Programa de Educação Tutorial dos Cursos de Letras da Universidade Federal de Santa Catarina
  • Tomar a palavra na Universidade

    Publicado em 03/07/2024 às 14:55

    Anna Letícia de Abreu e Maysa Monteiro

    Letras Língua Portuguesa

    Voluntárias PET-Letras

    “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”.

    Paulo Freire

    MENÇÃO SOBRE TOMAR A PALAVRA NA UNIVERSIDADE E SUA NECESSIDADE

    Paulo Freire já dizia, no século passado, que a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Lutar pela educação exige, sobretudo, coragem. Mas por que? Para tomar para si a palavra e falar: plenamente, abertamente, sem censura. Lutar por uma educação libertadora que dá aos sujeitos algo que deveria ser básico: o poder da palavra e o poder de expressá-la. Assim, aproximando o debate ao ensino superior, o que significa tomar a palavra na universidade? Em um contexto de inúmeros discursos – muitos deles, perigosos e fatais – retomar, buscar, exigir a palavra é um ato político. Dessa forma, percebe-se que não existe democracia sem dar voz, sem pluralidade, sem debate. É verdade, Freire não pode fugir à discussão criadora, até porque a importância da escrita, seu papel político e a necessidade de dar voz a todes na universidade é o que caracteriza uma universidade gratuita, pública e de qualidade.

    Em Educação como Prática da Liberdade, Paulo Freire expõe o “método” de Alfabetização de Adultos. Já na introdução do livro, Francisco Weffort relata as experiências do método na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, onde 300 trabalhadores rurais foram alfabetizados em 45 dias, em 1962. Em certa passagem do texto de Freire, destaca-se:

    Quando um ex-analfabeto de Angicos, discursando diante do presidente Goulart, que sempre nos apoiou com entusiasmo, e de sua comitiva, declarou que já não era massa, mas povo, disse mais do que uma frase: afirmou-se conscientemente numa opção. Escolheu a participação decisória, que só o povo tem, e renunciou à demissão emocional das massas. Politizou-se (Freire, 1967, p. 119).

    Politizar-se! Pois aprender a dizer a palavra é isso: politizar-se. Em um cenário de desmonte da universidade pública e de constantes ataques à educação, tomar a palavra na universidade é resistir. Mas quem está tomando a palavra? Aqui, entra-se em um terreno perigoso. Não é necessário voltar muito na História (do Brasil e do mundo), para vermos discursos de ódio e morte contra a liberdade e a democracia. O dizer tem muito poder, e quem diz, também.

     

    A IMPORTÂNCIA DA ESCRITA E FALA/VOZ NA UNIVERSIDADE PÚBLICA:

    Professora por mais de 20 anos, bell hooks foi uma das mais importantes escritoras e educadoras. Daquelas que a gente respira e diz: “obrigada”. hooks vê na educação uma missão política, e escreve para diferentes públicos sobre raça, gênero, classe social e descolonização. Em Ensinando a transgredir – a educação como prática da liberdade, bell hooks cita constantemente Paulo Freire e dedica a ele o capítulo 4. Cita também Martin Luther King, no capítulo 3, abordando o multiculturalismo, quando discute a necessidade de construir espaços formativos de trocas de experiências e medos, questionar a educação bancária e que, principalmente, não basta apenas mudar o currículo, mas é necessário alterar atitudes. Na universidade, é necessário continuar (re) afirmando a escrita e a luta como forma de resistência e expressão de minorias. É necessário que todes tenham o poder da palavra.

     

    ESCRITA & VOZ: O PAPEL POLÍTICO, QUESTIONAMENTO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL POR MEIO DA PALAVRA

    Questionar, segundo o dicionário; verbo; transitivo direto; ex.: pôr em questão; fazer objeção a; controverter, rebater. Para alguns, lugar onde se é bem-vindo, para outros sinônimo de medo. Ter voz é ter um poder gigante nesse mundo, questionar – ainda – é privilégio, discursar é ter coragem. Em A ordem do discurso, Foucault aponta que discurso não é simplesmente aquilo que traduz  as  lutas, mas  aquilo também  pelo  que  se  luta; é  poder  de  querermos nos apoderar. Traduzindo para as Universidades Federais e para aquilo que pode ser dito, das situações em que se pode colocar presente e do sujeito que é o tomador da voz, unimos esses três vértices e são por eles que constantemente, nós, alunos, lutamos para dar força ao discurso. A palavra – e aqui uso o termo para todo o tipo de manifestação – é lugar de transformação social, são nos discursos que deixam de ganhar voz que se escondem as crises, anseios e críticas de uma sociedade, e é exatamente aqui onde nós queremos cavar e remexer, descobrir o que há dentro e tirar lá todas as vozes sem-voz.

    A busca pelo poder e pela liberdade é um exercício que pode ser vivida dentro da faculdade, seja individualmente ou de forma coletiva. É importante que tomemos além de consciência, coragem para criarmos cada vez mais lugares de fala para as todas-ideias. Como colocado por Revel “a resistência é a possibilidade de criar espaços de lutas e agenciar possibilidades de transformação em toda parte”. Tomar a Palavra na Universidade é ter a oportunidade de expor sua voz, mas também exercer força.

     

    TOMAR A PALAVRA NA UNIVERSIDADE: OPORTUNIDADE DE SE EXPRESSAR, ESPAÇOS DE FALA E INCLUSÃO

    O Lutar pode ser uma estrada cujo final não podemos ver. É uma constante entre persistir e resistir, um ato de amor e de força! Dentro das nossas lutas, existem iniciativas universitárias que abraçam o nosso discurso dito e incentivam toda forma de expressão. Enquanto Centro de Comunicação e Expressão (CCE), temos como exemplo o SLAM Estrela D’Alva, um dos atos de persistência universitária. Consiste em uma competição de poesia falada popular na UFSC e fora dela também, é uma ação integrante de um dos projetos do PET-Letras.

    Outra organização importante é o Centro Acadêmico Livre de Letras (CALL), uma entidade que representa e acolhe os estudantes de Letras Estrangeiras, Letras Libras, Letras Português e Secretariado Executivo, fazendo um trabalho integrativo de muita força e luta.

    Debatendo sobre fala na universidade e formas de expressão, é imprescritível comentar sobre a Preguiça, a Revista (des)acadêmica do PET Letras, que foi criada em 2020 e propõe um lugar onde possam ser publicados pequenos textos literários de estudantes da UFSC e de autores(as) externos(as) à Universidade, abrindo essa chance para todos usarem a escrita – e outras formas – para posicionar-se.

    Existem muitos cursos promovidos pelo PET-Letras e outras entidades dentro da Universidade que trabalham justamente com o debate, incentivando rodas de conversas, mesas redondas e afins. Por exemplo, atualmente um projeto que está em atividade constante é o RedaPET, que oferta aulas gratuitas para toda comunidade abordando gêneros textuais diversos.

    Lugares assim fazem entender o que é ter voz na Universidade, que é possível e motivam continuar cada vez mais, conquistando espaços seguros e livres para todes, para Cora Coralina, “O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher”.

     

    REFERÊNCIAS

    FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

    hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo Martins Fontes, 2013.

    FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Ed. Loyola, 1996 (P.10)

    REVEL, J. Michel Foucault: conceitos essenciais. Tradução de Carlos Piovezani Filho e Nilton Milanez. São Carlos: Claraluz, 2005.


  • Greve Estudantil no CCE da UFSC: Estudantes em Luta por Condições Dignas

    Publicado em 14/06/2024 às 12:18

    Ingryd Lima e Manoela Raymundo

    Letras-Inglês

    Bolsistas PET-Letras

    Descrição da Imagem 1:. Um cartaz feito por alunos do CCE. Nele, está escrito em caixa alta: “PERIGO É NORMALIZAR A PRECARIZAÇÃO!”. Foto retirada do perfil instagram @ocupacce.ufsc.

     

    Em um cenário de descontentamento, diversos estudantes do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) da Universidade Federal Santa Catarina (UFSC) declararam estado greve em 28 de março de 2024, em conformidade com a paralisação docente iniciada em 07 de maio do mesmo ano. A assembleia estudantil decretou a mobilização por melhores condições de estudo, pesquisa e permanência. Em carta aberta à comunidade universitária destinada à Reitoria, os alunos expressaram suas demandas, preocupações e a insatisfação com a precariedade das condições estruturais dos prédios do Centro, que fornece cursos de Animação, Artes Cênicas, Cinema, Design, Jornalismo, os sete cursos de Letras da instituição e Secretariado Executivo.

    Problemas Estruturais e Sanitários

    Descrição da Imagem 2: A foto mostra as condições de uma sala de aula do CCE no período de chuvas constantes em Santa Catarina dos últimos meses, com cadeiras empilhadas umas em cima da outra e chão alagado. Foto retirada do perfil do instagram  @ocupacce.ufsc.

     

    A carta dos estudantes denuncia uma série de problemas que comprometem a saúde e a segurança de toda a comunidade que frequenta o centro. No Bloco A do CCE (Centro de Comunicação e Expressão), por exemplo, há infiltrações que causam mofo nas salas de aulas e nos banheiros. Além do mofo, as salas de aula sofrem com maçanetas quebradas, forros caindo e cortinas defeituosas que impedem a visibilidade de projetores. Ademais, frequentemente, há inoperância nos banheiros, devido a goteiras, interdição de mictórios, vasos sanitários danificados, espelhos soltos e cupins que atacam as portas de madeira tanto das salas de aula quanto dos sanitários.

    O Bloco B do mesmo centro, que abriga os cursos de pós-graduação e laboratórios, enfrenta situações igualmente precárias, enquanto o Bloco D, inaugurado em 2016, sofre com a falta de água devido a bebedores danificados. Este bloco também apresenta partes do teto abertas, paredes de concreto exposto e elevadores com falhas. Vale ressaltar que as obras do prédio C nunca foram concluídas; sendo assim, o prédio nunca foi inaugurado – ele sediaria as aulas do curso de Letras-Libras.

    Críticas e demandas

    Descrição da Imagem 3: Cartazes feitos por alunos do CCE. O primeiro, à esquerda, diz “Que conhecimento permanece quando os tetos desmoronam?” e, o segundo, à direita, “Paramos agora para não pararmos para SEMPRE! Letras na Luta”. Foto retirada do perfil do instagram do @call.ufsc.

    Os estudantes criticam o governo atual por não cumprir suas promessas de campanha de reparar os danos causados pelos cortes orçamentários às universidades públicas feitos pelos governos anteriores. Como se sabe, a persistência desses cortes impactou severamente as universidades e seus gastos discricionários, essenciais para cobrir despesas básicas como luz e água, o que resolveria uma grande parte dos problemas enfrentados.

    Em consequência dos cortes que prejudicam os gastos discricionários, algumas necessidades básicas do centro, como por exemplo, o conserto dos bebedouros e ar-condicionados, foram custeados pelo Departamento de Língua Estrangeira (DLLE) através de recursos arrecadados pelos Cursos Extracurriculares de Letras-Estrangeiras da UFSC.

    Os discentes ressaltam que o bloqueio de R$119 milhões destinados à educação superior, realizado pelo governo atual, é considerado insuficiente pela ANDIFES (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior). Segundo a associação, seria necessário um repasse mínimo de R$2,5 bilhões para garantir o funcionamento básico das instituições federais. O baixo valor do repasse impacta diretamente setores fundamentais da universidade, como o Restaurante Universitário, que pode ter suas atividades parcialmente ou totalmente afetadas. Por fim, a carta dos estudantes solicita uma mobilização coletiva da comunidade universitária e uma postura ativa da reitoria para pressionar o governo federal pela restituição orçamentária universitária.

     

    Sessões Ordinárias do CUn e Resolução 132

    Descrição da Imagem 4: Um cartaz feito por alunos do CCE foi fixado na porta de entrada do Bloco A do CCE. Nele, está escrito “Vamos lutar e ninguém vai impedir!”, acompanhado de um desenho de uma pessoa segurando uma bandeira. A imagem está em tons de cinza. Foto retirada do perfil do Instagram @ocupacce.ufsc.

     

    Nos últimos meses, diversas Sessões Ordinárias Abertas vem acontecendo trazendo discussões estudantis que visam contemplar as necessidades dos discentes e dos envolvidos na greve. Em uma destas sessões, realizada no dia 28 de maio de 2024, foi discutida, votada e aprovada a Resolução Normativa Nº 132/2019, que garante a reposição das atividades afetadas devido a paralisação dos estudantes. Além disso, a resolução também inclui a suspensão do controle de frequência e avaliação durante o período de paralisação.

    Não só visando benefícios à comunidade discente, foi aprovada pelo CUn (Conselho Universitário), em Sessão Aberta, uma Moção de Apoio à greve dos TAEs (Técnico-administrativos da Educação) e Docentes, manifestando apoio à recomposição orçamentária da UFSC, à reestruturação das carreiras dos servidores docentes e técnico-administrativos e à recomposição salarial dos grupos. Visto que estas mudanças favoráveis à toda comunidade acadêmica foram aprovadas em Sessão Aberta, é essencial frisar a importância da participação estudantil dentro das questões que fundamentam a universidade e visam melhorar as condições da mesma.

     Engajamento Discente e Docente na greve estudantil no CCE

     

    Dentre os estudantes do Centro de Comunicação e Expressão surgem diversos movimentos que visam mobilizar e informar estudantes em prol da organização e paralisação estudantil, como o CALL (Centro Acadêmico Livres de Letras) e outros centros acadêmicos. A participação discente na greve é fundamental para levantar reivindicações em prol da construção de uma educação pública efetiva de qualidade. Os estudantes possuem o papel central na identificação, exposição e expressão dos problemas estruturais e pedagógicos que afetam a comunidade acadêmica. Com a união e mobilização dos estudantes, as vozes da comunidade discente se amplificam, demonstrando comprometimento com o futuro da educação, pressionando as autoridades competentes a enxergarem as reivindicações e adotarem medidas concretas.

