Sinais Caseiros: línguas que emergem através do isolamento linguístico

28/11/2023 15:27

Por Franciane Ataide Rodrigues

Letras Libras

Bolsista PET-Letras

 

Quando pensamos em indivíduos surdos e na existência da comunidade surda brasileira, comumente os relacionamos ao uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras), porém grande parte dos surdos nasceu em famílias ouvintes, usuárias do português e, geralmente, não usuárias nem conhecedoras da Libras.

Cerca de 90 a 96% das crianças com surdez pré-linguística − isto é, que nasceram surdas ou ficaram surdas até os três anos − têm pais ouvintes que, em geral, não são usuários de uma língua de sinais. Esse quadro vale para o Brasil: 90% das crianças surdas têm pais ouvintes (Rosa, 2022, p. 71).

 

É dentro desse contexto de isolamento linguístico no ambiente familiar, de isolamento geográfico, de ausência da socialização com a comunidade surda e a privação ao acesso à língua de sinais brasileira (Libras) que se manifesta a necessidade de uma comunicação “rudimentar”, fazendo com que nasçam as “línguas de sinais caseiras”. Essas são sistemas de comunicação gestual ou visual improvisados e usados por pessoas surdas em situações de necessidade emergencial de comunicação, sobretudo com ouvintes não falantes de Libras, e que não possuem o domínio da língua de sinais formal por não receberam os inputs linguísticos necessários para usá-la.

 

Destarte, estes sinais são caracterizados como “as maneiras únicas, os modos de fazer gestos ou de sinalizar de cada indivíduo, que são usados na família, em casa – daí a denominação ‘sinais caseiros’ ou ‘gestos caseiros’ (Matos, 2016, p. 129)

 

Tais sinais podem ser baseados em necessidades específicas da rotina e do ambiente familiar e podem não seguir regras rígidas no seu processo de criação estrutural. Diferentemente da língua de sinais brasileira, os sinais são convencionados no seio familiar contendo características icônicas ou arbitrárias ao referencial desejado, bem como recebem influência do contexto social experienciado.

Por exemplo, se forem pescadores, os sinais caseiros que emergem podem ser relacionados aos frutos do mar, areia, barraca e outros; numa família da zona rural, eles podem ser relacionados a boi, vaca, leite e assim por diante. Isto também acontece com familiares de surdos que moram na zona urbana, cujo filho e/ou os pais não tiveram contato com a comunidade surda utente da língua de sinais oficial (Adriano, 2010, p. 34)

 

Por serem de caráter emergencial e de uso restrito a apenas um núcleo social, esses sinais podem, muitas vezes, ser usados apenas no momento da ocorrência da situação e entendíveis apenas pelo núcleo que convencionou o uso dos sinais. Sendo assim, é importante esclarecer que a eficácia da transmissão de mensagens durante o processo comunicacional por meio de sinais caseiros pode variar e influenciar na compreensão mútua.

A seguir, apresentamos sinais caseiros convencionados pelo núcleo familiar de Simone Schirlei Sarmento. Simone é uma mulher surda oralizada criada em uma família ouvinte. Nascida em Florianópolis, até os seus dezesseis  anos teve contato somente com ouvintes, onde aprendeu a oralizar e criou sinais caseiros para facilitar a sua comunicação com eles. Aos dezessete anos, começou a estudar na Fundação Catarinense de Educação Especial, em São José, quando aprendeu Libras e iniciou seu contato com a comunidade surda. Atualmente, ainda utiliza os sinais particulares dentro de casa, com a sua família, porém sua convivência com os amigos surdos está mais forte, o que fez aumentar seu vocabulário em Libras. Simone é mãe de 3 filhos ouvintes, considerados Codas. A seguir, serão apresentados por uma das filhas de Simone, Samanta Schirlei Pacheco, alguns sinais caseiros convencionados pela família.

Nas colunas superiores estarão os sinais usados em Libras e, nas colunas inferiores, estarão localizados os sinais caseiros convencionados no núcleo familiar de Simone:

 

1- Sinal em Libras da palavra “mentira” e, posteriormente, o sinal caseiro.

2- Sinal em Libras do vocábulo “mãe” e, posteriormente, o sinal caseiro.

3- Sinal em Libras do termo “médico” e, posteriormente, o sinal caseiro.

 

Em vias de síntese, é importante ressaltar que muito embora os sinais caseiros sejam uma “porta” para a aquisição de uma língua formal e proporcionem um meio de transmissão de mensagem com a possibilidade de comunicação, ainda assim possuem um alcance de compreensão dos signos linguísticos estritamente dependente do ambiente familiar e com um sinalário restrito. Da informação apresentada, decorre, pois, a necessidade urgente do acesso a uma língua com estrutura linguística completa que possibilite conversas mais profundas e estruturadas, desempenhando um fortalecimento linguístico na pessoa surda.

 

REFERÊNCIAS

ADRIANO, Nayara de Almeida. Sinais caseiros: uma exploração de aspectos linguísticos. 2010. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.

ROSA, Maria Carlota. Uma viagem com a linguística: um panorama para iniciantes. São Paulo: Pá de Palavra, 2022.

MATOS, Pâmela do Socorro da Silva. Gestos de surdos e ouvintes: o contar história sem uso da voz. 2016. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2016.

Criando magia: um relato de experiência

21/11/2023 08:24

Por Lara Malafaia Vieira

Bacharelado em Letras-Libras

Bolsista Acessibilidade PET-Letras

 

No ano de 2018, enquanto ainda fazia a faculdade de fonoaudiologia, tive minha primeira experiência de intercâmbio. Nunca tinha passado pela minha mente em morar três meses fora do país, longe da minha família –  e ainda mais trabalhando com merchandise, ou seja, com a venda de produtos como camisetas, canecas, ursinhos de pelúcia, no Walt Disney World Resort em Orlando.

