A sátira à ganância humana e aos velhos costumes em contos de Lima Barreto e Shirley Jackson

02/10/2024 08:24

Por Ingryd Giovanna e Manoela Raymundo

Bolsistas PET-Letras

Letras-Inglês

Você já parou para pensar em que direção nosso mundo está indo? Em alguns momentos, práticas que seguimos sem questionar podem estar moldando a sociedade de formas que não percebemos. Frequentemente, mantemos hábitos sem considerar plenamente suas consequências. E se as ações carregassem um peso maior do que imaginamos?

Nos contos “A nova Califórnia”,  de Lima Barreto, e “A Loteria”, de Shirley Jackson, somos levados a explorar estas questões. Ambas histórias mostram sociedades a princípio vivendo num cotidiano pacífico, com as pessoas seguindo suas vidas e suas tradições. No entanto, à medida em que os eventos se desenrolam, percebemos que algumas práticas são sombrias e que os personagens não realizam reflexões críticas e revelam desprezo pelas consequências de seus atos.

Descrição da imagem: Ilustração com fundo amarelo; no meio da imagem, o desenho de um crânio humano apoiado em pilhas de dinheiro; ao lado, há o esqueleto de duas mãos. Fonte: Ilustração retirada do Google Imagens.

 

“A Nova Califórnia”, conto de Lima Barreto escrito em 1910, nos apresenta a história da pacata cidade de Tubiacanga, no interior do Rio de Janeiro. Tudo acontece quando a cidade recebe um novo habitante, Raimundo Flamel, um homem reservado e bem apessoado, julgado sábio e famoso pelos outros moradores da cidade pela quantidade de cartas do mundo todo que recebia e pelos apetrechos não usuais que possuía em sua casa. Certo dia, o Doutor Flamel visita o farmacêutico Bastos, dizendo ter feito uma grande descoberta; antes de revelar para o mundo sábio, precisava de 3 testemunhas conceituadas para presenciarem sua experiência. Poucos dias depois, porém, o químico, após apresentar seus testes, sai de Tubiacanga e nunca mais é visto.

Pouco tempo após a saída do químico da cidade, a pacífica Tubiacanga sofreria com casos de roubo de covas. Desde o mais até o menos religioso, do mais novo até o mais velho, achavam um sacrilégio, comparando com casos criminais que ocorreram no Rio de Janeiro. Logo, todos da cidade procuravam por quem estava profanando o “Sossego”, vigiando o cemitério à procura do culpado. Porém, os desejos pessoais de cada um na cidade eram mais fortes do que qualquer crença ou ideal que os mantinha protegendo o cemitério. No dia seguinte à invasão aos cemitério, Tubiacanga amanheceu com mais mortos do que “Sossego” tivera nas últimas décadas.

Descrição da imagem: Ilustração preta e branca de várias pessoas brigando por ossos.

Fonte: imagem retirada do Google Imagens

“A Nova Califórnia” é um texto humorístico de Lima Barreto, com referências a outras pessoas e acontecimentos e mensagens de como a ganância pode corromper o homem. O título é uma sátira à Corrida do Ouro, que aconteceu nos Estados Unidos no século XIX, quando mais de 300 mil pessoas migraram e imigraram para a Califórnia para conseguir minerar ouro. Quanto ao químico, Raimundo Flamel é uma referência direta a dois famosos sábios, Raimundo Lúlio, escritor e filósofo catalão, e Nicolas Flamel, alquimista francês conhecido por lendas de ter fabricado a pedra filosofal e ter transmutado ouro.

O conto satiriza a ganância do ser humano e como centenas de pessoas se voltariam umas contra as outras pelo ouro, desde adultos brigando e machucando uns aos outros até crianças revirando o túmulo de parentes à procura dos maiores ossos. Na crítica à ambição feita por Barreto, os parágrafos onde são descritos os pensamentos, vontades e desejos dos moradores são fortes e banhados de hipocrisia, mas não foram adaptados para a edição do texto lançado em 2010 pela Companhia das Letras.

Descrição da imagem: Ilustração de um grupo de crianças empilhando pedras e, ao fundo, uma roda de adultos conversando.

fonte: Imagem retirada do google Imagens

 

Já o conto “A Loteria”, escrito por Shirley Jackson e publicado pela primeira vez em 1948, questiona a moralidade das tradições e desafia as convenções sociais. Em uma pequena cidade “agraciada” por uma colheita abundante, um belo dia ensolarado se inicia. As crianças, entretidas, conversam sobre a escola enquanto empilham cuidadosamente pedras selecionadas, optando pelas mais refinadas e redondas. Adultos e jovens seguem em direção à praça, conversando e trocando fofocas. Ali, irá acontecer o sorteio anual conhecido como “A Loteria”. Este evento promete ser breve, pois todos precisam voltar para casa, preparar o almoço e seguir com suas obrigações diárias.

Reunidos na praça, ao redor de uma velha caixa preta, deteriorada pelo tempo remete à origem da tradição. Alguns moradores começam a questionar a continuidade do sorteio, mencionando que cidades vizinhas já aboliram a prática. Nesse momento, o Sr. Warner intervém, afirmando que os jovens não compreendem a verdadeira importância da Loteria, que supostamente garante a colheita abundante da cidade.

Descrição da imagem: Ilustração de uma caixa preta com a tampa aberta e diversos papéis dobrados dentro.

fonte: Imagem retirada do google Imagens

À medida em que o sorteio se inicia, a narrativa revela que grande parte da tradição foi esquecida ou descartada. Esse esquecimento coletivo indica como a comunidade se afastou das origens e significados que sustentavam essa prática, sem uma análise crítica do que estão fazendo e por que o fazem. A tradição é realizada com um automatismo baseado na crença de que “sempre foi assim e sempre deve ser assim”. Dessa maneira, a pressão para manter a tradição impede a análise crítica sobre as práticas coletivas.

Conforme o clima de brincadeira e fofoca se dissipa e novas questões emergem, os moradores se tornam inquietos, passando a língua nos lábios. A atmosfera tensa leva o leitor a se perguntar se essa loteria é realmente um evento agradável ou se carrega um peso sombrio. Ao final, somos levados a refletir: para que servem as tradições? Quais delas são desumanas? E, ao tomarmos consciência dessas questões, devemos desconsiderá-las ou reconsiderá-las?

Como se vê, ambas histórias oferecem uma crítica de como a ganância e a conformidade podem levar a consequências desastrosas. “A nova Califórnia” nos alerta sobre os perigos da ambição desmedida, quando os valores morais se desfazem diante da busca por lucro, enquanto “A Loteria” desafia a aceitação inquestionável das tradições, mostrando que práticas enraizadas podem se tornar insustentáveis e cruéis. Dessa forma, as provocações de Barreto e Jackson nos instiga a agir com consciência e responsabilidade em relação às escolhas que fazemos como sociedade.

 

REFERÊNCIAS

JACKSON, Shirley. A Loteria. Nova Iorque: The New Yorker, 1948.