    No caso do CCE da UFSC, a participação dos discentes na greve tem sido expressiva e organizada, através de movimentos como o OcupaCCE e do  CALL, que tem sido primordial para a mobilização e comunicação referente a paralisação estudantil. Tais grupos, através de posts e assembleias, reforçam a participação ativa nas discussões, no apoio às reivindicações estudantis por condições dignas de estudo e permanência na universidade, pois frisam a importância de tal participação para alcançar mudanças e garantir uma educação de qualidade.

    Para aqueles que desejam obter informações sobre os acontecimentos da greve e apoiar a batalha estudantil, é fundamental acompanhar as atualizações nos perfis do Instagram do CALL (@call.ufsc) e do OcupaCCE (@ocupacce.ufsc). Esses canais fornecem informações em tempo real sobre as ações, reuniões e manifestações relacionados à greve, além de servir como um espaço para a discussão e engajamento da comunidade acadêmica.


  • Deaf Power: símbolo de resistência surda nos tempos de greve

    Publicado em 05/06/2024 às 07:16

    Por Gustavo Flores

    Bolsista de Acessibilidade PET-Letras

    Letras Libras

     

    Nesses tempos de reivindicação, é bom lembrar da luta dos surdos e de algumas estratégias, como o “deaf power”. “Deaf Power”, em inglês, ou “Poder Surdo”, em português, é uma expressão que valoriza e exalta a comunidade surda, celebrando sua identidade, cultura, habilidades e língua de sinais. Utilizada em movimentos sociais e ativismo surdo, visa garantir igualdade de direitos, acesso à educação e serviços de qualidade para os surdos. Além disso, o Deaf Power ressalta a história, as línguas e os valores das comunidades surdas globalmente, representando um símbolo de orgulho cultural. Sua aplicação, tanto dentro quanto fora da comunidade surda, é encorajada, sendo um símbolo de código aberto que reflete essa diversidade e pode ser utilizado livremente para expressar qualquer coisa. A colaboração entre Christine Sun Kim, uma artista surda americana em Berlim, e Ravi Vasavan, um designer surdo australiano em Londres, deu origem à ideia do símbolo. Todos são incentivados a usar e compartilhar o símbolo. Um símbolo distinto ajuda na rápida identificação, tanto visualmente quanto textualmente. Isso complementa outras formas de representar o “Poder Surdo”, como <0/ ou \0>, sem substituí-las.

    A descrição da imagem retrata o símbolo do ‘Deaf Power’, baseado na forma escrita do sinal ‘Poder Surdo’. Nela, uma mão está aberta sobre a orelha, enquanto a outra mão forma um punho fechado no ar.

     Fonte: https://encurtador.com.br/ZKs0t

                                                                                                                                                  Lugar de Surdo é onde ele quiser!

     

    Descrição da imagem: a imagem mostra o sinal escrito do ‘Deaf Power’, feito pelo signpuddle, simbolizando o empoderamento e orgulho da comunidade surda. Uma mão aberta sobre a orelha e outra formando um punho fechado no ar representam força e determinação.

     Fonte: https://encurtador.com.br/TVCgg

    Conforme o Deaf Power (conta nas redes sociais):

    “Posso usar o símbolo? Sim, encorajamos seu uso! Compartilhe suas criações online marcando-nos no Instagram @deafpower.me e no Twitter @deafpowerme. Desta forma, poderemos destacar seu trabalho em nossas redes sociais e site!

    Licenciamento e propriedade: O símbolo é disponibilizado sob a licença Creative Commons, Attribution-ShareAlike 4.0 International (CC BY-SA 4.0). Saiba mais sobre a licença aqui. Ele é livre para uso e pertence à comunidade surda internacional em espírito, nunca será registrado ou restrito”.

     

    Descrição da imagem: uma ilustração. Num fundo branco, uma mulher preta de cor escura, cabelos lisos faz o sinal do Deaf Power. Ela veste uma camisa de manga comprida azul e, por baixo, uma camiseta branca onde se lê “Deaf Power”. 

     


  • Comunicado do Centro Acadêmico Livres de Letras e Secretariado Executivo

    Publicado em 04/06/2024 às 14:38

    “Como estão todos cientes, a categoria discente da UFSC está em greve desde o dia 13 de maio. Na última terça-feira (28), ocorreu uma sessão do Conselho Universitário, na qual foram aprovadas atualizações à Resolução Normativa Nº 132/2019. Escrevemos, portanto, para informar aqueles que não estão familiarizados com a resolução, que resguarda os direitos da nossa categoria neste momento de greve (ou paralisação, como consta no documento).

    Ressaltamos os seguintes trechos:

    “Art. 2º Ficam suspensos, excepcional e temporariamente, os efeitos do parágrafo 2º do artigo 69 da Resolução Normativa nº 017/CUn/97, assim como dos artigos 57 e 58 da Resolução Normativa nº 154/VUn/2021, que tratam da frequência e da avaliação do aproveitamento escolar, desde as datas da constatação da paralisação estudantil, iniciada a partir das Assembleias Gerais do Diretório Central dos Estudantes Luís Travassos e da Associação de Pós-Graduandos, até a data de seu encerramento, decretada em novas assembleias dos respectivos setores estudantis e informada pelas entidades à Administração Central.”

    “§ 2º As frequências eventualmente computadas em qualquer atividade acadêmica, inclusive estágio básico e teórico-práticos, estágios profissionais, trabalhos de campo, residência médica e estágios dos cursos de licenciatura no período de paralisação discente serão preservadas e compensadas nos novos cronogramas de reposição de conteúdos a que se refere o artigo 3º, parágrafo 2º, desta resolução normativa.”

    No mencionado Art. 3º, o documento resolve “determinar que sejam garantidos ao corpo discente a reposição de conteúdo programático, a realização de atividades avaliativas, inclusive àquelas aplicadas pelos Ambientes Virtuais de Aprendizagem, e o controle de frequência efetuados durante o período de paralisação estudantil em novas datas”.

    “§ 3º O docente, ao marcar novas datas para atividades avaliativas, deverá ofertar aos discentes período razoável de preparação, atentando às demais atividades avaliativas de outras disciplinas cursadas pelos discentes, sendo vedada a realização dessas atividades por 10 (dez) dias úteis após a comunicação do término da paralisação estudantil.”

    Por fim, ressaltamos o Art. 6º: “Não serão suspensos em função da paralisação os pagamentos de bolsas e demais auxílios operados pela administração central”. A respeito das diferentes modalidades de bolsas, sugerimos a leitura integral do documento, que será publicado nos meios oficiais da universidade.

    Com essa breve exposição da resolução, esperamos ter solucionado as dúvidas dos diversos docentes que entraram em contato com os estudantes pedindo esclarecimentos a respeito do assunto.

    Acima de tudo, esperamos ter esclarecido que os direitos da categoria discente estão resguardados pela resolução e que quaisquer ameaças de reprovação (seja por frequência ou por notas), de cortes de bolsas ou de perda de conteúdos programáticos não poderão ser concretizadas.

    Certos de seu apoio em nossa luta pela educação pública,

    Centro Acadêmico Livre de Letras e Secretariado Executivo”.

    Além deste comunicado do CALL, há uma CARTA DE REIVINDICAÇÕES DOS/DAS/DES ESTUDANTES DO CCE, que poder ser conferida AQUI.