Para começar, passei perrengue no aeroporto e a viagem, que deveria ser de 10 horas, levou 24 horas. Chegando lá fui direto para o hotel em que ficaria com uma amiga; no dia seguinte seguiríamos para o condomínio que moraríamos nos próximos meses. O nome do condomínio era Chatham Square, e lá morei com mais cinco “gringas”, cada uma de um estado norte-americano diferente. Eu era a única brasileira vivendo uma cultura muito diferente, enquanto minhas amigas brasileiras acabaram “caindo” com outras brasileiras, então tinham o “gostinho de casa” constantemente. Já eu acabei ficando com as norte-americanas e fiquei muito amiga de uma delas. Ela me apresentou os musicais mais conhecidos nos EUA e ainda me fez comer os famosos biscoitos de natal, construindo ainda a Gingerbread House, aquela casinha que vemos em filmes (algo me chocou: eles não comem a casinha, eles deixam simplesmente em exposição até o mês de janeiro).

Meu local de trabalho era a World of Disney, a maior loja da Disney do mundo, localizada na Disney Springs. A loja tinha seis grandes áreas de produtos separadas por temas como Star Wars, princesas, seasonal, camisetas gráficas, roupas em geral e um combinado de pelúcias e as famosas orelhinhas; três áreas de caixas registradoras; e três estoques. Cada dia recebíamos de duas a três posições de trabalho, indo desde trabalhar no caixa até atender os pedidos dos Cast Members (CM), trabalhadores, no back of the house, lugar onde os clientes não podiam entrar.

Descrição da imagem: em frente a uma parede de prateleiras com bonés coloridos, uma moça morena de cabelos pretos longos, óculos preto, vestida com uma camiseta de manga comprida xadrez com tons de azul e cinza, calça jeans e uma bolsa lateral retangular preta com pins coloridos. A moça está apontando para o crachá com os dedos indicadores.

Além de poder trabalhar diariamente no mundo Disney, eu tinha livre acesso aos parques e aos resorts durante meu período de trabalho no intercâmbio. Então, todos os dias antes do trabalho, dava uma passada em algum dos parques para poder ir em algum brinquedo ou comer algo para depois ir trabalhar.

Para trabalhar na Disney temos que saber e colocar em prática as quatro (agora cinco) “Keys”., que são: show, cortesia, segurança, eficiência e a última adicionada, inclusão. Essas cinco chaves são essenciais para um atendimento “no estilo Disney”, causando uma experiência mágica para seus clientes.

Essa experiência foi tão mágica para mim e boa para meu crescimento pessoal que, em 2022, no meio da faculdade de Letras-Libras, decidi voltar para o intercâmbio; porém, desta vez morei com mais três brasileiras, uma delas minha amiga de Floripa; morei em um condomínio recém inaugurado; e trabalhei em uma área diferente. Eu era Quick Service; nessa área, trabalhava com venda de comidas e bebidas no restaurante Pizzafari no parque Animal Kingdom.

Descrição da imagem: em frente à cozinha com bancadas (e  potes, paredes de azulejos coloridos formando desenhos do fundo do mar e três pessoas), encontra-se uma moça morena (a autora do texto) com cabelos pretos presos em coque baixo, óculos, chapéu, vestida com uma camiseta de manga longa estampada com tons de verde, com barra da manga em verde escuro, um avental verde claro por cima, e o crachá com o nome preso do lado direito.

 

O “Pizza”, para os íntimos, era um restaurante que vendia três sabores de pizza: queijo, pepperoni e salsicha com pepperoni; saladas Caesar com e sem frango; sanduíche de frango parmegiana; os famosos cupcakes decorados; e bebidas diversas. Durante o momento de trabalho lembro como meus co workers, achavam estranho as famílias brasileiras pedirem ketchup, maionese e mostarda para comerem junto com a pizza.

Uma das posições de trabalho que mais gostava era ficar ou de filler, que montava as bandejas com as comidas, ou na de greeter, que ficava dando boas-vindas na porta. Nessa segunda posição  eu tinha um grande contato com as pessoas que estavam passeando pelo parque e dava dicas sobre locais para comer, melhores brinquedos para ir, onde tirar foto com os personagens etc.

Essas experiências de intercâmbio me fizeram pensar em como minha segunda faculdade poderia entrar nessa vivência do mundo Disney, até que um dia atendi uma guest italiana surda que conseguiu se comunicar comigo por meio de sinais internacionais. Eu entendi tudo o que ela estava dizendo, por mais que não soubesse sinais internacionais. Minha irmã, que foi fazer o intercâmbio comigo, me fez uma surpresa e pediu para confeccionarem uma name tag que é nossa identificação de nome, país e língua que falamos, com a escrita sign language (escrita de sinais).

Descrição da imagem: em frente do castelo do Magic Kingdom iluminado com tons de azul, roxo e rosa; é noite e várias pessoas estão ao fundo. Numa nametag está escrito: o símbolo de 50 anos da Walt Disney World, Laila, Niterói, Brazil, “the most magical place on earth” e português. Ao lado, na outra nametag, está escrito: o símbolo de 50 anos da Walt Disney World, Lara, Niterói, Brazil, “the most magical place on earth”, português e duas configurações de mão em “S” e “L”.  

 

Cada um dos intercâmbios criou amizades que ainda nutro. Penso que sou muito feliz por ter essas experiências e pelas pessoas e memórias que carrego comigo.