BARRETO, Lima. A Nova Califórnia. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

Miley Cyrus: Just an Ordinary Girl

18/09/2024 07:28

Por Hanna Boassi

Bolsista PET – Letras | CNPq

Letras-Português

 

Miley Cyrus conquistou seu lugar em 2006, quando deu vida a personagem Hannah Montana na série homônima no Disney Channel, que, além de tê-la lançado ao estrelato, também a consolidou como uma das figuras mais influentes de uma geração. Em agosto deste ano, no evento D23 da empresa, Miley foi nomeada a artista mais jovem ao receber o título de Disney Legend, concedido a artistas que deixaram uma marca duradoura na história da empresa e na cultura pop.

Em seu discurso ela refletiu sobre sua trajetória, destacando a importância de Hannah Montana em sua carreira, também mencionou sua fase rebelde: “Houve um burburinho naquele escritório da Disney, onde há rumores de que eles criam todos nós, crianças da Disney. Eu definitivamente não fui criada em um laboratório, e se fui, deve ter havido um bug no sistema que causou meu mau funcionamento em algum lugar entre os anos de 2013 e 2016. Desculpe, Mickey”.

Descrição da imagem: Se observa em um fundo luminoso rosado a cantora Miley Cyrus vestida de preto segurando seu título de Disney Legend no evento D23 promovido pela empresa Disney.

A fala de Miley ao receber o título demonstra sua habilidade em equilibrar sua gratidão com uma crítica à maneira como a cultura pop lida com o crescimento das figuras públicas que iniciaram muito jovens em sua carreira. Ao mencionar o “burburinho” e a ideia de que os atores mirins são criados em laboratórios, Miley ironiza a expectativa de perfeição e controle associada às “crianças da Disney”, já que há uma tendência em idealizar e manter esses artistas em um estado de eterna juventude e pureza, o que cria uma dicotomia entre a figura pública/personagem e a pessoa real que está em constante transformação.

Esse bug mencionado por ela em seu discurso representa a quebra dessa idealização, apontando para o período entre 2013 e 2016, quando Miley passou por uma fase de desvinculação da imagem inocente e doce de Hannah Montana, adotando uma postura mais provocativa e experimental em sua carreira e em sua vida pessoal, estreando com seu álbum Bangerz (2013). O pedido de desculpas a “Mickey” representa uma forma de reconciliação, reconhecendo tanto o valor da experiência trabalhando na Disney quanto a necessidade de afirmar sua individualidade.

Descrição da imagem: A imagem é a capa do álbum “Bangerz” da Miley Cyrus. No centro, Miley está posando em frente a um fundo com plantas estilizadas. Ela veste um casaco preto longo com uma abertura na parte inferior, sem calças ou saia visível. Seu cabelo está penteado para trás, e ela usa batom vermelho e joias douradas, incluindo um colar com um pingente. Na parte superior esquerda, há um retângulo inclinado com a palavra “Bangerz” escrita em uma fonte cursiva rosa neon, que adiciona um toque retrô e vibrante ao visual. O fundo é uma mistura de cores gradientes que vão do rosa ao roxo, com o nome “Miley Cyrus” em letras espaçadas na parte superior e inferior da imagem.

É nesse contexto de renegociação da sua própria imagem que a música Used to Be Young se torna um ponto central em sua trajetória. Lançada em agosto de 2023, a canção expressa a reflexão sobre quem ela era no passado e quem ela é hoje, retratando uma despedida do seu antigo eu e deixando as consequências de atitudes imprudentes para trás.

It’s not worth cryin’ about

the things you can’t erase

like tattoos and regrets

words I never meant

and ones that got away.

 

Miley se utiliza da música para articular e negociar sua identidade, refletindo sobre sua trajetória e respondendo às expectativas e julgamentos da mídia e público, ressaltando que se lembra de todos os momentos de “loucura” que viveu quando era jovem; hoje, aos 30 anos, não se vê mais da mesma forma.

O uso de pronomes pessoais permite que ela se expresse diretamente a partir de suas experiências e sentimentos; ao usar “eu” para relatar suas memórias, ela estabelece um vínculo pessoal com o ouvinte e também destaca a separação de suas versões:

I know I used to be crazy

I know I used to be fun

You say I used to be wild

I say I used to be young

You tell me time has done changed me

That’s fine, I’ve had a good run

I know I used to be crazy

That’s cause I used to be young

 

A repetição da frase “I used to be” reforça a ideia de mudança e evolução, ao mesmo tempo que reconhece e aceita seu passado. A interação com o pronome “você” sugere uma conversa com o público, enfatizando a percepção externa contra a própria compreensão de suas experiências.

Ironicamente, a música Ordinary Girl, presente na trilha sonora da série Hannah Montana em 2010, também destaca questões sobre uma dupla identidade. Miley interpreta duas pessoas distintas: a estrela pop Hannah Montana e a adolescente comum Miley Stewart. Essa dualidade não apenas reflete a complexidade da vida pública e privada de um artista, mas também simboliza o conflito entre a persona pública e a identidade pessoal.

Em Ordinary Girl, a personagem Hannah expressa o contraste da imagem idealizada com quem ela é de verdade, a canção explora a frustração de viver sob os holofotes e a dificuldade de manter a privacidade; a música revela uma conexão com a vida real de Miley Cyrus:

I’m just an ordinary girl

Sometimes I’m lazy, I get bored

I get scared, I feel ignored

I feel happy, I get silly

I choke on my own words

 

I make wishes, I have dreams

And I still want to believe

Anything can happen in this world

For an ordinary girl

A reflexão presente na canção antecipa a renegociação mais madura de sua identidade expressa em Used to Be Young, onde ela continua a explorar e afirmar sua autonomia frente às expectativas e rótulos impostos pela mídia.

Descrição da imagem: Se observa a cantora Miley Cyrus no videoclipe de sua música I Used to Be Young, ela tem cabelos loiros, está chorando e veste uma camiseta com a imagem do Mickey Mouse sob um corset de paetês vermelho.

 

No videoclipe da música, Miley faz uma escolha simbólica ao vestir uma camiseta com a imagem do Mickey Mouse, servindo para representar sua conexão com o passado na Disney, mas também oferece uma camada de ironia e crítica, ao utilizar da imagem, ela enfatiza a complexidade de sua jornada e a tensão entre a nostalgia e sua evolução pessoal mais conturbada.

A trajetória de Miley Cyrus, desde sua estreia no Disney Channel até sua nomeação como Disney Legend, é uma narrativa rica em transformações; através de sua carreira Miley navegou entre a imagem doce e idealizada de uma estrela teen e a realidade de suas próprias mudanças e desafios pessoais. Ao afirmar sua autonomia e reconhecer o impacto de suas escolhas, a cantora oferece um testemunho de uma luta pela autenticidade em uma realidade que frequentemente tenta definir e limitar a identidade de figuras públicas.