  • O Direito de Greve no Brasil: Uma Luta Histórica pela Justiça Trabalhista

    Publicado em 20/05/2024 às 10:31

    Hanna Boassi e Laiara Serafim

    Letras – Português

    Bolsistas PET-Letras

     A HISTÓRIA DA GREVE NO BRASIL

    O direito de greve é um dos temas mais complexos na história recente do Brasil. Até os dias atuais, ele continua a incitar debates acalorados, despertando questionamentos e indignações. A história das greves no país é um tema polêmico, e explorar essas experiências passadas pode fornecer novas perspectivas para debates presentes e futuros. Sendo assim, este breve texto tem por objetivo resumir a luta pela conquista do direito de greve e evidenciar que essa luta se deu unicamente por meio da própria greve. A concentração das massas proletárias, advinda do nascimento da indústria, associada à precariedade de sua situação socioeconômica frente aos patrões, contribuíram para a formação das associações profissionais, que exaltaram a greve como forma de reivindicar e obter melhorias das condições de trabalho

    A greve como direito no Brasil perpassa por muitas camadas. Desde a Primeira República (1890), a greve era um direito do trabalhador. Tal reconhecimento formal foi feito pelos Tribunais, pelos juristas da época e até mesmo por diversas manifestações do Poder Executivo, da política e de algumas empresas. No entanto, o fato de ser um direito e não um crime, não impediu que a greve fosse brutalmente combatida neste período. Bastava que ela fosse contrária aos interesses econômicos dos donos de fábricas, empresas ou estabelecimentos comerciais, para que a força policial usualmente fosse utilizada.

    “O argumento utilizado para o combate à greve de 1906, por exemplo, pôde ser visto em outros momentos também: as empresas alegavam não questionar o direito de greve do trabalhador, assim como a polícia, e justificavam a convocação desta apenas para combater os grevistas violentos, “criminosos”, e para proteger o patrimônio público ou privado em jogo. Tal justificativa servia para que a força policial fosse empregada contra todos. Além das prisões, há relatos de trabalhadores que foram mortos, expulsos de suas casas ou do país.” (Siqueira, 2015,  p. 146)

    Como descrito no compilado detalhado de Siqueira (2015), tal cenário se perpetuou ainda por muito tempo. Mesmo com a construção de uma estrutura sindical vinculada ao Estado e a criação de leis trabalhistas, como a CLT, o objetivo central era de desencorajar movimentos grevistas mantendo a harmonia social por meio da eliminação dos conflitos entre o trabalho e o capital, por meio de um pacto social entre as massas trabalhadoras e o Estado. Mesmo com as manobras do Estado para aproximar os trabalhadores do governo, muitos ainda foram processados criminalmente por supostamente estarem envolvidos em movimentos grevistas. De fato, pouco importava se a greve era legal ou não: o uso da força policial contra todo o movimento grevista continuava – ou continua?

    Somente mais de cinquenta anos depois, em 1946, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil consagrou o direito de greve, em seu artigo 159: “É livre a associação profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma de sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas pelo Poder Público”. Desse modo, um direito há muito tempo existente tornava-se reconhecido e assegurado por lei.

    Contudo, nos anos seguintes, mediante a um novo cenário de ditadura, o direito de greve foi fortemente “regulamentado”, sendo adicionado à lei diversos empecilhos, o que, na prática, tornava criminal todas as greves. No entanto, isso não significou que as greves deixaram de existir, pelo contrário, ocorreram muitas greves no período ditatorial, o que acarretou na violência e morte de diversos trabalhadores. Com efeito, fazer greve era um sinal de atentado contra a segurança nacional e a repressão da ditadura não falhava em perseguir os trabalhadores (Siqueira, 2015).

    Somente vinte anos depois, com o fim da ditadura militar, uma nova constituição era promulgada, assegurando todos os direitos violados no antigo período, inclusive o da greve. O direito de greve, no entanto, veio com mudanças. A partir de então, competia à classe trabalhadora a decisão da prática de greve, os interesses e as justificativas.

    Descrição de imagem: Foto tirada da assembleia geral de 28 de fevereiro de 2024, em frente a reitoria da UFSC.

    Fonte: SINTUFSC (2024)

    CENÁRIO ATUAL DAS GREVES NA EDUCAÇÃO

    Em 2024, a educação no Brasil tem enfrentado diversas paralisações e manifestações tanto em nível nacional quanto estadual. Essas greves são motivadas por uma combinação de fatores, incluindo salários defasados, condições precárias de trabalho e descontentamento com políticas educacionais. Os profissionais da educação, incluindo docentes, auxiliares e técnicos administrativos têm exposto que seus salários não acompanham a inflação e o aumento do custo de vida. A falta de reajustes adequados ao longo dos anos tem gerado uma grande insatisfação para esses profissionais. Além dos salários, as condições de trabalho são outro ponto crítico, pois muitas instituições de ensino público enfrentam problemas graves de infraestrutura, como prédios em mau estado de conservação, laboratórios sem equipamentos adequados e falta de recursos para pesquisa (Basilio, 2024).

    Os cortes no orçamento das universidades e institutos federais têm gerado grande insatisfação, essa redução de verbas afeta diretamente a qualidade do ensino e da pesquisa e compromete os projetos de extensão e programas de assistência estudantil. Apesar de causarem transtornos na rotina acadêmica e administrativa, as greves servem como uma importante forma de pressão política para negociar melhores condições de trabalho.

    Na última quarta-feira (15), o governo federal apresentou uma nova proposta de negociação aos docentes de instituições federais, que deflagraram greve há um mês. “O plano continua a não prever reajuste para a categoria em 2024, mas reformula os índices de recomposição salarial, em uma variação de 13,3% a 31% até 2026” (Basilio, 2024).

     A ausência do reajuste imediato foi recebida com descontentamento, já que a recomposição salarial deve ser mais urgente devido à defasagem acumulada durante os anos.

    CONCLUSÃO

    A história das greves no Brasil, então, é marcada por uma luta contínua pelo direito de melhores condições de trabalho e salários justos, os trabalhadores brasileiros têm enfrentado inúmeros desafios para garantir que suas vozes sejam ouvidas.

    Atualmente, as greves na educação refletem as insatisfações dos profissionais da área. As recentes negociações com o governo federal, embora ofereçam uma recomposição salarial até 2026, não atendem à demanda urgente por reajustes imediatos, causando descontentamento entre os docentes e técnicos administrativos. A luta pelo direito de greve e pelas melhorias no setor educacional é contínua e requer compromisso e colaboração de todas as partes envolvidas.

    REFERÊNCIAS

    BASILIO, Ana Luiza. Greve na educação: sem reajustes em 2014, governo apresenta nova proposta para os próximos anos. sem reajustes em 2014, governo apresenta nova proposta para os próximos anos. 2024. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/educacao/greve-na-educacao-sem-reajustes-em-2024-governo-apresenta-nova-proposta-para-os-proximos-anos/. Acesso em: 18 maio 2024.