O dispositivo sensitivo/ mágico da protagonista do conto “A menina de lá”

14/11/2023 07:14

 Por Anna Letícia de Abreu

Letras Língua Portuguesa

Voluntária – PET Letras

 

 

Mestre da palavra, Guimarães Rosa guia habilmente seus leitores por intrincados e imagéticos caminhos da linguagem, consolidando-se como um dos luminares da literatura. Sua prosa se caracteriza por uma linguagem rica, repleta de neologismos, arcaísmos e construções sintáticas complexas. Em A Menina de Lá, G. Rosa trabalha uma trama onde a magia se manifesta de uma forma sutil, através de elementos sensitivos que nascem da personagem principal, Nhinhinha. O conto explora a quebra de convenções da realidade, introduzindo elementos sobrenaturais de forma sutil e encantadora. A descrição dos personagens e cenários destaca-se como um componente essencial, revelando nuances mágicas que permeiam a trama.  Rosa traz a exploração da condição humana no conto; nessa leitura, os elementos escolhidos transportam os leitores para um universo onde a fronteira entre o ordinário e o extraordinário se dissolve, onde o real e o irreal se fundem – característica presente também em outras obras emblemáticas do autor.

Descrição da imagem: a imagem é uma pintura óleo sob a tela; o fundo é composto por tons de verde, claro e escuro, com textura de folhas voando com o vento; há um balanço de corda amarrado em um único galho marrom. Nele, está uma sentada uma menina branca, com tranças laranjas, se balançando. Ela usa um vestido até o joelho, de mangas compridas na cor creme, um chapéu da mesma cor. Também usa uma meia calça laranja e botas pretas.

 

O dispositivo sensitivo, presente nessa obra, se revela por meio de elementos específicos dentro da narrativa que são determinantes para o sentido, como a descrição de Nhinhinha, desde do que ela é, de como as pessoas ao redor a veem e até os comportamentos inexplicáveis dela. As atitudes intrigantes e, por vezes, questionáveis, desde os primeiros momentos do conto, incitam um pequeno incômodo ao leitor, a presença de algo inalcansável e incompressível vem como uma incessante reflexão. A ênfase na descrição assume uma importância central dentro do dispositivo sensitivo, pois é por meio dela que identificamos elementos que transcendem a realidade cotidiana, manifestando-se não apenas nas características da personagem, mas também infiltrando-se em objetos e cenários com uma atmosfera sobrenatural.

Num dos trechos, a menina chamada de Maria, ou Nhinhinha, é descrita em uma das vezes como “[…] muito para miúda, cabeçudota e com olhos enormes.”, “[…] sempre sentadinha onde se achasse, pouco se mexia.”. Os comportamentos que Nhinhinha apresenta no conto, junto a suas descrições, são incomuns; e como fogem da lógica humana-comum, se encaixam no dispositivo mágico/sensitivo. Desde o princípio o leitor é levado a questionar o porquê de uma menina de quatro anos agir de tal forma, fazer questionamentos mais complexos e até realizar ações para além de qualquer criança da sua idade.

Percebe-se também a presença do dispositivo sensitivo nas interações que acontecem no conto; é possível notar-se a estranheza nas falas de menina tão pequena, “Ouvia o Pai querendo que a Mãe coasse um café forte, e comentava, se sorrindo: – “Menino pidão… Menino pidão…” Costumava também dirigir-se à Mãe desse jeito: – “Menina grande… Menina grande…”.  O último fator que nos confirma o dispositivo sensitivo/mágico materializado em Nhinhinha  que há uma quebra de convenções da realidade: o leitor é exposto a situações que já não condizem mais com a realidade humana, como quando Nhinhinha consegue “realizar” seus desejos, “[…]Eu queria o sapo vir aqui”, […] reto, aos pulinhos, o ser entrava na sala, para aos pés de Nhinhinha –”.

Para além da comprovação gradual do fenômeno mágico ao longo da história, G. Rosa, como de costume, deixa esse espaço amplo de interpretação, convidando o leitor a mergulhar em camadas mais profundas de significado. Nhinhinha, encantadora e sutil, não apenas personifica os poderes mágicos que carrega consigo, mas também representa uma miríade de possibilidades interpretativas, seja para os pais ou em outras dimensões simbólicas dentro do próprio conto. A complexidade da narrativa de G. Rosa, entrelaçada com elementos espirituais, confere uma graciosa expressão ao dispositivo sensitivo, escolhendo uma criança como portadora desses dons extraordinários. Nesse cenário, o leitor é conduzido por caminhos onde esse  extraordinário se mistura ao cotidiano, revelando uma magia que vai além das palavras e ressoa nas múltiplas facetas da experiência humana.

Para além de um teto todo seu: a invisibilidade de Júlia Lopes de Almeida

09/11/2023 06:28

 Por Monisse da Cunha Silva

Letras-Português

Voluntária PET

“Os homens tiveram todas as vantagens em relação a nós no que diz
respeito a contar sua versão da história. Eles tiveram uma educação muito mais
refinada; a pena sempre esteve em sua mão.”
Jane Austen – Persuasão

 

Descrição de imagem: A imagem consiste em uma colagem que apresenta duas fotografias de mulheres dispostas da direita para a esquerda: Virginia Woolf e Julia Lopes de Almeida. O fundo da imagem é feito para parecer um pedaço de papel que imita uma carta, e um círculo no centro da imagem exibe as duas fotos sobrepostas. No canto superior direito e no canto inferior esquerdo, há flores cor-de-rosa. A imagem não contém texto.

 

Em 1929, Virginia Woolf (2019) lançou Um teto todo seu, um ensaio composto a partir de duas palestras proferidas pela autora na Inglaterra no ano anterior. As palestras abordaram as condições materiais e intelectuais das mulheres escritoras no país. Sua importância reside, entre outros motivos, no fato de ter colocado no cerne do debate acadêmico e do meio literário a questão do que significa para as mulheres escrever e sob quais condições elas têm realizado, ou não, esse trabalho, além de explorar as razões por trás dessas condições. Ao escrever este ensaio, Virginia reivindicava a autonomia financeira para que as mulheres pudessem escrever: um quarto todo seu e uma quantia de libras mensais.