O diário e os exercícios de si

16/09/2024 08:29

Por Débora Klug
Bolsista PET – Letras
Letras – Português

Em Roma, nos anos 1950, havia fiscais em frente às tabacarias aos domingos, para regular a venda exclusiva do tabaco, e de nenhum outro produto além desse. A razão dessa imposição não é clara. Ao menos, aqueles que tinham gosto pela substância não corriam o risco de sofrer a abstinência dominical. É no cenário de uma tabacaria cheia em um domingo, e de um fiscal enganado, que inicia  o processo de transgressão de Valeria, uma mulher de 43 anos, casada e com dois filhos. Saiu em um domingo de manhã para comprar as flores decorativas da mesa da cozinha e charutos para o marido, Miguel, antes que esse acordasse. Cadernos de capa preta, como aqueles que se levava para a escola, estavam expostos perto do caixa da tabacaria, e logo despertam o interesse da mulher. Ela compra um caderno, um pouco a contragosto do vendedor, que indica o fiscal na porta da loja, mas vende mesmo assim. Valeria sai com o caderno escondido embaixo do casaco,  imaginando escrever seu nome em letras grandes e legíveis na primeira folha, como fazia quando criança, com os cadernos da escola.

É assim que começa o livro Caderno Proibido, de Alba Céspedes, publicado originalmente em 1952. Esse caderno se tornará o diário de Valeria, em um movimento de libertação e culpa , durante a tomada de consciência da sua condição como mulher na sociedade.

Descrição da imagem: Do lado esquerdo há a imagem em preto e branco de uma mulher branca, com cabelo curto, acendendo um cigarro. Está com um óculos de armação escura, os dedos são adornados por anéis, e o braço esquerdo por um bracelete. Veste uma camisa com babados brancos e um casaco ou blazer escuro. Essa mulher é Alba de Céspedes.  Do lado direito da imagem, em um fundo vermelho, observa-se a capa de um livro. Nela, há a imagem do busto de  uma mulher sentada, utilizando uma camisa de botão. Ela possui cabelos até os ombros. Seu rosto está coberto pelo nome do livro, em um quadro azul escuro com uma fina borda vermelha, escrito “Caderno Proibido” em letras maiúsculas; logo abaixo “Alba de Céspedes”. Ao fundo há almofadas listradas, e um quadro de uma árvore pendurado na parede.

É interessante perceber que o livro todo se estrutura como um diário. A narração, portanto, é em primeira pessoa, o que aproxima o leitor da mente da personagem, e permite acompanhar juntamente com Valeria seu processo de escrita de si. A personagem possui sentimentos conflituosos pelo caderno. Ao mesmo tempo que é atraída por ele, tem um interesse em escrever, ela também sente que é algo errado. A frase inaugural do livro (e do diário) é a seguinte “Fiz mal em comprar este caderno, muito mal. Mas agora é tarde demais para lamentar, o estrago está feito. ” (De Céspede 1962, p. 1).

Antes mesmo de começar a escrever, ela precisa urgentemente esconder o caderno, mas não sabe onde. Se os filhos ou o marido acharem vão tomar para si, e não havia a possibilidade de ela atestar a posse do caderno, pois seu desejo de escrever não seria levado em consideração.

No processo de tentar esconder o caderno, Valeria percebe que não possui um espaço da casa que seja seu. Mirella, a filha, tem um quarto e em uma gaveta chaveada guarda seus pertences particulares; Ricardo, o filho mais velho, possui também um quarto só seu e sempre utiliza a única escrivaninha da casa para estudar; Valeria ainda compartilha com o marido o quarto e não há delimitação dos espaços de cada um. Então, resta-lhe um saco na cozinha onde se guarda os trapos para limpeza. Um lugar que só ela acessa, pois é a única da casa que realiza os serviços domésticos: um símbolo do lugar da mulher na sociedade. Um lugar submisso, legado aos trabalhos domésticos.

À Valeria era reservado o lugar de esposa, mãe e cuidadora da casa. Mas nunca um lugar onde poderia desenvolver uma subjetividade. A todo momento relata sentir culpa. Como se fizesse algo errado ao escrever. Como se não estivesse sendo útil. Como se perdesse tempo. Mas é no ato da escrita que a mulher lentamente percebe sua condição, percebe que não havia justiça ali, e tem um novo olhar sobre as situações hodiernas. Com o tempo, Valeria escreve cada vez mais. O que antes eram poucos minutos escrevendo, se torna mais de um momento por dia dedicado à escrita. Mas escrever é um ato sempre realizado às escondidas. Valeria passa noites em claro para escrever sem ser perturbada.

O exercício de escrever no diário, nesse sentido, é um exercício de tomada de consciência. É uma tomada de consciência das ações cotidianas. O que se escreve, de acordo com Blanchot (2005), passa a se enraizar no cotidiano, e na maneira como se enxerga o cotidiano.

O diário íntimo, que parece tão livre de forma, tão dócil aos movimentos  da vida e capaz de todas as liberdades’ já que pensamentos, sonhos, ficções, comentários de si mesmo, acontecimentos importantes,  insignificantes, tudo lhe convém, na ordem e na desordem que se quiser,  é submetido a uma cláusula aparentemente leve, mas perigosa: deve respeitar o calendário. Esse é o pacto que ele assina. O calendário é seu  demônio, o inspirador, o compositor’ o provocador e o vigilante.  Escrever um diário íntimo é colocar-se momentaneamente sob a proteção  dos dias comuns, colocar a escrita sob essa proteção, e é também  proteger-se da escrita, submetendo-a à regularidade feliz que nos  comprometemos a não ameaçar. O que se escreve se enraíza então, quer  se queira, quer não, no cotidiano e na perspectiva que o cotidiano  delimita. (Blanchot, 2005, p. 270).

É na inscrição desse ritual cotidiano, ao se submeter ao calendário provocador e vigilante, que a transformação em Valeria passa a ocorrer, de maneira controversa, com culpa e por vezes sem felicidade.

São duas da madrugada, levantei para escrever, não conseguia dormir. A culpa, mais uma vez é deste caderno. Antes, eu esquecia rápido o que acontecia em casa; mas agora, desde que comecei a anotar os eventos cotidianos, mantenho-os na memória e tento compreender por que se produziram. Se é verdade que a presença oculta desse caderno dá um sabor novo à minha vida, devo reconhecer que não serve para torná-la feliz. (De Céspedes, 2022. p. 23)

 

Quanto mais Valeria se percebe no mundo (através da escrita revela sua subjetividade), mais desejo tem de escrever, de enfrentar os dilemas e contradições que vive. Ela passa a sonhar intensamente em ter um espaço seu, para que possa escrever. Um cubículo que seja, qualquer lugar que seja possível pensar. Alegoricamente, esse cubículo é como um simulacro de interioridade, um local onde todos os pensamentos e sentimentos possam se alojar, mesmo que desordenados. Um lugar recluso, sem perturbações, onde Valeria poderia elaborar o que ela quer dizer, e dizê-lo.