    SIQUEIRA, Gustavo Silveira. História do direito de greve no Brasil: Relatos de um projeto de pesquisa. In: SILVEIRA, Gustavo (org.). Teoria e Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Direito Uerj, 2015. p. 145-161


  • Fanfictions: uma jornada de descoberta literária e criativa

    Publicado em 14/05/2024 às 12:38

    Por Daniely de la Vega

    Bolsista PET-Letras

    Letras Português

     

    Dentro do vasto cenário da literatura, as fanfictions se destacam como um fenômeno cativante, proporcionando um portal multifacetado para a expressão criativa e o intercâmbio cultural. Mais do que simples manifestações de fanatismo, essas criações derivativas evoluíram para uma forma de arte popular entre os jovens, convidando leitores e autores a explorarem novas fronteiras narrativas e a mergulharem nas profundezas da imaginação humana.

    Descrição da imagem: mãos femininas digitando em um laptop apoiado sobre uma mesa

    Fonte: Google Imagens

    O atrativo das fanfictions reside em sua capacidade de expandir e reimaginar os universos ficcionais estabelecidos. Ao se apropriarem de personagens, cenários e conceitos de obras populares, os escritores de fanfictions criam uma teia complexa de narrativas alternativas, explorando possibilidades que vão além dos limites estabelecidos pelos criadores originais. Esse ato de reinterpretação não apenas homenageia o trabalho original, mas também enriquece e diversifica o tecido cultural em que essas histórias estão inseridas.

    Para os leitores, as fanfictions oferecem uma experiência única de imersão em mundos familiares, porém distintos. Ao mergulhar nessas histórias paralelas e explorar novos ângulos dos personagens favoritos, os leitores são convidados a questionar e expandir sua compreensão do material original. Essa interação dinâmica entre fãs e textos cria um ciclo de retroalimentação criativa, onde as obras inspiram novas ideias e conversas, alimentando a imaginação coletiva de uma comunidade global de leitores.

    Para os escritores aspirantes, as fanfictions representam uma plataforma de aprendizado e experimentação sem precedentes. Ao se aventurar em universos previamente estabelecidos, os novos autores podem explorar uma variedade de estilos narrativos, técnicas de escrita e temas sem o peso das expectativas comerciais ou editoriais. Essa liberdade criativa encoraja a exploração audaciosa e a expressão autêntica, permitindo que os escritores cultivem sua voz e habilidades em um ambiente de apoio e colaboração.

    No entanto, as fanfictions não estão isentas de desafios e controvérsias. A questão dos direitos autorais e da propriedade intelectual é uma preocupação central, com muitos autores expressando preocupações em relação ao uso não autorizado de seus trabalhos. Embora muitos vejam as fanfictions como uma forma de homenagear e expandir os universos que amam, outros enxergam essas obras derivativas como uma violação de seus direitos criativos.

    Além disso, a falta de supervisão editorial pode levar a uma variação significativa na qualidade das fanfictions disponíveis. Enquanto algumas obras exibem escrita talentosa e originalidade, outras podem ser mal escritas, desrespeitosas com o material original ou até mesmo ofensivas. Nesse sentido, os leitores podem enfrentar o desafio de navegar por um mar de conteúdo para encontrar histórias de qualidade.

    Entre as plataformas mais conhecidas para a publicação de fanfictions, o Wattpad se destaca como a líder incontestável. Com milhões de usuários em todo o mundo, o Wattpad oferece uma plataforma acessível e fácil de usar, que permite aos escritores compartilhar suas histórias com uma audiência global. Sua interface intuitiva e recursos interativos, como comentários e votos, incentivam a interação entre autores e leitores, criando uma comunidade vibrante e engajada. Além do Wattpad, outras plataformas populares incluem o Spirit, Archive of Our Own (AO3) e Nyah!. Embora cada uma dessas plataformas tenha suas próprias características e público-alvo, é inegável que o Wattpad continua a dominar o cenário das fanfictions, proporcionando um espaço dinâmico para a criatividade florescer.

    As fanfictions representam um fenômeno literário e cultural complexo. Ao abrir portas para novos horizontes de expressão criativa e comunicação cultural, essas obras derivativas nos convidam a explorar as profundezas da imaginação humana e a celebrar a riqueza e diversidade do universo literário.


  • O Colonialismo em Coração das trevas, de Joseph Conrad

    Publicado em 05/05/2024 às 08:26

    Por Izabel Bayerl Bonatto

    Letras-Português

    Bolsista PET – Letras

     

    Coração das Trevas (“Heart of Darkness”), escrito por Joseph Conrad e publicado em 1902, tem como base a experiência de viagem do próprio Conrad, que vivenciou a realidade colonial em sua viagem ao rio Congo em 1890 e a expôs durante a escrita desta obra. É um romance narrado a partir do ponto de vista do marinheiro britânico Charles Marlow, o qual relata sua expedição ao longo do rio Congo, na África, território que estava sob domínio colonial belga e era propriedade pessoal do rei Leopoldo II, da Bélgica.


    Descrição de imagem: o fundo da imagem é em laranja; no meio há o desenho em preto e branco de uma embarcação soltando fumaça; sobreposto, está escrito em letras grandes e brancas o título do livro “Coração das Trevas” e um pouco abaixo o nome do autor “Joseph Conrad”.

     

    A obra pode ser considerada atemporal, tendo uma ideia de que o sujeito chega para desbravar e de como a mentalidade do opressor funciona. O colonialismo pode ser considerado a temática central da obra. Ela expõe uma crítica a respeito da desumanização e da corrupção do imperialismo e da crueldade colonizadora. Além disso, o fato de o autor não deixar explícito a época em que se passa a narrativa, abrange ainda mais as interpretações possíveis de seu romance.

    O colonialismo é, sem sombra de dúvidas, uma prática cruel e exploradora, no qual um território exerce seu poder em cima de outro como forma de dominação para obter maiores poderes econômicos, políticos e afins. Como dito por Aimee Césaire (2010), o processo da colonização não foi um ato civilizatório, mas sim uma imposição do gesto decisivo do colonizador sob o colonizado que ocorreu de forma descivilizada. “[…] Esses fatos, provam que a colonização, repito, desumaniza o homem mesmo o mais civilizado; que a ação colonial, a empreitada colonial, a conquista colonial, fundada sobre o desprezo do homem nativo e justificada por esse desprezo, tende inevitavelmente a modificar aquele que a empreende; que o colonizador, ao habituar-se a ver no outro a besta, ao exercitar-se em tratá-lo como besta, para acalmar sua consciência, tende objetivamente em transformar-se ele próprio em besta. […]” (Césarie, 2010, p.25).

    Fica clara a remissão à colonização no fato de que a Companhia de Marlow estava indo para um lugar, que estava sob domínio belga, em que ocorria a exploração de marfim. O romance gira em torno da exploração econômica de marfim, que possui alto valor econômico, destacando assim a busca incessante por recursos naturais na África, prática que era crucial para o desenvolvimento do colonialismo e afetava drasticamente o ecossistema natural e a população local.

    Logo no início do romance o personagem faz uma fala para seus companheiros a respeito de como os conquistadores tinham sucesso por causa da fraqueza do outro. Com Césarie (2010, p.15), é preciso pensar nesse funcionamento “[…] como a colonização trabalha para descivilizar o colonizador, para embrutecê-lo no sentido literal da palavra, para degradá-lo, para despertar seus recônditos instintos em prol da cobiça, a violência, o ódio racial, o relativismo moral […]”.