Podemos analisar o apagamento histórico de Júlia Lopes de Almeida, uma escritora carioca nascida em 1862, a partir deste ensaio de Woolf. Lopes deixou uma contribuição notável para a literatura e o jornalismo ao longo dos séculos XIX e XX. Nasceu em uma época em que as mulheres frequentemente não eram reconhecidas em suas respectivas profissões e na sociedade, enquanto a educação formal era um privilégio concedido a poucas delas. De uma família de imigrantes abastados, desfrutando do privilégio de uma educação formal abrangente. Seu pai, que era proprietário de uma escola, apoiou desde cedo sua inclinação pela escrita. Assim, desde muito jovem ela participou de várias rodas intelectuais – e no meio dessas rodas surgiu a Academia Brasileira de Letras. Mesmo depois de se casar, Júlia não foi impedida de continuar escrevendo, uma condição que a colocava em uma posição privilegiada para os padrões de sua época. Apesar de desfrutar de privilégios relacionados à sua raça e à sua classe social, a autora experimentou um apagamento histórico, com escassa menção ou discussão sobre ela dentro e fora do âmbito acadêmico. Por que, mesmo tendo suportes financeiros e “um quarto todo seu” para escrever, esses elementos não foram suficientes para evitar esse desfecho?

Isso nos faz refletir sobre como a história literária tem uma tendência a priorizar autores do sexo masculino, relegando as contribuições femininas a um plano secundário. Essa falta de visibilidade das mulheres não se limita apenas à literatura, mas se estende a diversos contextos que envolvem a expressão, evidenciando o quanto as mulheres foram historicamente silenciadas. Isso não afeta apenas a esfera artística, mas também se estende a como as mulheres sentem, vivem e percebem o mundo ao seu redor.

A arte, sobretudo quando vista a partir da perspectiva das mulheres, transcende a mera expressão e se torna uma ferramenta de intervenção na realidade. Julia Lopes produziu obras que exploraram o insólito dentro do âmbito da vida cotidiana, ao mesmo tempo em que denunciou as limitações impostas às mulheres, demonstrando sua versatilidade em diversos gêneros literários, e engajando-se na luta pelo direito ao voto feminino.

Dessa forma, com base nessa breve reflexão, podemos reconhecer o ensaio de Virginia Woolf como uma ferramenta que permite estabelecer diálogos e análises das obras de escritoras, permitindo uma abordagem da literatura produzida por essas mulheres que transcende o texto em si. Isso envolve a consideração de vários aspectos de suas trajetórias, incluindo como gênero, raça e classe social se entrelaçam e impactam suas carreiras como escritoras, bem como influenciam a circulação e a recepção de suas obras.

 

REFERÊNCIAS

Woolf, Virginia. Um teto todo seu. Nova Fronteira, 2019.

 

SEPEX 2023: Libras? Onde?

29/10/2023 08:30

Por Bruno dos Santos Camargo
Letras – Libras
Estagiário de Acessibilidade

“Quando eu aceito a língua de outra pessoa, eu aceito a pessoa.
Quando eu rejeito a língua, eu rejeitei a pessoa porque a língua é parte de nós mesmos.
Quando eu aceito a língua de sinais, eu aceito o surdo. […]”

Terje Basilier

 

Durante a última semana, de 23 a 27 de outubro, aconteceu a 20ª edição da Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão (SEPEX) da Universidade Federal de Santa Catarina. Contando com uma programação diversificada que envolvia palestras, rotas temáticas, apresentação de estandes e um vasto cronograma de atividades culturais e artísticas, estima-se que cerca de 50 mil pessoas circularam pelas dependências da universidade que hoje encontra-se entre as cinco melhores instituições de ensino superior do Brasil (UFSC, 2023). Com assuntos das mais variadas áreas do conhecimento, os 73 estandes localizados no Hall do Centro de Cultura e Eventos traziam olhares curiosos de centenas de escolas, professores e membros da sociedade civil, atraindo muitas reportagens e notícias veiculadas nas mídias.

Descrição da imagem: no estande do PET Letras, um homem observa os banners enquanto outro sinaliza uma pergunta em Libras. Um membro do PET Acessibilidade observa a sinalização e prepara-se para responder.

 

O PET Letras, por sua vez, marcou presença em todos os dias do evento. O estande do Programa esteve em evidência todos os dias. A Profa. Dra. Roberta Pires de Oliveira fez uma participação importantíssima, explicando sobre o processo de pesquisa acadêmica e proporcionando um espaço de interação e exposição das pesquisas em andamento de integrantes do PET. No CinePET, curtas de animação complementavam a programação durante os dias do evento. Além disso, na quinta, o lançamento da Revista Preguiça: Slam Estrela D’Alva foi um sucesso e a poesia ocupou mais uma vez o Varandão do CCE ,com mais uma edição da renomada competição – que teve como vencedor um poeta surdo graduando em Letras Libras. Por fim, o PET encerrou sua participação na semana com chave de ouro através de uma oficina de Libras ministrada pelo PET-Acessibilidade, onde os espectadores puderam participar de jogos de Libras e tirar suas dúvidas sobre a língua e a cultura Surda.

Descrição da imagem: em pé, poeta faz sua apresentação em Libras no Slam Estrela D’Alva. À esquerda, uma intérprete faz a interpretação para o português. No canto da imagem, um grupo de jurados avalia a poesia.

É fácil observar a relevância do evento e a importância de apresentar à sociedade os conhecimentos desenvolvidos pela universidade, que também é referência internacional nas pesquisas sobre Língua de Sinais e Comunidades Surdas, as quais, mais uma vez, foram negligenciadas durante todo o evento.

Infelizmente, não havia monitores-intérpretes da SEPEX, uma vez que na comunicação endereçada aos graduandos não tinha a informação da necessidade de estudantes para interpretação. O procedimento adotado pela organização era simples: caso a pessoa surda desejasse assistir a alguma apresentação, deveria comunicar aos monitores que, por sua vez, tentariam encontrar alguém que soubesse Libras e estivesse passando por ali, correndo o risco de não encontrar voluntários disponíveis para suprir a demanda ou uma demora muito grande até que encontrasse alguém apto.