Às vezes eu precisaria ficar sozinha; […] sonho ter um quarto só para mim […] Eu me contentaria com um cubículo. No entanto, jamais consigo me isolar, e só renunciando ao sono é que encontro um tempinho para escrever aqui. Se, quando estou em casa, interrompo o que estou fazendo, ou à noite, na cama, paro de ler e olho o vazio, há sempre alguém que pressurosamente me pergunta em que estou pensando. (De Céspedes), 2022. p. 71-2)

Ressoa nessa passagem algo dito anos antes, em 1928, em duas conferências na Universidade de Cambridge. O tema em questão era o papel das mulheres na ficção literária, e a convidada era Virginia Woolf. As conferências e dois artigos escritos pela autora resultaram no livro Um teto todo seu, publicado originalmente em 1929. No primeiro capítulo, Woolf defende que as mulheres não estão presentes no cânone literário, e não escrevem tantas obras de ficção comparadas aos homens pois “[…] a mulher precisa ter dinheiro e um teto todo seu se pretende mesmo escrever ficção; e isto, como vocês vão ver, deixa sem solução o grande problema da verdadeira natureza da mulher e da verdadeira natureza da ficção” (Woolf, 2004, p. 8). Ou seja, para as mulheres escreverem precisam de um lugar onde possam de fato exercer a escrita, uma atividade que exige concentração, reflexão e tempo. Para isso é necessário recursos financeiros. Se a natureza das mulheres era casar, ter filhos e cuidar da casa, onde e quando poderiam escrever? E a produção de ficção literária seria, portanto, de natureza masculina? Woolf escreveu na década de 1920, e De Céspedes em 1950, quarenta anos de diferença, e as condições da mulher não mudaram muito.

É interessante pensar que, a partir da afirmação de Woolf, entendemos que escrever também é um trabalho. Supera a ideia de que um escritor deve-se valer de inspiração, talento ou algo de natureza ininteligível. É um exercício sobre a linguagem e com a linguagem. Uma mulher é tão capaz de fazê-lo quanto um homem, se dadas as condições para tal, se para ela for possível desenvolver sua habilidade com a escrita.

O diário, apesar de ser perturbador (com um traço demoníaco, como diria Blanchot) e apesar de muitas vezes trazer angústia para Valeria, também a leva ao momento em que se olha no espelho, se reconhece em seus traços, em sua pele, e sente alegria. Nesse momento se materializa em reflexo e em sentimento o ato da escrita como radical tomada de consciência de si. Antes do diário, Valeria parecia não saber se reconhecer no mundo verdadeiramente. É a partir da ruptura que a escrita de si incita, através da elaboração dos relatos e pensamentos de seu cotidiano, que ela percebe quem é e quem pode ser.  É em sua própria vivência, e a partir de sua própria vivência, que ela cria sua subjetividade e reconhece sua presença potente no mundo.

REFERÊNCIAS

BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

DE CÉSPEDES, Alba. Caderno proibido. Rio de Janeiro: Editora Companhia das Letras, 2022.

WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. São Paulo: Tordesilhas, 2014.

As festas universitárias e a cultura surda: os sinais

03/09/2024 16:26

Por Lara Malafaia Vieira

Bolsista de Acessibilidade PET-Letras

Letras-Libras

Na Semana de Letras Libras (SELL), que ocorre anualmente no mês de Novembro, são realizadas palestras, minicursos e apresentações de pesquisas, nas formas de  comunicação oral ou banner. No ano de 2022, tive a oportunidade de participar pela primeira vez como ouvinte e ano passado, 2023, apresentei meu primeiro trabalho, junto com um amigo (Bruno Camargo), intitulado “Uma mão sinalizando e a outra no copo: uma proposta de sinais para as festas universitárias de Florianópolis”.

A ideia do nosso exercício de projeto e deu origem à apresentação ocorreu durante um almoço no restaurante universitário da UFSC, onde eu estava sentada na presença de dois amigos, uma surda e um ouvinte. Durante a conversa tocamos no assunto “festas universitárias”, as quais frequento sempre que possível. Ao relatar o nome de cada uma das festas, precisávamos criar estratégias para explicar para a surda os trocadilhos presentes nos nomes em português e com isso, pensar em como criar os sinais que mantivessem o trocadilho também em Libras.

Descrição da imagem: quatro imagens de festas universitárias. A primeira é uma mancha amarela com roxo escrito “PATOLOKO” com um desenho de um pato com óculos escuro e moletom roxo. A segunda tem um fundo vermelho onde está escrito “ENFERNIZA” com um estetoscópio com uma cauda triangular. A terceira tem fundo roxo com uma escrita em branco “INSANITÁRIA”; sobre o “ns” há imagem de um cogumelo vermelho com uma bola branca do videogame SuperMario. A quarta tem fundo amarelo onde aparece um brasão escrito “UNI 2021”; além disso, nela há  três tipos de bolas e a frase “spring break” numa faixa, embaixo.

Quadros e Schmiedt (2006) relatam que um dos papeis das línguas é a manifestação das culturas, dos valores e dos padrões sociais de um determinado grupo social. Consideramos que estes tipos de entretenimento também são parte da cultura universitária, então, após diversos encontros, selecionamos 21 festas da UFSC e UDESC, montando os sinais. Dois, os gravamos. Todos os sinais foram criados com a participação de pessoas surdas para que pudessem ajudar com a fidelidade dos trocadilhos.

Durante a inscrição para o SELL organizamos um banner para ser apresentado, pois percebemos que as festas movimentam, em média, dez mil pessoas tanto da comunidade interna quanto externa das universidades. Quando estão distantes dos corredores e dos trabalhos acadêmicos, os universitários procuram esses eventos como forma de distração, lazer e diversão. As festas também são locais ótimos para socializar e integrar com outros universitários.

Descrição da imagem: QR Code com os vídeos dos 21 sinais das festas universitárias.

 

No final da criação destes sinais e da criação do banner, tínhamos o trabalho e o  apresentamos. Todos que passavam por lá, surdos e ouvintes, professores e alunos, ficaram curiosos sobre os sinais e a história de cada um deles. Depois do SELL, pude perceber que os surdos começaram a usar os sinais naturalmente. Hoje, vemos a importância da comunidade surda participar desses eventos e de participarem das discussões sobre os mesmos.

REFERÊNCIA

QUADROS, Ronice Muller de; SCHMLEDT, Magalli L. P. Idéias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, 2006. 120 p. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/port_surdos.pdf.

 

Comparative Analysis of Macbeth Adaptations: Globe 2014 and 2018 Sign Language Synopses

28/08/2024 08:42

Paula Scalvin da Costa

Bolsista PET-Letras

Letras Inglês – UFSC

 

Comparing different adaptations of the same play, even within the same project across different years, reveals insightful variations in how directors interpret and present the material. This brief analysis, developed as part of the English Literature III discipline in the Letras Ingles course at UFSC, focuses on two different adaptations of Act I, Scene 4 from Shakespeare’s Macbeth. The scene has been portrayed in numerous ways, each highlighting unique aspects, particularly in the portrayal of Lady Macbeth.  One notable adaptation is by Shakespeare’s Globe, which includes a synopsis in British Sign Language (BSL). This choice offers a compelling perspective on narrative communication, especially given the limited availability of comprehensive adaptations in alternative formats. The BSL synopsis creatively enhances accessibility and deepens the appreciation of classic literature. By contrasting this with Shakespeare’s Globe On Screen’s 2014 adaptation directed by Eve Best, this essay explores how different mediums and interpretations influence the portrayal of Act I, Scene 4 in Macbeth.

