo existe uma ajuda para sentir a música, permitindo aguçar o sentido de percepção e ampliando o espectro de captação.

Os eventos que geralmente são promovidos por associações de surdos, e conta com a presença de surdos e ouvinte, os surdos gostam de dançar. A música faz parte da cultura surda e por sua vez que quando eles se reencontram sentem mais necessidade da vibração da música e da dança. A cultura surda é o modo como o surdo compreende o mundo a fim de modificá-lo tornando mais acessível e habitável de acordo com ajustes das percepções visuais que contribuem nas diferentes identidades e comunidades surdas. (Strobel, 2020, p. 30). Sendo assim, essa identidade envolve a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos para os surdos.

‘’[…] As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural, também surge aquela luta política ou consciência o posicional pela qual o indivíduo representa a si mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, de menos valia social”. (Perlin, 2014, p. 77-78).

No caso da música, ainda, a maioria dos surdos procuram imitar os passos de dança e tenta adivinhar os ritmos musicais que estão sendo tocados. Eles, também observam os outros dançando ou dançam à sua maneira: “bailes e festas de cultura surda não têm regras de ritmo musical correto e muitas vezes, acontece que quando acaba a música, eles continuam dançando” (Strobel, 2008, p. 64).

REFERÊNCIAS

PERLIN, Gladis. História cultural dos surdos: desafio contemporâneo. Educar em Revista, Curitiba, v. 2, n. 1, p. 17-31, ago. 2014.

 

STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora Ufsc, 2020.

Tomar a palavra na Universidade

03/07/2024 14:55

Anna Letícia de Abreu e Maysa Monteiro

Letras Língua Portuguesa

Voluntárias PET-Letras

“A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”.

Paulo Freire

MENÇÃO SOBRE TOMAR A PALAVRA NA UNIVERSIDADE E SUA NECESSIDADE

Paulo Freire já dizia, no século passado, que a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Lutar pela educação exige, sobretudo, coragem. Mas por que? Para tomar para si a palavra e falar: plenamente, abertamente, sem censura. Lutar por uma educação libertadora que dá aos sujeitos algo que deveria ser básico: o poder da palavra e o poder de expressá-la. Assim, aproximando o debate ao ensino superior, o que significa tomar a palavra na universidade? Em um contexto de inúmeros discursos – muitos deles, perigosos e fatais – retomar, buscar, exigir a palavra é um ato político. Dessa forma, percebe-se que não existe democracia sem dar voz, sem pluralidade, sem debate. É verdade, Freire não pode fugir à discussão criadora, até porque a importância da escrita, seu papel político e a necessidade de dar voz a todes na universidade é o que caracteriza uma universidade gratuita, pública e de qualidade.

Em Educação como Prática da Liberdade, Paulo Freire expõe o “método” de Alfabetização de Adultos. Já na introdução do livro, Francisco Weffort relata as experiências do método na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, onde 300 trabalhadores rurais foram alfabetizados em 45 dias, em 1962. Em certa passagem do texto de Freire, destaca-se:

Quando um ex-analfabeto de Angicos, discursando diante do presidente Goulart, que sempre nos apoiou com entusiasmo, e de sua comitiva, declarou que já não era massa, mas povo, disse mais do que uma frase: afirmou-se conscientemente numa opção. Escolheu a participação decisória, que só o povo tem, e renunciou à demissão emocional das massas. Politizou-se (Freire, 1967, p. 119).

Politizar-se! Pois aprender a dizer a palavra é isso: politizar-se. Em um cenário de desmonte da universidade pública e de constantes ataques à educação, tomar a palavra na universidade é resistir. Mas quem está tomando a palavra? Aqui, entra-se em um terreno perigoso. Não é necessário voltar muito na História (do Brasil e do mundo), para vermos discursos de ódio e morte contra a liberdade e a democracia. O dizer tem muito poder, e quem diz, também.