O problema não se limitou à atuação dos intérpretes em formação no evento, pois até mesmo a mesa de debate sobre Ações Afirmativas na UFSC com a Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade (PROAFE) foi cancelada na semana, por não haver intérpretes de Libras  – esse problema, aliás, tem sido recorrente na UFSC e essa falta de intérpretes nos espaços é uma questão que afeta diariamente a vida das pessoas.

Apesar do problema relativo ao direito das pessoas surdas, a SEPEX 2023 foi um ótimo espaço de divulgação científica e proporcionou ambientes sensacionais de aprendizado e interação – em sua grande maioria, infelizmente limitados, apenas à comunidade ouvinte. Uma possível alternativa para essa questão seria a criação de uma comissão específica para tratar sobre assuntos de Segurança Linguística e Acessibilidade dentre os organizadores do evento. Esta comissão teria o papel de atentar para questões de interpretação em Libras, no caso da Comunidade Surda, interpretação em outras línguas (para as demais comunidades linguísticas da UFSC) e acessibilidades ao espaço do evento. Com isso, os conhecimentos desenvolvidos em nossa Universidade não se limitariam aos usuários da Língua Portuguesa, já que, ao mesmo tempo em que construímos uma universidade de ensino público, gratuito e de qualidade, podemos respeitar e contemplar a pluralidade de nossa sociedade.

REFERÊNCIA

UFSC. Ranking internacional classifica UFSC entre as cinco melhores universidades federais do Brasil, 2023. Disponível em: https://noticias.ufsc.br/2023/09/ufsc-e-a-7a-melhor-universidade-do-brasil-em-ranking-da-times-higher-education.  Acesso em: 27 out. 2023

As consequências das tecnologias nas interações humanas vistas em Black Mirror

23/10/2023 18:05

Por Ingryd Giovanna Lima Pereira

Letras-Inglês

Bolsista PET-Letras

 

A série antológica Black Mirror, criada por Charlie Brooker e disponível na Netflix, é conhecida por suas reflexões distópicas, que exploram as consequências da interação da sociedade com as mídias sociais e as inovações tecnológicas. Em um mundo cada vez mais imerso na tecnologia, a série se destaca por seu olhar crítico sobre nossa relação com os avanços tecnológicos. Ao examinar as histórias de cada episódio, percebemos  o quanto nossa realidade se assemelha à série e somos instigados a refletir sobre as complexidades morais e sociais que as atuais e potenciais futuras tecnologias podem acarretar. Eis alguns momentos.

Descrição da imagem: imagem representando uma tela de aparelho eletrônico trincada escrito em caixa alta: Black Mirror.

O primeiro episódio da primeira temporada,“The National Anthem”, nos mostra um ministro que enfrenta um dilema angustiante para salvar a vida de uma pessoa sequestrada, ele é forçado a realizar um ato grotesco transmitido ao vivo para toda a nação. Esse episódio destaca a manipulação da mídia e o sensacionalismo que envolve a situação, mostrando como a busca desenfreada por aprovação pode levar a decisões extremas. A crítica se concentra na rapidez com que as notícias se espalham e em como a pressão da audiência pode influenciar a política e a moralidade, destacando a vulnerabilidade das lideranças diante da influência da mídia e do público.

Descrição da imagem: Ilustração com fundo preto, na frente aparece um porco, na parte superior o nome da série: Black Mirror e na parte inferior o nome do episódio: The National Anthem.

No segundo episódio da segunda temporada, intitulado “White Bear’’, acompanhamos uma mulher que acorda sem memória em um parque de diversões assustador, sem entendermos por que ela está lá, e o que ela fez. Acompanhamos sua perseguição agonizante por pessoas que gravam seu desespero e sofrimento com seus celulares. Com uma reviravolta impactante, o episódio explora a questão do sofrimento como entretenimento e a exploração da tragédia alheia para gerar audiência, discutindo as implicações morais da indiferença diante desse sofrimento humano e o uso da tecnologia como ferramenta para saciar a sede de vingança das pessoas.

Descrição da imagem: em uma ilustração com fundo azul aparecem três braços também na cor azul, cada um segurando um celular branco na mão. Em cor branca está escrito o texto: “Black mirror created by Charlie Brooker” e também o nome e numeração do episódio: “White Bear s02. ep02”.

 

No primeiro episódio da terceira temporada, “NoseDive” , a narrativa explora uma sociedade em que as pessoas constantemente avaliam umas às outras em redes sociais com base em cada pequena ação do dia a dia. Essas avaliações atribuem uma classificação às pessoas, determinando sua importância e relevância na sociedade. A trama gira em torno de uma mulher obcecada em aumentar sua classificação social. Ao acompanharmos os esforços da protagonista em se encaixar nos padrões dessa sociedade, percebemos então a  superficialidade desse sistema de avaliação social que moldou as relações humanas sem considerar suas profundas complexidades.

Descrição da imagem: Uma arte com o fundo preto na parte superior aparece escrito o nome do série: Black Mirror e a numeração do episódio S03e01; e na parte inferior uma cor rosa. As cores do fundo dão forma a um precipício cujas lacunas escrevem o nome do episódio: Nosedive. Há uma mulher andando em direção à ponta do precipício segurando um celular em sua mão. Do lado da sua cabeça aparece nota de avaliação atribuída a ela 4.2

 

Atualmente, a série já tem seis temporadas. Black Mirror nos convida a avaliar como nossas escolhas em relação ao uso da tecnologia moldam nossa realidade e nos incentiva a adotar uma abordagem mais consciente e ética em relação a esses avanços.

 

 

 

 

 

 

¿Por qué las banderas de Colombia, Venezuela y Ecuador son parecidas?