Descrição da imagem: pintura óleo sobre tela. Lady Macbeth, cabelos vernelhos longos em tranças segura, perto de sua cabeça, uma coroa. A pele é branca e ela veste uma espécie de túnica verde e azul. O fundo da cena é azul escuro. Trata-se do quadro de John Singer Sargent, Ellen Terry as Lady Macbeth, 1889.

In Act I, Scene 4 of Macbeth, Shakespeare vividly depicts Lady Macbeth’s transformation through his choice of words. This pivotal scene reveals her ambitious nature and her willingness to forsake morality for power.

The scene opens with Lady Macbeth reading a letter from Macbeth informing her of the witches’ prophecies. Her initial reaction is filled with excitement and ambition as she contemplates the possibility of Macbeth becoming king. Her language is metaphorical and vivid, conveying eagerness and ruthless ambition; for instance, she resolves to “pour [her] spirits in [his] ear,” signifying her intent to decisively influence Macbeth.

As Lady Macbeth reflects on Macbeth’s nature, her tone becomes persuasive and manipulative. She worries that Macbeth is “too full o’ th’ milk of human kindness” to seize the crown through murder, viewing kindness as a weakness and setting the stage for her manipulative tactics. Her language is strategic, aiming to instill urgency and resolve in Macbeth, using commanding verbs and vivid imagery to persuade him to act against his better judgment.

Towards the end of the scene, Lady Macbeth’s tone darkens significantly. She invokes the spirits to “unsex” her and fill her with cruelty, demonstrating her willingness to renounce traditional feminine qualities and embrace ruthlessness. This pivotal moment marks her desire to transcend gender norms and embody a more masculine form of power. Her words become increasingly violent and resolute, underscoring her commitment to their deadly plan and revealing both her inner turmoil and fierce ambition.

In summary, Act I, Scene 4 of Macbeth is instrumental in illustrating Lady Macbeth’s complex character. Through her shifting tone and choice of words, Shakespeare masterfully conveys her transformation from an ambitious wife to a ruthless manipulator, setting the stage for the tragic events that follow and highlighting her pivotal role in the play’s exploration of ambition, power, and morality.

“Macbeth in BSL: Shakespeare Synopsis Project,” directed by Sophie Stone and released in 2018, focuses on portraying Shakespeare’s classic through the lens of the Deaf community. This adaptation stands out for its exceptional direction and portrayal of secondary characters, unfolding the narrative through their perspectives and setting an ominous tone from the outset. It underscores how perceptions shape understanding.

Key elements include nuanced acting and the strategic selection of characters who observe pivotal scenes. Sign language effectively conveys what characters witness, especially in naming the main protagonists, while subtitles offer basic understanding of signed dialogue, with deeper meanings emerging through careful observation of chosen signs.

The Shakespeare Synopsis project aims to adapt Shakespeare for the public, including synopses tailored for the Deaf community. In this adaptation, secondary characters witness crucial story events, such as Macbeth’s encounter with the witches or, specifically analyzed here, Lady Macbeth’s reading of her husband’s letter.

A notable aspect is the significant sign choice for Macbeth in this BSL production: three extended fingers sweeping across the chest. This gesture symbolizes Macbeth tearing at himself, metaphorically ripping away a part of himself and illustrating the story’s darkness and damning nature, reflecting regional or community-specific differences in adaptation.

Cinematography plays a crucial role, enhancing the dark and eerie atmosphere, capturing the unsettling ambiance within the Macbeths’ residence or intense chaos of battlefield scenes. Subtle costume changes reflect characters’ deteriorating mental states over time, symbolizing unfolding tragedy and emphasizing narrative depth and complexity.

Shakespeare’s Globe On Screen’s 2014 adaptation, directed by Eve Best, stands out for its unique approach to portraying Shakespeare’s classic. Notably, the transformation in tone and voice by the actress during pivotal scenes, such as Lady Macbeth’s letter reading, mirrors her evolving emotions and thoughts.

Key elements include Samantha Spiro’s exceptional portrayal of Lady Macbeth, skillfully articulating her inner thoughts aloud. Costume choices deepen narrative depth, blending casual elegance with everyday life, reflecting Lady Macbeth’s contemplation of kingship. As ambitions darken, her tone overwhelms a once-grand stage setting with character weight, enriching complexity and thematic resonance in unfolding tragedy.

Both adaptations by Shakespeare’s Globe, one in BSL and the other from the 2014 adaptation, share rich, earthy, and somber tones, evoking audience emotions in ways that create a claustrophobic sensation.

In the specific scene of Lady Macbeth reading the letter, both adaptations intensify the proximity of characters as the scene progresses. An intriguing point is the difference in the character within the Macbeths’ household between the synopsis adaptation—a butler—and the play—a woman, reflecting on the performance itself. While the butler’s interpretation in the synopsis is solemn and imbued with morbidity, the portrayal of the woman in the play is naive, perhaps serving to contrast with the inherent morbidity of the actress portraying Lady Macbeth.

The synopsis adaptation by Shakespeare’s Globe offers a condensed, third-person perspective, consistent with the play as a whole, yet Lady Macbeth externalizes her tumultuous and convoluted thoughts. Throughout the scene, one can perceive, “as she reads the letter, I could see her human kindness leaving her body,” a profound statement echoed by the project, providing a parallel perspective on human nature’s complexities within the context of power and ambition.

In exploring different adaptations of Act I, Scene 4 from Shakespeare’s Macbeth this essay has illuminated the multifaceted nature of Lady Macbeth’s character and the interpretative richness brought forth by various mediums and directorial approaches. The comparison between Shakespeare’s Globe’s British Sign Language synopsis and Eve Best’s 2014 On Screen adaptation underscores how different forms of communication and directorial choices can profoundly impact the portrayal of Shakespearean themes such as ambition, power, and gender dynamics.

The BSL adaptation, through its innovative use of sign language and nuanced portrayal of secondary characters, offers a unique perspective that enhances accessibility and highlights the universality of Shakespeare’s themes. In contrast, Eve Best’s adaptation emphasizes the dramatic intensity and psychological depth through compelling performances and visual storytelling.

Both adaptations resonate with their audiences by evoking emotional depth and thematic resonance, albeit through distinct stylistic choices. Whether through the visceral impact of sign language or the visual and auditory immersion of traditional theater, each adaptation enriches our understanding of Macbeth’s timeless exploration of human ambition and its consequences.

Ultimately, the diversity of interpretations showcased in these adaptations serves as a testament to the enduring relevance and adaptability of Shakespeare’s work across different cultural and artistic contexts, inviting ongoing exploration and appreciation for audiences of all backgrounds.

REFERENCES

BEST, Eve (Diretora). Shakespeare’s Globe On Screen Macbeth. William Shakespeare, 2014.