    Um trecho importante, também relacionado à fala de Marlow, nesse ponto é:

    A conquista da terra, que significa basicamente tomá-la dos que possuem uma compleição diferente ou um nariz um pouco mais achatado do que o nosso, não é uma coisa bonita, se você olhar bem de perto. O que a redime é apenas a ideia. Uma ideia por detrás dela; não uma ficção sentimental, mas uma ideia; e uma crença altruísta na ideia — algo que você pode erigir, e curvar-se diante dela, e lhe oferecer um sacrifício… (Conrad, Coração das Trevas, 1902, p.11)

    É possível relacionar a citação acima com o que entendemos sobre colonialismo, e ainda com o que foi o imperialismo, visto que um aconteceu em decorrência do outro. Segundo Edward Said (2011, p.30), “[…] Num nível muito básico, o imperialismo significa pensar, colonizar, controlar terras que não são nossas, que estão distantes, que são possuídas e habitadas por outros. […]”, assim, envolvendo também uma questão moral, lógica, etc. A fala de Marlow nos faz pensar que a ideia que existe na mente do colonizador é de que isso é necessário para um bem maior em prol da “civilização”. É perceptível então, que Marlow possui essa ambiguidade moral, ele questiona ao mesmo tempo que relativiza o sistema colonial.

    Conrad utiliza da viagem dessa Companhia para exemplificar a visão do europeu colonizador sobre uma terra desconhecida e selvagem. O personagem Marlow descreve, ao longo da navegação pelo rio, qual a sua perspectiva ao visitar naquele território estranho, obscuro e exótico, e de como tem efeitos psicológicos na mente de quem veio explorá-la e colonizá-la. É uma relação de medo e fascínio, e Marlow confirma que todos da Companhia viajavam por uma “Terra pré-histórica”, e que tinha uma aparência de um “planeta desconhecido”. Já o personagem Kurtz tem como papel salientar que até o homem branco é corruptível, portanto, o que ocorre com ele é exatamente a questão da influência desse ambiente obscuro e desconhecido, somado ao contato com os nativos, fazendo-o enlouquecer. Kurtz, por passar muito tempo na colônia exploradora de marfim e tendo contato direto com a crueldade humana por parte do colonizador, fica horrorizado, tanto que suas últimas palavras antes da morte foram “‘O horror! O horror!’” (CONRAD, Coração das Trevas, 1902, p.120). Essa frase representa tanto o horror de viver na selva em um território desconhecido quanto o horror de um homem que volta à civilização.

    Conrad utiliza a psique do colonizador e o seu medo de se tornar um nativo para criar uma narrativa que descreve uma técnica:  a dos meios de como se dá o processo de colonização, neste caso do império Belga no Congo. O autor ainda fala de uma “devastação habitada”, ou seja, de como os estrangeiros vieram devastar um lugar que eles achavam que estava inabitado, mas é claro, acabam sempre se deparando com os nativos daquela terra.

    A narrativa traz uma visão simbólica e sombria, o que causa um estranhamento ao leitor, principalmente àqueles que não estão a par das consequências do colonialismo europeu na África, ou mesmo de um modo geral, assim não entendendo todo o contexto histórico de exploração e dominação dos colonizadores sob os colonizados. Como afirmado por Edward Said (2011, p. 47) a respeito de Coração das Trevas, “[…] funciona tão bem porque sua política e sua estética são, por assim dizer, imperialistas, as quais, nos últimos anos do século XIX, pareciam ser uma política e uma estética, e até uma epistemologia, inevitáveis e inescapáveis. […]”.

    ***Em tempo: o filme Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola, foi inspirado em Coração das Trevas e propõe uma narrativa similar: o capitão norte-americano Benjamin Willard  é mandado para a selva do Camboja durante a guerra do Vietnã para matar o enlouquecido coronel Walter Kurtz.  Tal como o livro de Conrad, o cenário é desenvolvido em uma embarcação ao longo do curso de um rio e demonstra um ambiente similar de loura e horror com objetivo de evidenciar não apenas a guerra que acontecia na época, como também uma guerra entre a lucidez e a loucura dentro da mente do personagem principal.

     

    REFERÊNCIAS

    CÉSARIE, Aimee. Discurso Sobre O Colonialismo. 2010. 84 p.

    CONRAD, Joseph. Coração das Trevas. São Paulo: Companhia de Bolso, 2008. 184 p.

    SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011.

    SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007. p. 22-102

    TAVARES, Enéas Farias. O coração das trevas, de Joseph Conrad: defesa de uma utopia colonialista ou crítica ao sistema imperial de seu tempo? Literatura e Autoritarismo: Contextos Históricos e Produção Literária (UFSM), n. 12, 2008. Disponível em: http://w3.ufsm.br/grpesqla/revista/num12/art_04.php


  • Interpretando na faculdade, e agora?

    Publicado em 28/04/2024 às 14:59

    Por Lara Malafaia Vieira

    Bacharelado em Letras-Libras

    Bolsista Acessibilidade PET-Letras

     

     

    Desde que entrei na faculdade de Letras-Libras tive oportunidades incríveis de interpretação. Ao entrar no PET-Letras, tive minha primeira interpretação no Slam Estrela D’Alva, que consiste em uma batalha de poesia falada onde os poetas demonstram com todo seu coração: seus gritos, denúncias, experiências e lutas. Sempre tive muito medo de interpretar na área artística, pois durante a faculdade não temos práticas dessa natureza.

    Na hora de interpretar tive muito medo, pois não sabia como seria, qual o tema seria abordado ou se os surdos conseguiriam entender minha interpretação. Uma aluna surda, durante os vídeos de abertura, me encorajou a praticar para ir “aquecendo”. Então eu e os outros intérpretes fomos “aquecendo” e entrando no clima. No momento que o Slam começou, um pico de adrenalina correu pelo meu corpo dos pés até a cabeça. Minhas mãos sinalizavam de modo frenético. Ao finalizar a competição olhei para meus colegas intérpretes e sorri realizada por ter conseguido interpretar nessa área nova e que tinha tanto receio. Atualmente, fico animada e muito ansiosa para interpretar o Slam.

    Descrição de imagem: fundo preto; sobre p fundo, uma mão segurando uma flor.  Levemente à esquerda, a frase “Slam Estrela D’Alva” na cor branca. Abaixo, a frase “Competição de poesia falada”.

    Outro contexto em que tive a oportunidade de atuar no final do ano de 2023 foi a interpretação na área esportiva. Fui convidada para participar do Inter Atléticas (IA), que é um evento onde ocorrem competições de esportes entre atléticas da UFSC. Esportes como futsal, handebol, basquete, vôlei,  atletismo, natação, judô, tênis, xadrez, vôlei de praia e futevôlei, estão presentes nesta disputa. Dois surdos participavam do time de futsal, vôlei e atletismo da Atleticale, a atlética de Letras da UFSC. Com a presença desses alunos nos times eram necessários intérpretes para acompanhamento nas competições e eu fui convidada para ser uma dessas profissionais.