20/10/2023 10:16

Por Andrés S. Garcés

Letras Libras

Bolsista do PET Letras

Descrição da imagem: Mapa de cor branco e preto da parte norte da sul américa mostrando de cor amarela a região que era a grã Colômbia de cor amarelo e vermelho. Na imagem abarca toda a região da Colômbia, Equador, Venezuela, Panamá e parte do Peru e do Brasil. De letras Vermelhas e sublinhado, diz: Gran Colombia.

 

 

¡Hola a todes los amantes de la historia! Hoy vamos a dar un emocionante paseo por el pasado y descubrir juntos una de las creaciones más fascinantes de América del Sur: La Gran Colombia. Prepárate para un viaje en el tiempo mientras exploramos esta interesante parte de la historia latinoamericana.

¿Qué fue La Gran Colombia?

La Gran Colombia fue un país que existió en América del Sur durante el siglo XIX. Fue una tierra de sueños y aspiraciones, creada por el líder revolucionario Simón Bolívar en 1819. Este territorio abarcaba lo que hoy son Colombia, Venezuela, Ecuador (por eso el parecido de sus banderas) y Panamá, así como partes de Perú, Brasil y Guyana.

Bandera de la Gran Colombia

Descrição da imagem: La bandera tiene tres franjas horizontales de igual tamaño: amarilla, azul y roja. En el lado izquierdo de la franja azul, hay un escudo de armas. El escudo tiene un fondo blanco y un borde azul. El escudo está dividido en tres secciones con una estrella blanca en cada una. El escudo está rodeado por una cinta amarilla con un borde rojo y dos estrellas blancas más. La cinta la sostienen un hombre indigena de cabello largo y negro.

 

Simón Bolívar: La Independencia

La Gran Colombia no habría sido posible sin la influencia de Simón Bolívar, un líder destacado en la lucha por la independencia en América del Sur. Bolívar desempeñó un papel crucial en la emancipación de varios países sudamericanos.

El Sueño de la Unidad

Bolívar tenía un gran sueño: unificar a los países recién independizados en una gran nación llamada La Gran Colombia. Quería que esta nueva nación fuera un faro de libertad y progreso en América del Sur. A pesar de los desafíos, logró establecerla en 1819.

Diversidad Geográfica y Cultural

La Gran Colombia era una tierra de asombrosa diversidad. Desde las majestuosas montañas de los Andes en Ecuador y Colombia, hasta las exuberantes selvas tropicales de Venezuela, este país tenía paisajes asombrosos y una mezcla de culturas que la hacía única.

Los Desafíos de la Unidad

Mantener unida una nación tan grande no fue tarea fácil. La Gran Colombia enfrentó problemas internos y conflictos territoriales con sus vecinos, lo que eventualmente la llevó a su disolución en 1831. Los países que conocemos hoy como Colombia, Venezuela y Ecuador surgieron de esta ruptura.

La Constitución de Cúcuta

Una de las contribuciones más significativas de La Gran Colombia fue la Constitución de Cúcuta, establecida en 1821. Esta constitución sentó las bases para muchas de las leyes y principios democráticos que aún hoy rigen a estos países. Fue un paso importante hacia la libertad y la igualdad.

Influencia en la Región

Aunque La Gran Colombia no perduró mucho tiempo, su influencia fue duradera. Sus ideas y luchas inspiraron a otros países de América Latina a buscar su independencia, y su legado sigue vivo en la cultura y la historia de la región.

La Actualidad de La Gran Colombia

Hoy en día, los países que formaron parte de La Gran Colombia son naciones independientes, cada una con su propia identidad y gobierno. Colombia, Venezuela y Ecuador son países con una rica historia y una herencia cultural única. Panamá también se independizó de Colombia en 1903, convirtiéndose en una nación independiente.

Rutas Turísticas de La Gran Colombia

Si eres un amante de la historia y la aventura, visitar los lugares históricos relacionados con La Gran Colombia puede ser una experiencia emocionante. En Colombia, puedes explorar la histórica ciudad de Cartagena y visitar el Museo Bolivariano. En Venezuela, el Panteón Nacional en Caracas y el Puente de Angostura son lugares emblemáticos. En Ecuador, Quito ofrece una rica historia colonial y sitios relacionados con Bolívar.

La historia de La Gran Colombia es una aventura emocionante que nos lleva a un tiempo de valientes luchadores por la independencia y sueños de unidad. Aunque esta nación ya no existe, su legado perdura en las identidades de los países que surgieron de ella, como el color de algunas banderas. Esperamos que este viaje por el pasado haya sido interesante y te inspire a explorar más sobre la historia de América Latina.

 

A nova bandeira da comunidade surda

01/10/2023 10:14

Por Gustavo da Silva Flores

Letras Libras

Bolsista de Acessibilidade PET-Letras
Imagem: a nova bandeira. A cor azul escuro, que representa “humanidade”, azul turquesa, representando a ‘’língua de sinais’,’ e o amarelo, representando “luz e esperança”.

@wfdeaf, Federação Mundial de Pessoas Surdas, votou no último dia 9 de julho de 2023, durante o congresso mundial na Coréia do Sul, e um nova bandeira foi escolhida para representar a comunidade surda em nível mundial.

A bandeira escolhida foi desenhada pelo artista francês @arnaudbalard, que é surdo cego. O artista sabia que a comunidade precisava de um visual representativo e que simbolizasse a cultura das pessoas surdas; ele desenhou a bandeira dez anos atrás, depois de passar dois anos estudando outras bandeiras ao redor do mundo. O design da bandeira conta com a cor azul escuro, que representa “humanidade”, azul turquesa, representando a ‘’língua de sinais’,’ e o amarelo, representando “luz e esperança”.

A adoção da bandeira como símbolo mundial é de extrema importância para a comunidade surda, já que vai promover visibilidade e reconhecimento, servindo de símbolo de identidade e pertencimento para as pessoas surdas em todo mundo.