Macbeth in BSL: Shakespeare Synopsis Project. Youtube. Direção de Sophie Stone, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IJn3qtmh6po&t=25s. Acesso em: 14 jul. 2024.

Estudos decoloniais: desafios e perspectivas para a compreensão do poder e dos saberes

27/08/2024 07:56

    Por Tay Muller

Bolsista de Acessibilidade PET-Letras

              Letras-Libras

 

Os estudos decoloniais emergem como um campo interdisciplinar que busca questionar e desmantelar as estruturas de poder e conhecimento estabelecidas pelo colonialismo, como explica Quijano (2005), na análise dos elementos históricos e das dinâmicas sociais da América Latina, que serviram como fundamento para a formulação da proposta epistemológica do sociólogo. Ao desenvolver a noção de “colonialidade do saber”, ele se referiu ao poder epistêmico europeu. “O fato de que os europeus ocidentais imaginaram ser a culminação de uma trajetória civilizatória desde um estado de natureza levou-os também a pensar-se como os modernos da humanidade e de sua história, isto é, como o novo e ao mesmo tempo o mais avançado da espécie.”

A partir da perspectiva decolonial, compreendemos quem são os corpos passíveis a ser violados, modificados, agredidos e tendo suas histórias apagadas assim como suas famílias, cultura, religião, crenças e sonhos. Esses corpos são produção da colonialidade e pensados a partir da “marafunda”:

 

                             Esse fenômeno, que prefiro chamar de marafunda ou carrego colonial, compreende-se como sendo a condição da América Latina submetida às raízes mais profundas do sistema mundo racista/capitalista/cristão/patriarcal/moderno europeu e as suas formas de perpetuação de violências e lógicas produzidas na dominação do ser, saber e poder. (Rodrigues Júnior, 2017, p.35)

 

Este movimento intelectual, que ganhou força especialmente nas últimas décadas, propõe uma leitura crítica da história e dos processos sociais, culturais e políticos, com o objetivo de revelar e subverter as hierarquias e desigualdades produzidas e mantidas pelo sistema colonial e seus legados.

 

A decolonialidade deve ser lida como um ato de responsabilidade com a vida. A ação decolonial é afeto em suas dimensões éticas/estéticas, de modo que o termo não pode ser reduzido a um neologismo que se hipnotiza na fixação de seus traumas, serpenteando em uma interminável retórica. (Rodrigues Júnior, 2017, p. 35)

 

 Os estudos decoloniais têm suas raízes em movimentos de resistência e emancipação dos povos colonizados. Eles se inspiram em obras seminais de pensadores anticoloniais como Frantz Fanon, que pensava esse processo como algo político mas além disso uma transformação profunda, social e culturalmente. Uma mudança no sujeito que passou pelo processo de colonização, que muitas vezes busca aprovação do próprio colonizador.

 A discussão desse assunto e, mais ainda, a aplicação dessa teoria dentro e fora da academia, nos permite entender as sociedades a partir de outras perspectivas, alterando estruturas que oprimem os seres que não sejam o modelo. Ela abre  possibilidades de conhecer novas culturas e novos seres de forma mais empática. A partir dessa reflexão, podemos nos sentir convidados a repensar nossas atitudes e a forma que fomos colocados e nos colocamos no mundo.

 

REFERÊNCIA

 

RODRIGUES JÚNIOR, L. R. Exu e a pedagogia das encruzilhadas. Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

 

Processos de aquisição da linguagem

14/08/2024 18:44

 

Por Izabel Bayerl e Laiara Serafim

Letras-Português

Bolsistas Pet-Letras

 

Como as crianças aprendem a falar? Por que meu filho repete tudo que eu falo? Por que a criança troca a letra “R” pelo “L”? Por que algumas crianças aprendem a falar mais rápido que outras? Essas são algumas das perguntas centrais que permeiam a área da aquisição da linguagem.  Os processos de aquisição são diversos e estão presentes em todas as fases do aprendizado da criança, desde os primeiros sons nos primeiros meses, até a entrada da criança no ensino formal. Aqui, nos dedicamos a explicar de forma breve como ocorre a aquisição e desenvolvimento da fala e quais processos estão envolvidos.

É verdade que desde a barriga a criança já começa a ter contato com a sua língua materna, mas é só por volta dos seis meses que a criança começa a produzir os primeiros sons. Contudo, esses primeiros sons não estão diretamente ligados apenas à língua falada pelos pais, mas refletem também conhecimentos inatos da gramática universal. De acordo com Chomsky (1968), a GU permite que os falantes nativos de uma língua reconheçam e produzam sentenças daquela língua. Essa competência não é simplesmente uma cópia do que é ouvido no ambiente linguístico, mas inclui uma capacidade intrínseca de criar e interpretar estruturas linguísticas de maneira criativa e variável, no entanto, somente os conhecimentos inatos não são suficientes para que a criança adquira a língua, ou seja, ela precisa receber estímulos externos, dos pais e da comunidade.

Já por volta do primeiro ano ao segundo ano de idade a  criança começa a produzir as suas primeiras palavras.  É um momento mágico e podemos pensar que ela está apenas repetindo aquilo que ouviu dos pais ou familiares. Embora a interação com ambiente seja essencial para que ocorra a aquisição da linguagem, esse processo não ocorre através de escuta-repetição. O que acontece de verdade é que a criança está criando juízos de gramaticalidade e prova disso é que crianças são capazes de produzir palavras e até sentenças que nunca ouviram, como: “Eu trazi” e “eu sabo”. Ao produzir uma sentença como essas, a criança está utilizando de forma generalizada uma regra de conjugação verbal, como a seguir: “Eu nado”, “eu falo”, “eu sabo”. De todo modo, as crianças podem repetir aquilo que ouviram de um adulto, mas isso não significa que a aquisição da linguagem se dá através da repetição, mas sim de uma combinação de vários fatores, dentre eles a internalização da gramática da língua, antes mesmo da criança entrar no ensino formal.

Durante todo o processo de aquisição da linguagem, as crianças utilizam diferentes recursos para produzir palavras e sons que elas ainda não adquiriram, respeitando sempre a sonoridade ou sonância da língua. Esses processos são naturais e fazem parte do desenvolvimento da linguagem. A capacidade da criança de reconhecer e respeitar a cadeia de sonância é um reflexo de como ela internaliza e começa a aplicar as regras fonológicas da sua língua materna ao longo do tempo. Dentre as estratégias de reparo estão:  omissão do som, realização de glides (semivogal), realização de outro som próximo na escala de sonância,  epêntese (acréscimo de uma vogal), além de alterar a sonorização da palavra.

Com o avanço dos anos a criança começa a produzir sentenças mais extensas e completas. É nessa fase, por volta dos 3 anos, que pode ocorrer a troca entre algumas letras. Entretanto, essa troca é uma das estratégias de reparo utilizadas pela criança para produzir palavras que ainda não adquiriu por completo. Essa troca ocorre entre sons semelhantes. A criança, quando ainda não adquiriu o “R” na sua gramática, pode usar o som do “L” para substituí-lo, pois eles são muito próximos na escala de sonância.