    Chegando no dia e no local marcado para a disputa, nos encontramos (toda a equipe) no ginásio da UFSC. Nos reunimos com os surdos para combinar alguns sinais, pois, não tínhamos conhecimento ou formação específicos sobre a prática. Deu-se o início da partida e nós, as intérpretes, ficamos no banco junto com os jogadores reserva. Sempre que o treinador/capitão pedia “tempo”, corríamos para reunir com os jogadores e sinalizar toda a reunião. Sempre ficávamos de frente para os surdos e do lado do capitão que, no momento de adrenalina do jogo, falava muito rápido, fazendo com que nós interpretássemos de modo rápido também. Foi adrenalina pura. Além disso, implantamos, juntamente com a equipe organizadora, panos de sinalização para os juízes balançarem assim que apitassem durante a partida, pois por se tratarem de surdos conhecedores das regras dos esportes era importante a visualização de alertas durante a partida.

    Outra experiência: recentemente, recebemos a visita de uma professora da Lituânia, que veio passar algumas semanas em Florianópolis acompanhando uma professora do curso de Letras-Libras. A professora lituana pediu para participar da disciplina Estudos Linguísticos II, que tem como tema a morfossintaxe da Libras e do Português, porém, como a professora só sabia a língua de sinais internacionais, língua de sinais lituana e inglês, a professora da disciplina me pediu, como monitora, para que interpretasse para inglês a aula, já que a mesma seria ministrada em Libras.

    Ao chegar na sala, sentei ao lado da professora lituana. A aula começou e eu comecei a interpretar para o inglês. Os alunos iam perguntando em Libras e a professora respondendo em Libras, e eu continuei no meu papel de intérprete. Os exemplos dados sobre derivação e flexão do português eram interpretados para exemplos equiparados no inglês. “Feliz+mente” foi explicado como “Happ+ily”; “instalar” foi traduzido para “install”; e a diferença entre “instalando” e “instalado” foi explicada pela continuidade ou não da ação do verbo, respectivamente. Foi uma experiência única! Me senti extremamente feliz ao final, quando a aula se encerrou, e a professora lituana falou que, sem a interpretação para  inglês, ela não conseguiria entender a aula e ficaria somente no “sorria e acene”. Senti-me muito feliz, ainda, feliz, pois havia sido minha primeira interpretação Libras-Inglês.

    Essas experiências irei levar para a vida toda e que com certeza me farão uma profissional tradutora-intérprete preparada para atuar em qualquer contexto.


  • Projeto RedaPET – mais que gêneros textuais

    Publicado em 26/04/2024 às 10:30

    Por Anna Letícia de Abreu

    Voluntária PET-Letras

    Letras – Português

    “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem.”

    Paulo Freire

     

    Imagem 1: Ilustração do RedaPET com fundo laranja, no centro uma forma oval em azul claro e dentro lê-se “RedaPET” em letras brancas; abaixo há um retângulo roxo e dentro lê-se “GÊNERO TEXTUAIS E REDAÇÃO”; à direita, há a ilustração de uma flor com caule verde, centro amarelo com dois olhos e um pequeno sorriso e flores vermelha; acima, a letra “A” com olhos e um sorriso e uma letra “O” com olhos e um sorriso. No canto esquerdo, dentro de um retângulo branco, lê-se “UM PROJETO PET-LETRAS UFSC” em letras na cor preta; abaixo há a ilustração da letra “Q” em amarelo com olhos e um sorriso e um pássaro vermelho acima dela; ainda abaixo, há uma letra “B” em tom verde com olhos e um sorriso, seguido da logo do PET.

    A citação do mestre educador Freire foi uma das luzes para o nascimento e é a principal motivação do RedaPET, projeto feito de alunos para alunos e que teve sua aula inaugural na última terça-feira, dia 23 de maio de 2024. Esse projeto é uma iniciativa de cinco mulheres estudantes de Letras Língua Portuguesa da Universidade Federal de Santa Catarina, todas participantes do PET Letras; Anna Letícia de Abreu (voluntária), Débora Klug (bolsista), Laiara Serafim (bolsista), Luísa Wierenicz (bolsista) e Maysa Monteiro (voluntária).

    Nossa história é linda! Tudo começou com debates entre Anna, Débora, Laiara e Luísa – que já integravam o PET Letras, sobre a precarização do acesso à educação no Ensino Médio e do método de ensino usado nas escolas públicas, que, algumas vezes, pouco preparam e incentivam os alunos a dar continuidade nos estudos, além dos custos altíssimos para ingressar em cursinhos pré-vestibular. Essas questões desmotivam e afastam cada vez mais  os adolescentes em relação à Universidade Pública.

    Nesse meio tempo entre discussões, com o último edital lançado para novos voluntários no PET Letras, conhecemos a Maysa Monteiro! Não é possível descrevê-la sem usar o adjetivo radiante: ela chegou muito entusiasmada, espalhando alegria e com um histórico fantástico, trouxe consigo a bagagem de dois anos sendo professora no Einstein, que é um curso pré-vestibular gratuito e sem fins lucrativos, voltado para pessoas de baixa renda da região da Grande Florianópolis, com o intuito aumentar a democracia no cenário educacional brasileiro. Maysa entrou em 2022 como monitora de redação e após um semestre estava ministrando aulas de literatura; no ano seguinte, tornou-se professora de redação. Assim, unindo os extensos debates das antigas Petianas com a coragem e toda a experiência da colega nova, nasceu a vontade de criar o RedaPET.

    Imagem 2: sala branca com a projeção da imagem do RedaPET; em frente, vê-se quatro mulheres com as camisetas iguais em tom preto, da esquerda para direita: Anna, cabelos cacheados pele clara, sorrindo, usando uma calça bege; ao lado, Débora, cabelos loiros pele clara, sorrindo, usando uma bermuda jeans; ao lado, Luísa, cabelos escuros e lisos amarrados em um coque, pele morena, sorrindo, usando uma calça preta; depois, Maysa, cabelos escuros pele clara, sorrindo, usando uma calça preta. 

    Comprometidas com a promoção do acesso da comunidade à universidade pública e a intenção de transformar o processo de aprendizagem prazeroso e acolhedor, a proposta do Projeto RedaPET é tornar o conhecimento sobre redação mais acessível, destrinchar os demais gêneros discursivo-textuais presente nos Vestibulares e criar um diálogo direto com os estudantes para torná-los proficientes no processo da escrita!

    Com plano de aula até o início de dezembro, a programação terá um foco em um gênero específico por aula, passando desde as competências e dissertação no Vestibular UFSC, das leituras obrigatórias e a sua importância. Teremos cartas, crônicas, contos, manifesto. Além disso, a interpretação de texto na redação e o entendimento e planejamento da sua proposta, visando preparar os alunos para as provas da UFSC que ocorrem no meio de agosto. Seguindo o cronograma, será exposto também o processo da redação no ENEM, suas competências, eixos temáticos, construção da tese e argumentação. E vários momentos irão acontecer dinâmicas de escrita e correção de uns para os outros estarão presentes.

    Imagem 3: foto tirada da sala branca com a projeção da imagem do RedaPET.

    Para além da teoria em si, a proposta do projeto é ser um curso onde os alunos tenham autonomia e criatividade, se desenvolvam como leitores e escritores críticos. A missão do RedaPET é mostrar que o vestibulando é mais que um aluno sentado em uma cadeira, e sim que é um ser humano de uma sociedade ativa, cheia de ideias e problemáticas. E que na escrita, no estudo e nas instituições públicas de ensino há espaço para sonhar, analisar e expressar-se.