O fenômeno “k-pop” transcendendo a esfera musical

29/09/2023 07:21

Por Daniely de la Vega

Letras Português

Bolsista PET Letras

 

Segundo o Colab[1] (2022), a erupção da cultura sul-coreana em países não asiáticos está muito distante de ser apenas uma eventualidade. No final da década de 1990, durante uma crise econômica, a Coreia do Sul necessitava combater a entrada de produtos estrangeiros em seu território, pois a importação enfraquecia a produção e o consumo da indústria nacional e de bens culturais. Em uma tentativa de solucionar esse problema, o governo local começou  a investir especialmente no setor cultural, promovendo o desenvolvimento e a exportação massiva de produtos nacionais que se distinguiriam sobre os demais. Assim, surgiu o fenômeno cultural hallyu, conhecido também como “onda coreana” ou “invasão coreana”, que consiste na popularização da cultura sul-coreana no mundo inteiro.

Atualmente, as obras sul-coreanas ocupam espaços nunca imaginados no passado. Por exemplo, em 2020, Parasita se tornou o primeiro longa-metragem de “língua estrangeira” a vencer a categoria Melhor Filme no Oscar (COLAB, 2022). Os k-dramas (telenovelas sul-coreanas), como Squid Game e Vicenzo, encontram-se frequentemente no Top 10 da Netflix. Além disso, o k-pop (música pop sul-coreana) tornou-se um fenômeno gigantesco, sobretudo entre os jovens da geração Z – nascidos entre os anos de 1995 e 2010. Grupos de k-pop como BTS e NewJeans são constantemente localizados no topo dos gráficos da Billboard e das tendências do “X”.

Também em 2020, o BTS foi o primeiro grupo de k-pop a ser indicado ao Grammy Awards, na categoria Melhor Performance de Dupla/Grupo Pop, com o sucesso Dynamite. Formado por sete membros masculinos (RM, JIN, SUGA, j-hope, Jimin, V e Jung Kook), o BTS se sobressai sobre os demais grupos de k-pop. Contudo, não é somente por suas composições, sua estética e suas coreografias complexas, mas também por sua influência positiva sobre seus fãs que ultrapassa a dimensão musical.

Em 2021, antes da abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, o grupo sul-coreano discursou em prol da vacinação contra Covid-19 e parabenizou os jovens de todo o planeta por sua resiliência ao longo da pandemia (G1, 2021). Em 2022, atendendo a um convite do presidente Joe Biden, o grupo visitou a Casa Branca para falar sobre inclusão e representação de pessoas asiáticas, crimes racistas e descriminação contra essa comunidade (G1, 2022).

Imagem: o grupo BTS realizando seu discurso antes da abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU. Alinhados lado a lado, seis jovens vestidos de terno com microfones nas mãos. Um deles discurso enquanto outro segura um cartaz.

Fonte: Google Imagens

Sob influência do grupo sul-coreano, nasceu o ARMY Help the Planet (AHTP), um movimento social que atua como organização não governamental, fundado pela união de esforços do fã-clube brasileiro do BTS. Assim como seus ídolos musicais, o ARMY – como os membros do grupo nomearam seu fã-clube – também é globalmente conhecido por seu engajamento em ações filantrópicas. O ATHP é a primeira iniciativa brasileira direcionada ao desenvolvimento de ações de cunho social e ambiental de modo institucionalizado. Esse projeto possui uma equipe de pessoas voluntárias especialistas em diversas áreas do conhecimento, desenvolvendo ações locais (ARMY HELP THE PLANET, entre 2019 e 2022). Neste momento, o AHTP contabiliza mais de 88 mil seguidores somente em sua página no “X” e detém parceria com organizações como o Greenpeace e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Dentre as diversas campanhas promovidas pelo AHTP, podemos mencionar como exemplo a ARMY Help Manaus, que ocorreu em parceria com a instituição Moradia e Cidadania e arrecadou mais de 59 mil reais para financiar suprimentos médicos e outros itens necessários para pacientes internados em decorrência do Covid-19 em Manaus (AM). Na mesma linha, também houve a iniciativa ARMY contra a fome, que aconteceu em parceria com a Fiocruz e a Fundação de Apoio à Fiocruz (Fiotec) e arrecadou mais de 60 mil reais para financiar a doação de cestas básicas para famílias vulneráveis durante a pandemia. Além disso, no decorrer do ano de eleição presidencial de 2022, o AHTP realizou a campanha Tira o Título ARMY nas redes sociais, que buscava influenciar os cidadãos maiores de 16 anos a obterem seus títulos de eleitor, afora informar e conscientizar jovens sobre assuntos relacionados à política e a aspectos práticos para a obtenção desse documento.

O fenômeno “k-pop”, atualmente liderado pelo grupo BTS, é uma das maiores referências da cultura coreana entre os jovens do mundo inteiro. Entretanto, enquanto outros grupos de k-pop se limitam a cantar sobre o habitual, como relacionamentos amorosos, o BTS também acende reflexões sobre bullying, elitismo, saúde mental, dentre outras pautas importantes, mostrando-nos sua preocupação com questões atuais. Por fim, concluímos que o BTS não se transformou somente em um grupo extremamente influente na indústria musical, mas também em uma ferramenta política.

[1] Colab é o portal de conteúdos do Laboratório de Comunicação Digital da Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

 

REFERÊNCIAS

ARMY HELP THE PLANET. Sobre o AHTP. Entre 2019 e 2022. Disponível em: https://www.armyhelptheplanet.com/sobre. Acesso em: 27 set. 2023.

COLAB. Hallyu: como a Coreia do Sul transformou o k-pop em ferramenta política. 2022. Disponível em: https://blogfca.pucminas.br/colab/hallyu-como-a-coreia-do-sul-transformou-o-k-pop-em-sua-principal-ferramenta-politica/. Acesso em: 27 set. 2023.

G1. BTS visita a Casa Branca e denuncia racismo contra asiáticos nos EUA. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/2022/05/31/bts-visita-a-casa-branca-e-denuncia-racismo-contra-asiaticos-nos-eua.ghtml. Acesso em: 27 set. 2023.