 

A IMPORTÂNCIA DA ESCRITA E FALA/VOZ NA UNIVERSIDADE PÚBLICA:

Professora por mais de 20 anos, bell hooks foi uma das mais importantes escritoras e educadoras. Daquelas que a gente respira e diz: “obrigada”. hooks vê na educação uma missão política, e escreve para diferentes públicos sobre raça, gênero, classe social e descolonização. Em Ensinando a transgredir – a educação como prática da liberdade, bell hooks cita constantemente Paulo Freire e dedica a ele o capítulo 4. Cita também Martin Luther King, no capítulo 3, abordando o multiculturalismo, quando discute a necessidade de construir espaços formativos de trocas de experiências e medos, questionar a educação bancária e que, principalmente, não basta apenas mudar o currículo, mas é necessário alterar atitudes. Na universidade, é necessário continuar (re) afirmando a escrita e a luta como forma de resistência e expressão de minorias. É necessário que todes tenham o poder da palavra.

 

ESCRITA & VOZ: O PAPEL POLÍTICO, QUESTIONAMENTO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL POR MEIO DA PALAVRA

Questionar, segundo o dicionário; verbo; transitivo direto; ex.: pôr em questão; fazer objeção a; controverter, rebater. Para alguns, lugar onde se é bem-vindo, para outros sinônimo de medo. Ter voz é ter um poder gigante nesse mundo, questionar – ainda – é privilégio, discursar é ter coragem. Em A ordem do discurso, Foucault aponta que discurso não é simplesmente aquilo que traduz  as  lutas, mas  aquilo também  pelo  que  se  luta; é  poder  de  querermos nos apoderar. Traduzindo para as Universidades Federais e para aquilo que pode ser dito, das situações em que se pode colocar presente e do sujeito que é o tomador da voz, unimos esses três vértices e são por eles que constantemente, nós, alunos, lutamos para dar força ao discurso. A palavra – e aqui uso o termo para todo o tipo de manifestação – é lugar de transformação social, são nos discursos que deixam de ganhar voz que se escondem as crises, anseios e críticas de uma sociedade, e é exatamente aqui onde nós queremos cavar e remexer, descobrir o que há dentro e tirar lá todas as vozes sem-voz.

A busca pelo poder e pela liberdade é um exercício que pode ser vivida dentro da faculdade, seja individualmente ou de forma coletiva. É importante que tomemos além de consciência, coragem para criarmos cada vez mais lugares de fala para as todas-ideias. Como colocado por Revel “a resistência é a possibilidade de criar espaços de lutas e agenciar possibilidades de transformação em toda parte”. Tomar a Palavra na Universidade é ter a oportunidade de expor sua voz, mas também exercer força.

 

TOMAR A PALAVRA NA UNIVERSIDADE: OPORTUNIDADE DE SE EXPRESSAR, ESPAÇOS DE FALA E INCLUSÃO

O Lutar pode ser uma estrada cujo final não podemos ver. É uma constante entre persistir e resistir, um ato de amor e de força! Dentro das nossas lutas, existem iniciativas universitárias que abraçam o nosso discurso dito e incentivam toda forma de expressão. Enquanto Centro de Comunicação e Expressão (CCE), temos como exemplo o SLAM Estrela D’Alva, um dos atos de persistência universitária. Consiste em uma competição de poesia falada popular na UFSC e fora dela também, é uma ação integrante de um dos projetos do PET-Letras.

Outra organização importante é o Centro Acadêmico Livre de Letras (CALL), uma entidade que representa e acolhe os estudantes de Letras Estrangeiras, Letras Libras, Letras Português e Secretariado Executivo, fazendo um trabalho integrativo de muita força e luta.

Debatendo sobre fala na universidade e formas de expressão, é imprescritível comentar sobre a Preguiça, a Revista (des)acadêmica do PET Letras, que foi criada em 2020 e propõe um lugar onde possam ser publicados pequenos textos literários de estudantes da UFSC e de autores(as) externos(as) à Universidade, abrindo essa chance para todos usarem a escrita – e outras formas – para posicionar-se.