Já na fase da educação formal, diversas questões podem influenciar a capacidade de consciência fonológica das crianças. Por exemplo: aquelas que são filhas de pais analfabetos ou que não fazem uso da atividade de ler e escrever no cotidiano possuem a capacidade fonológica bem menos desenvolvida do que crianças que crescem com maior acesso à cultura escrita, e isso está ligado diretamente com o processo de desenvolvimento da leitura e escrita quando essas crianças chegam à escola.

É possível notar que a aquisição da linguagem possui processos complexos e variados para cada fase da aprendizagem, e esses processos podem ocorrer de forma distinta para cada criança, em tempos diferentes. É importante conhecer quais fenômenos fazem parte de cada etapa para promover estratégias e recursos que estimulem o processo individual de aquisição de cada criança.

REFERÊNCIAS

GROLLA, Elaine; SILVA, Maria Cristina Figueiredo. Pra conhecer: aquisição da linguagem. São Paulo: Contexto, 2014. p. 36-55

LAMPRECHT, Regina (org.) et al. Aquisição fonológica do português: perfil de desenvolvimento e subsídios para a terapia. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 73-94.

RIGATTI-SCHERER, Ana Paula. Consciência fonológica na alfabetização infantil. IN: LAMPRECHT, Regina et al. Consciência dos sons da língua. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2009. p. 130-143.

CHOMSKY, Noam. Linguagem e mente. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

Sinais no Poder – resenha de “Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional”

05/08/2024 14:39

 

Por Bruno Camargo

Bolsista PET Letras

Letras – Libras

 

MONZO, Francis Lobo Botelho Vilas; GOROVITZ, Sabine. Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional. In: RODRIGUES, Carlos Henrique; QUADROS, Ronice Müller de (org.). Estudos da Língua Brasileira de Sinais. Florianópolis: Editora Insular, 2023. p. 157-176.

Descrição da imagem: Ao fundo, homens e mulheres assentados na mesa diretora de uma comissão no Congresso Nacional. Em primeiro plano, uma intérprete de Libras realiza a interpretação da discussão./

Fonte: Geraldo Magela/Agência Senado

 

Esta é uma resenha do capítulo Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional, de autoria de Francis Lobo Botelho Vilas Monzo e Sabine Gorovitz. O trecho aqui resenhado se encontra no nono capítulo do sexto volume da série de livros Estudos da Língua Brasileira de Sinais, organizado por Carlos Henrique Rodrigues e Ronice Müller de Quadros e publicado no ano de 2023.

A primeira autora do capítulo é Francis Lobo Botelho Vilas Monzo. Interessou-se pela língua de sinais na adolescência e obteve o certificado Prolibras em 2007. Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2008, mestre em Estudos da Tradução pela Universidade de Brasília em 2022, é analista legislativo do Senado Federal e atua na área de acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência na Casa Legislativa.

A segunda autora da obra resenhada é Sabine Gorovitz. Graduada no ano de 1993 em Línguas Estrangeiras Aplicadas à Economia pela Université Paul-Valéry – Montpellier III, França. Mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e doutora em Sociolinguística pela Université Paris Descartes, França. A autora é docente vinculada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução da Universidade de Brasília (POSTRAD) e atua no desenvolvimento de pesquisas nas áreas de tradução, interpretação simultânea e comunitária, políticas e direitos linguísticos.

A obra está dividida nos seguintes capítulos: Introdução; Políticas linguísticas e políticas de tradução e de interpretação no par linguístico Libras-português; Contextos de atuação e contratação do intérprete de línguas de sinais no Congresso Nacional; Discussão dos resultados e avaliação da qualidade da interpretação; e Considerações finais.

Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional parte da argumentação apresentada na dissertação de mestrado, de mesmo nome, da autora Francis Monzo com orientação de Sabine Gorovitz e tem como objetivo identificar as políticas linguísticas presentes nos contratos de tradução e interpretação em língua de sinais celebrados no Congresso Nacional. A metodologia utilizada para a investigação foi de análise qualitativa e documental. Foram analisados regimentos internos e administrativos das Casas Legislativas que compõem o Congresso Nacional e contratos realizados entre os anos de 2006 e 2021, perfazendo um corpus de 18 documentos.

O capítulo é inaugurado a partir das palavras de Rajagopalan (2013, p. 34), que diz: “todo gesto de cunho político envolve uma questão de escolha entre diferentes alternativas que se apresentam”. O autor sintetiza com excelência as tomadas de decisões que são necessárias para o desenvolvimento das políticas linguísticas e de tradução e interpretação. Nessa perspectiva, Santos e Francisco chamam a atenção para o fato que “políticas linguísticas e políticas de tradução não se resumem às leis” (Santos; Francisco, 2018, p. 2946). No Brasil, ainda que a Constituição Federal enfatize o monolinguismo da Língua Portuguesa existem legislações que reconhecem a existência de outras línguas no país, como a Lei nº 10.436/2002 – Lei da Libras.

No escopo da aplicação dessas políticas de tradução e interpretação no Congresso Nacional, foram identificados dez contextos de atuação dos Tradutores Intérpretes de Língua de Sinais (TILS) em áreas como: plenário; recepções e portarias; setores de comunicação: tv câmara/tv senado; escolas de governo, entre outros. A análise dos contratos de serviços de tradução e interpretação de TILS destacou que a especificidade de cada contexto não é levada em consideração nos editais de seleção, com exceção da atuação nas TVs Legislativas. A contratação para atuação para TV é incluída na prestação de outros serviços diversos na área de televisão, portanto, a descrição das atribuições e funções do profissional é sucinta.

Na seção “Discussão dos resultados e avaliação da qualidade da interpretação”, as autoras debatem os resultados encontrados. Dentre as discussões apresentadas nota-se um avanço desde o primeiro contrato, de 2006, que se adaptaram com surgimento das políticas nacionais da categoria profissional, como o ProLibras e os cursos de formação superior. As autoras afirmam que os contratos mais recentes sequer mencionam as especificidades de atuação em cada contexto, mesmo com as distintas características existentes entre elas. A análise dos contratos também mostrou a não existência de critérios de avaliação da qualidade de interpretação no Congresso Nacional.

As autoras concluem afirmando a falta de políticas explícitas, linguísticas ou de tradução e de interpretação, voltadas ao cidadão surdo. Enquadrado nas regulamentações de acessibilidade, destacam certa tensão entre a concepção da surdez enquanto identidade cultural e o modelo médico de deficiência. De outro modo, identificaram-se avanços conquistados ao longo dos anos, mas que ainda apresentam falhas a serem revistas para contratações futuras.

Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional, de Francis Monzo e Sabine Gorovitz, é um material de suma importância para a categoria profissional. A temática das políticas linguísticas e políticas de tradução e de interpretação na esfera legislativa é emergente e o capítulo resenhado é essencial para o desenvolvimento de pesquisas nessa área. O capítulo é um material de grande relevância e impacto para estudiosos dos estudos da tradução e da interpretação em línguas de sinais. Assim, a investigação das autoras presente neste livro, bem como a dissertação homônima, são leituras recomendadas e indicadas aos profissionais e interessados.