G1. Na ONU, BTS incentiva vacinação contra a covid-19 e lança clipe na sede das Nações Unidas. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2021/09/20/bts-assembleia-onu.ghtml.  Acesso em: 27 set. 2023.

Da rocha, um Cristal – veio tocar na sua ferida

14/09/2023 07:53

Por Angelo Perusso

Bolsista – PET Letras

Letras Português

Cristal Rocha, nascida em 2002, é uma rapper porto-alegrense. Cristal vem do bairro Vila Nova, na zona sul da capital gaúcha. Estudou durante toda sua vida escolar no colégio particular e católico Santa Teresa de Jesus, lugar em que se via como uma das poucas pessoas pretas entre muitas pessoas brancas. No sétimo ano do ensino fundamental, o professor de português Caetano Manenti organizou uma competição de poesia em sua turma, em que venceriam um menino e uma menina. Os vencedores? Cristal Rocha e Angelo Perusso. Neste momento Cristal mostrou toda a potência dos seus versos, armados de suas dores e armaduras, do afeto e do ódio que ela trazia dentro de si. Além disso, Cristal se apresentou, no ano de 2017, no Sopapo Poético, tradicional sarau voltado para as pessoas e a cultura negra de Porto Alegre, local em que mais uma vez mostrou toda a potência dos seus versos que sempre abordaram o combate ao racismo, o feminismo negro, a experiência de ser uma pessoa negra no sul do país, mas, sobretudo, toda a força e beleza das pessoas, da cultura e da arte produzida pelas pessoas negras.

Descrição de imagem: na imagem está Cristal, jovem negra, usando roupas em tons dourados e o cabelo em uma trança também nessa tonalidade. Na cabeça há ainda um acessório com diversos pingentes e um colar no pescoço. O fundo é amarelo.

 

Motivada por esses movimentos e pelo apoio de sua família, repleta de artistas negros, Cristal se lançou no mundo do Slam, se consagrando campeã gaúcha ainda no ano de 2017 e competindo no Slam BR, competição nacional que reúne todos poetas campeões dos estados brasileiros. O feito atribuiu a ela caráter de sensação, promessa, revelação da poesia e da arte marginal gaúcha. Após se afirmar como um dos grandes nomes do Slam em Porto Alegre, Cristal migrou para o rap, espaço em que ganhou grande espaço e se tornou referência para o rap gaúcho. Já no seu segundo lançamento, Cristal emplacou um hit, chamado Ashley Banks, canção em que a cantora traça um paralelo entre a série estadunidense Um Maluco no Pedaço e a sua própria vida, e que já tem mais de 1,5 milhão de views no Spotify e quase 400 mil views no clipe lançado no Youtube. Após o sucesso desse trabalho, Cristal ganhou grande notoriedade, fazendo shows em grandes palcos, como o do festival Planeta Atlântida e gravou uma música com o Djonga, grande nome do rap nacional, chamada Deus Dará .

 

Descrição de imagem: na imagem estão Cristal e Djonga, ambos jovens negros. Cristal está com uma camiseta das cores azul, amarelo e rosa e o cabelo preso em um rabo de cavalo, e está rimando. Djonga está sentado de lado para ela, ouvindo-a, está com blusa branca, calça verde e o cabelo curto pintado de rosa.

 

Em 2021, só quatro anos após seu começo na poesia, e dois anos desde seu primeiro single, Cristal lançou um EP, chamado Quartzo, em que a artista demonstrou toda a sua maturidade musical e artística. O conceito do álbum é que cada música é de certa forma guiada por um cristal, como a ametista, a turmalina, o citrino, e os quartzos verde, rosa e azul. Após esse grande lançamento, Cristal assentou seu lugar como grande nome do Rap no Rio Grande do Sul, fazendo shows no Opinião, no Rap In Cena Festival, no Festival Cena 2k22, em São Paulo, no Bar de Raiz, em Florianópolis; nos dias 01 e 02 de abril de 2023, participou do show do rapper Emicida, no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, um dos mais importantes palcos da música porto alegrense e que recebeu poucos (se tiver recebido algum) rappers locais na história. Além destes feitos, Cristal assinou contratos de patrocínio e publicidade, com marcas como a LRG Clothing, a 99POP e o Sport Club Internacional, seu time do coração. Outros momentos marcantes na sua carreira foram, por exemplo, a palestra-poesia que fez no TedX Laçador, em Porto Alegre, além de feats com MC Luanna, Tasha e Tracie, entre outros artistas da música nacional.

Tive a honra de acompanhar de perto a maioria desses feitos, fazer primeira fila em vários shows, ouvir prévias de músicas, ir para o Slam junto com ela e posso depor que vi de perto que Cristal é uma pessoa com muita arte dentro de si, que possui um domínio especial das palavras e do ritmo, presença de palco e muito a dizer. Conheci Cristal na escola e hoje a vejo nos palcos e na TV com a mesma naturalidade com que a via na fila da cantina – talvez hoje seja até mais normal, porque a vejo ocupar os lugares que sua arte merece. Foi ela que me convenceu (com muito custo) a ir no primeiro Slam da minha vida, e foi uma grande virada de chave. A paixão pela poesia foi fundamental para que eu saísse de vários buracos e pudesse alçar minha voz no mundo e ela é diretamente responsável por isso. Em algum nível, Cristal pode ser o motivo de eu estar aqui hoje.

Recentemente, Cristal lançou o single Kawo, confira aqui.

Texto adaptado de uma atividade produzida na disciplina Estudos Afro-Brasileiros, ministrada pela professora Alexandra Alencar, no semestre 23.1. O texto original integra o acervo do projeto de pesquisa e extensão Ebó Epistêmico.

Bibliografia

CONHEÇA Cristal, rapper gaúcha que já gravou com Djonga e lança seu primeiro EP, 2021, Jornal Zero Hora. Disponível aqui.