Existem muitos cursos promovidos pelo PET-Letras e outras entidades dentro da Universidade que trabalham justamente com o debate, incentivando rodas de conversas, mesas redondas e afins. Por exemplo, atualmente um projeto que está em atividade constante é o RedaPET, que oferta aulas gratuitas para toda comunidade abordando gêneros textuais diversos.

Lugares assim fazem entender o que é ter voz na Universidade, que é possível e motivam continuar cada vez mais, conquistando espaços seguros e livres para todes, para Cora Coralina, “O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher”.

 

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo Martins Fontes, 2013.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Ed. Loyola, 1996 (P.10)

REVEL, J. Michel Foucault: conceitos essenciais. Tradução de Carlos Piovezani Filho e Nilton Milanez. São Carlos: Claraluz, 2005.

Greve Estudantil no CCE da UFSC: Estudantes em Luta por Condições Dignas

14/06/2024 12:18

Ingryd Lima e Manoela Raymundo

Letras-Inglês

Bolsistas PET-Letras

Descrição da Imagem 1:. Um cartaz feito por alunos do CCE. Nele, está escrito em caixa alta: “PERIGO É NORMALIZAR A PRECARIZAÇÃO!”. Foto retirada do perfil instagram @ocupacce.ufsc.

 

Em um cenário de descontentamento, diversos estudantes do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) da Universidade Federal Santa Catarina (UFSC) declararam estado greve em 28 de março de 2024, em conformidade com a paralisação docente iniciada em 07 de maio do mesmo ano. A assembleia estudantil decretou a mobilização por melhores condições de estudo, pesquisa e permanência. Em carta aberta à comunidade universitária destinada à Reitoria, os alunos expressaram suas demandas, preocupações e a insatisfação com a precariedade das condições estruturais dos prédios do Centro, que fornece cursos de Animação, Artes Cênicas, Cinema, Design, Jornalismo, os sete cursos de Letras da instituição e Secretariado Executivo.

Problemas Estruturais e Sanitários

Descrição da Imagem 2: A foto mostra as condições de uma sala de aula do CCE no período de chuvas constantes em Santa Catarina dos últimos meses, com cadeiras empilhadas umas em cima da outra e chão alagado. Foto retirada do perfil do instagram  @ocupacce.ufsc.

 

A carta dos estudantes denuncia uma série de problemas que comprometem a saúde e a segurança de toda a comunidade que frequenta o centro. No Bloco A do CCE (Centro de Comunicação e Expressão), por exemplo, há infiltrações que causam mofo nas salas de aulas e nos banheiros. Além do mofo, as salas de aula sofrem com maçanetas quebradas, forros caindo e cortinas defeituosas que impedem a visibilidade de projetores. Ademais, frequentemente, há inoperância nos banheiros, devido a goteiras, interdição de mictórios, vasos sanitários danificados, espelhos soltos e cupins que atacam as portas de madeira tanto das salas de aula quanto dos sanitários.

O Bloco B do mesmo centro, que abriga os cursos de pós-graduação e laboratórios, enfrenta situações igualmente precárias, enquanto o Bloco D, inaugurado em 2016, sofre com a falta de água devido a bebedores danificados. Este bloco também apresenta partes do teto abertas, paredes de concreto exposto e elevadores com falhas. Vale ressaltar que as obras do prédio C nunca foram concluídas; sendo assim, o prédio nunca foi inaugurado – ele sediaria as aulas do curso de Letras-Libras.

Críticas e demandas

Descrição da Imagem 3: Cartazes feitos por alunos do CCE. O primeiro, à esquerda, diz “Que conhecimento permanece quando os tetos desmoronam?” e, o segundo, à direita, “Paramos agora para não pararmos para SEMPRE! Letras na Luta”. Foto retirada do perfil do instagram do @call.ufsc.