  • O inominável em “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago, e em “Os cus de Judas”, de Lobo Antunes: distanciamentos e aproximações

    Publicado em 18/04/2024 às 10:55

    Por Maysa da Silva Monteiro 

    Voluntária – PET-Letras

    Letras Português

     

    Violência. Palavra com nove letras que retrata os horrores de coisas tantas. Coisas, absurdos, injustiças e a perpetuação dessas injustiças. Infelizmente, esses vocábulos retratam ela: a realidade. A realidade que foi escancarada em duas obras de autores portugueses: em “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago; e em “Os cus de Judas”, de Lobo Antunes. Cada um à sua maneira, ambos abordaram os horrores infindáveis da natureza humana. “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos” (Saramago, 2017, p. 262), diz uma personagem no livro de Saramago, que, por sua vez, pode se estender para a obra de Lobo Antunes. Ambos trabalham com a dualidade do ser humano, as controvérsias e com o paradoxo da própria existência. O que é o ser humano, afinal?

    Em “Ensaio sobre a cegueira”, é um ser lutando pela sobrevivência em meio ao caos, a fome e a violência – de todas as formas. Em “Os cus de Judas”, também. A trama da primeira história retrata uma sociedade assolada por uma “cegueira branca”, como se estivessem mergulhados em um mar de leite. A partir de então, os atingidos por essa epidemia são isolados e mantidos em um manicômio para minimizar a contaminação e, principalmente – conforme o pensamento do exército que cuidava do local – matarem um aos outros na tentativa de sobrevivência. Já na segunda história, Lobo Antunes escreve sobre suas experiências na guerra em Angola, enquanto auxiliava as tropas portuguesas. Então, ele começa a contar suas histórias no aguardo de sua refeição em um restaurante, relatando o horror da guerra e as atrocidades lá cometidas.

    Mesmo as duas obras relatando o inominável que existe dentro do ser humano, elas abordam histórias distintas. A história de Saramago acontece em uma sociedade sem denominação, sem tempo, sem espaço. Suas próprias personagens não têm nomes: são chamadas conforme suas características, demonstrando a representação do homem pós-moderno e a fragilidade das identidades nos romances de Saramago. Essa narrativa pode ter acontecido em qualquer lugar, em qualquer tempo, com quaisquer pessoas. Lobo Antunes, por sua vez, narra também as barbáries, mas agora das guerras. Especificamente, ele retrata a guerra angolana – que durou 13 anos, de 1961 até 1974. É um livro sobre alienação, memória, identidade, guerra, solidão e traumas profundos da guerra colonial.

    No entanto, apesar de possuírem histórias distintas, as duas narrativas aproximam-se ao expor o mais íntimo da vida: o inominável que escorre pelas palavras e concretiza-se – ou não – em cada ser humano. Na peça teatral “Ficções”, Vera Holtz ironiza o homo sapiens que “não sabe”. Esse “não saber” é a face escancarada das duas ficções aqui apresentadas que são cada vez mais reais: “Como quando se tosse nas garagens à noite, pensei, e se sente o peso insuportável da própria solidão, nas orelhas, sob a forma de estampidos reboantes” (Antunes, 2014, p. 13) – esse trecho da obra de Antunes reflete a solidão e a insignificância da humanidade, que, a partir do encontro com o próprio eu, espanta-se. Relacionado com Saramago, esse é o inominável.

    Quanto às convergências, pode-se pensar na época em que as obras foram lançadas. “Ensaio sobre a cegueira”, 1995; “Os cus de Judas”, 1979. Porém, algo os aproxima mais: a escrita. Em Saramago é usada de uma forma não canônica; falta no texto o travessão para identificar a fala das personagens, havendo uma multiplicidade de vozes ao decorrer da história sem identificação exata e marcação da troca de vozes, começando a fala com letra maiúscula, apenas. Quase sem pontos finais, a trama é cadenciada por vírgulas, evidenciando a reinvenção da pontuação pelo escritor, que adapta a grafia de acordo o ritmo prosódico. Saramago descobre sentidos ocultos e desconhecidos na palavra, na frase, no livro, fazendo o leitor também descobrir novos sentidos ocultos dentro de si. Isso evidencia também a forma que a obra é estruturada: sem capítulos. O enredo desenvolve-se de maneira única e não há nomes nos capítulos que se desenrolam por mais de 300 páginas: que chocam, espantam e comovem.

    A escrita em “Os cus de Judas” contém parágrafos intermináveis, compostos por períodos longos e com uma pontuação “extravagante”. O narrador-personagem utiliza muitas figuras de linguagem e utiliza muitos adjetivos. Cada capítulo é intitulado por uma letra do alfabeto: de A a Z, no entanto, a narrativa não demonstra-se tão linear assim. As memórias do narrador misturam-se entre passado e presente na voz de alguém que esteve no epicentro do confronto e experimentou os atravessamentos causados por ele, assim como a História (essa com H maiúsculo) de Lobo Antunes. O autor foi um médico psiquiatra que realmente foi para as batalhas em África, beirando, assim, a uma espécie de “autoficção” – embora haja percepção de que ao criar-se a si mesmo, cria-se <<outro>>. A história transita pelo tempo presente – esse que o narrador encontra-se -, pelo tempo da guerra e pelo tempo da infância, numa fusão que depende das memórias do narrador.

    Ademais, essa semelhança entre a escrita de Saramago e Lobo Antunes gerou certo estranhamento entre eles, mas a verdade é que, ambos com suas peculiaridades, marcaram a literatura portuguesa. Em questões ideológicas, José Saramago se uniu ao Partido Comunista Português em 1969 e sempre foi mais engajado. Em sua obra aqui estudada, lança uma crítica e uma reflexão sobre a pós-modernidade e como a sociedade está perdendo cada vez mais a capacidade de realmente observar a realidade. Nas palavras do autor, “Será que, neste tempo de violência e frivolidade, as ‘grandes questões’ continuam a roer a alma, ou o espírito, ou a inteligência (‘moer o juízo’ é uma expressão com muito mais força) daqueles que não querem conformar-se?”, trazendo à tona sua crítica. Lobo Antunes não era tão engajado politicamente quanto o escrito anterior. Sua família, inclusive, apoiava o governo de Salazar. Em meio a esse paradoxo em que viveu, refletiu suas indagações e questionamentos sobre a época da guerra em sua escrita.

    Entre diferenças, semelhanças, temáticas, assuntos, escritas e abordagens, esses dois autores concretizam-se e fazem o leitor pensar. Seria esse o grande objetivo da Literatura? Por fim, nas palavras de Lobo Antunes, “O que seria de nós, não é, se fôssemos, de fato, felizes?” (Antunes, 2014, p. 85). Essa literatura parece dilacerar, com a indagação, todas as veias e vísceras humanas, assim como essas obras dilaceraram.

     

    REFERÊNCIAS

    ANTUNES, A. L. Os cus de judas. Ed. 1. Rio de Janeiro: Alfaguara2014.

    SARAMAGO, J. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.