 

REFERÊNCIAS

 

RAJAGOPALAN, Kanavillil. Política Linguística: do que é que se trata, afinal? In: NICOLAIDES, Christine et al. (org.). Política e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes, 2013. p. 19-42

 

SANTOS, Silvana; FRANCISCO, Camila. Políticas de tradução: um tema de políticas linguísticas? Fórum Linguístico, Florianópolis, v. 15, p. 2939-2949, 2018.

 

 

Primeiro Ensaio

27/07/2024 13:24

Por Mahara Soares

Voluntária | PET-Letras

Letras-Português

Ana Martins Marques, poeta, redatora e revisora, publicou “O Livro das Semelhanças”, no ano de 2015. Sendo parte do projeto poético da autora, reconhecida por relacionar o processo de escrita com a experiência do existir, tem como base um sistema metalinguístico utilizado para refletir as diferenças e semelhanças entre o real e a literatura. O livro cria um jogo metapoético que vai além de seu conteúdo, envolvendo os próprios títulos dos poemas numa espécie de construção estrutural. “Livro”, primeira das quatro seções em que a obra se divide, é introduzida com os seguintes textos: Capa, Nome do Autor, Título, Dedicatória, Epígrafe, Primeiro Poema e Segundo Poema. Os poemas têm um sentido de continuação entre si, arquitetam o livro ao mesmo tempo em questionam sua respectiva estrutura e função.

Descrição da Imagem: capa do livro. Fundo azul claro, com manchas pretas. No centro, um quadrado (virado), em branco, traz o título do livro e o nome da autora em fonte fina.

 

Primeiro poema

O primeiro verso é o mais difícil

o leitor está à porta

não sabe ainda se entra

ou só espia

se se lança ao livro

ou finalmente encara

o dia

o dia: contas a pagar

correspondência atrasada

congestionamentos

xícaras sujas

aqui ao menos não encontrarás,

leitor,

xícaras sujas

(Marques, 2015, p. 18)

 

No que diz respeito ao aspecto temático, o “Primeiro Poema” aborda a poesia como algo a parte do cotidiano, do mundo do “dia” em que cabem as coisas rotineiras. Assim, entrar no poema seria como abrir uma porta para um mundo que não o real, como (se deixar) ser transportado a outro lugar que não o comum, fugir.  Ao mesmo tempo, ironicamente, o leitor encontra elementos corriqueiros ao fazer a leitura, e o eu-lírico escreve enquanto reflete sobre a dificuldade da escrita, explorando a metalinguagem. Vejamos como a autora procede com o “Segundo Poema”:

 

Segundo poema

Agora supostamente é mais fácil

o pior já passou; já começamos

basta manter a máquina girando

pregar os olhos do leitor na página

como botões numa camisa ou um peixe

preso ao anzol, arrastando consigo

a embarcação que é este livro

torcendo para que ele não o deixe

para isso só contamos com palavras

estas mesmas que usamos todo dia

como uma mesa um prego uma bacia

escada que depois deitamos fora

aqui elas são tudo o que nos resta

e só com elas contamos agora

(Marques, 2015, p. 19)

 

O poema acima está estruturado em um soneto decassílabo, contendo dois quartetos e dois tercetos, símbolo de uma literatura clássica considerada rebuscada. Apesar disso, a inspiração se encontra apenas parcialmente no aspecto formal, já que o poema não segue à risca o padrão da métrica característica dos sonetos. É possível identificar alguns esquemas de rimas que variam entre rimas internas, enlaçadas, emparelhadas e cruzadas. Há ainda a presença de alguns versos brancos, que não compõem rimas. Nota-se, assim, o esforço da autora em romper o padrão com o padrão, uma estratégia irônica e bem articulada.

A quebra se estende à expectativa do leitor que, ao reconhecer um esquema de rimas, presume que o mesmo se repita, que haja uma sonoridade contínua, mas é surpreendido pela alternância constante e pela “dessonorização” que marca a literatura moderna. Além de não contar com rimas previsíveis, o leitor se depara com a escassez de pontuação, estes fatores o tornam diretamente responsável pela fluência da leitura do poema, ou seja, pelo ritmo, que se adere ao pensamento e vice-versa. Cria-se, assim, o movimento sonoro do poema.

A poesia coloca-se como uma tentativa de preenchimento da realidade por meio da linguagem. A ambiguidade, presente nas comparações e metáforas, explora a confusão entre os elementos reais e os imaginários, conciliando ainda mais os dois mundos, vivido e literário. Ana Martins Marques utiliza de imagens baseadas em analogias, como em “manter a máquina girando” e em “a embarcação que é este livro”, para criar relações subjetivas entre objetos diferentes.

Logo no primeiro verso de “Primeiro Poema”, o eu-lírico expressa sua preocupação com o processo de escrita que enfrenta: “O primeiro verso é o mais difícil”. Entre o bloqueio criativo e a pressão de despertar o interesse de um possível leitor, são infindas as possibilidades e escolhas de construções frasais. Já o “Segundo Poema” tem um início bem contrastante com o do texto anterior: “Agora supostamente é mais fácil / o pior já passou”. Agora a questão deixou de ser sobre como começar e tornou-se sobre como manter, como assegurar a continuidade, como garantir que o leitor seguirá nas páginas. A poeta reflete, então, sobre o material da poesia.

Ao observar os tercetos, encontra-se um tipo de espelhamento do primeiro verso da terceira estrofe e do terceiro verso da quarta: “para isso só contamos com palavras” e “e só com elas contamos agora”. Está exposta, finalmente, a fragilidade da literatura. Seu material são as palavras. Estas, que são usadas para falar de todas as coisas, das importantes e das banais, das úteis e das inúteis, das simples e das complexas. A substância da poesia é a linguagem e, principalmente neste caso, a linguagem usual do cotidiano, “estas mesmas que usamos todo dia”.

Ao mesclar os aspectos formais clássicos da métrica com o conteúdo moderno e a linguagem simples, a autora aproxima seu leitor da poesia, resgatando elementos com os quais ele está familiarizado, experiências pelas quais ele já passou. Esta concepção aumenta a eficácia poética e a fruição do texto literário, pois permite que o leitor se conecte com o livro, desperte suas memórias e preencha as lacunas deixadas pelo escritor.

A obra de Ana Martins Marques imerge o leitor em seu processo de escrita, reflete a literatura enquanto a constrói, brinca com as relações extralinguísticas que estabelece. As característica presentes em seus textos vão muito além das que foram aqui citadas, têm a capacidade de suscitar discussões variadas e profundas sobre diversos assuntos, de deixar  registrada a potencialidade de estudos futuros. Entretanto, pode-se dizer que os pontos destacados já são suficientes para afirmar a relevância da referida autora para a literatura brasileira contemporânea.

 

REFERÊNCIA

MARQUES, Ana Martins. O livro das semelhanças. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.