Os estudantes criticam o governo atual por não cumprir suas promessas de campanha de reparar os danos causados pelos cortes orçamentários às universidades públicas feitos pelos governos anteriores. Como se sabe, a persistência desses cortes impactou severamente as universidades e seus gastos discricionários, essenciais para cobrir despesas básicas como luz e água, o que resolveria uma grande parte dos problemas enfrentados.

Em consequência dos cortes que prejudicam os gastos discricionários, algumas necessidades básicas do centro, como por exemplo, o conserto dos bebedouros e ar-condicionados, foram custeados pelo Departamento de Língua Estrangeira (DLLE) através de recursos arrecadados pelos Cursos Extracurriculares de Letras-Estrangeiras da UFSC.

Os discentes ressaltam que o bloqueio de R$119 milhões destinados à educação superior, realizado pelo governo atual, é considerado insuficiente pela ANDIFES (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior). Segundo a associação, seria necessário um repasse mínimo de R$2,5 bilhões para garantir o funcionamento básico das instituições federais. O baixo valor do repasse impacta diretamente setores fundamentais da universidade, como o Restaurante Universitário, que pode ter suas atividades parcialmente ou totalmente afetadas. Por fim, a carta dos estudantes solicita uma mobilização coletiva da comunidade universitária e uma postura ativa da reitoria para pressionar o governo federal pela restituição orçamentária universitária.

 

Sessões Ordinárias do CUn e Resolução 132

Descrição da Imagem 4: Um cartaz feito por alunos do CCE foi fixado na porta de entrada do Bloco A do CCE. Nele, está escrito “Vamos lutar e ninguém vai impedir!”, acompanhado de um desenho de uma pessoa segurando uma bandeira. A imagem está em tons de cinza. Foto retirada do perfil do Instagram @ocupacce.ufsc.

 

Nos últimos meses, diversas Sessões Ordinárias Abertas vem acontecendo trazendo discussões estudantis que visam contemplar as necessidades dos discentes e dos envolvidos na greve. Em uma destas sessões, realizada no dia 28 de maio de 2024, foi discutida, votada e aprovada a Resolução Normativa Nº 132/2019, que garante a reposição das atividades afetadas devido a paralisação dos estudantes. Além disso, a resolução também inclui a suspensão do controle de frequência e avaliação durante o período de paralisação.

Não só visando benefícios à comunidade discente, foi aprovada pelo CUn (Conselho Universitário), em Sessão Aberta, uma Moção de Apoio à greve dos TAEs (Técnico-administrativos da Educação) e Docentes, manifestando apoio à recomposição orçamentária da UFSC, à reestruturação das carreiras dos servidores docentes e técnico-administrativos e à recomposição salarial dos grupos. Visto que estas mudanças favoráveis à toda comunidade acadêmica foram aprovadas em Sessão Aberta, é essencial frisar a importância da participação estudantil dentro das questões que fundamentam a universidade e visam melhorar as condições da mesma.

 Engajamento Discente e Docente na greve estudantil no CCE

 

Dentre os estudantes do Centro de Comunicação e Expressão surgem diversos movimentos que visam mobilizar e informar estudantes em prol da organização e paralisação estudantil, como o CALL (Centro Acadêmico Livres de Letras) e outros centros acadêmicos. A participação discente na greve é fundamental para levantar reivindicações em prol da construção de uma educação pública efetiva de qualidade. Os estudantes possuem o papel central na identificação, exposição e expressão dos problemas estruturais e pedagógicos que afetam a comunidade acadêmica. Com a união e mobilização dos estudantes, as vozes da comunidade discente se amplificam, demonstrando comprometimento com o futuro da educação, pressionando as autoridades competentes a enxergarem as reivindicações e adotarem medidas concretas.

No caso do CCE da UFSC, a participação dos discentes na greve tem sido expressiva e organizada, através de movimentos como o OcupaCCE e do  CALL, que tem sido primordial para a mobilização e comunicação referente a paralisação estudantil. Tais grupos, através de posts e assembleias, reforçam a participação ativa nas discussões, no apoio às reivindicações estudantis por condições dignas de estudo e permanência na universidade, pois frisam a importância de tal participação para alcançar mudanças e garantir uma educação de qualidade.

Para aqueles que desejam obter informações sobre os acontecimentos da greve e apoiar a batalha estudantil, é fundamental acompanhar as atualizações nos perfis do Instagram do CALL (@call.ufsc) e do OcupaCCE (@ocupacce.ufsc). Esses canais fornecem informações em tempo real sobre as ações, reuniões e manifestações relacionados à greve, além de servir como um espaço para a discussão e engajamento da comunidade acadêmica.

Deaf Power: símbolo de resistência surda nos tempos de greve

05/06/2024 07:16

Por Gustavo Flores

Bolsista de Acessibilidade PET-Letras

Letras Libras

 

Nesses tempos de reivindicação, é bom lembrar da luta dos surdos e de algumas estratégias, como o “deaf power”. “Deaf Power”, em inglês, ou “Poder Surdo”, em português, é uma expressão que valoriza e exalta a comunidade surda, celebrando sua identidade, cultura, habilidades e língua de sinais. Utilizada em movimentos sociais e ativismo surdo, visa garantir igualdade de direitos, acesso à educação e serviços de qualidade para os surdos. Além disso, o Deaf Power ressalta a história, as línguas e os valores das comunidades surdas globalmente, representando um símbolo de orgulho cultural. Sua aplicação, tanto dentro quanto fora da comunidade surda, é encorajada, sendo um símbolo de código aberto que reflete essa diversidade e pode ser utilizado livremente para expressar qualquer coisa. A colaboração entre Christine Sun Kim, uma artista surda americana em Berlim, e Ravi Vasavan, um designer surdo australiano em Londres, deu origem à ideia do símbolo. Todos são incentivados a usar e compartilhar o símbolo. Um símbolo distinto ajuda na rápida identificação, tanto visualmente quanto textualmente. Isso complementa outras formas de representar o “Poder Surdo”, como <0/ ou \0>, sem substituí-las.

A descrição da imagem retrata o símbolo do ‘Deaf Power’, baseado na forma escrita do sinal ‘Poder Surdo’. Nela, uma mão está aberta sobre a orelha, enquanto a outra mão forma um punho fechado no ar.

 Fonte: https://encurtador.com.br/ZKs0t

                                                                                                                                              Lugar de Surdo é onde ele quiser!

 

Descrição da imagem: a imagem mostra o sinal escrito do ‘Deaf Power’, feito pelo signpuddle, simbolizando o empoderamento e orgulho da comunidade surda. Uma mão aberta sobre a orelha e outra formando um punho fechado no ar representam força e determinação.

 Fonte: https://encurtador.com.br/TVCgg

Conforme o Deaf Power (conta nas redes sociais):

“Posso usar o símbolo? Sim, encorajamos seu uso! Compartilhe suas criações online marcando-nos no Instagram @deafpower.me e no Twitter @deafpowerme. Desta forma, poderemos destacar seu trabalho em nossas redes sociais e site!

Licenciamento e propriedade: O símbolo é disponibilizado sob a licença Creative Commons, Attribution-ShareAlike 4.0 International (CC BY-SA 4.0). Saiba mais sobre a licença aqui. Ele é livre para uso e pertence à comunidade surda internacional em espírito, nunca será registrado ou restrito”.

 

Descrição da imagem: uma ilustração. Num fundo branco, uma mulher preta de cor escura, cabelos lisos faz o sinal do Deaf Power. Ela veste uma camisa de manga comprida azul e, por baixo, uma camiseta branca onde se lê “Deaf Power”.