Processos de aquisição da linguagem

14/08/2024 18:44

 

Por Izabel Bayerl e Laiara Serafim

Letras-Português

Bolsistas Pet-Letras

 

Como as crianças aprendem a falar? Por que meu filho repete tudo que eu falo? Por que a criança troca a letra “R” pelo “L”? Por que algumas crianças aprendem a falar mais rápido que outras? Essas são algumas das perguntas centrais que permeiam a área da aquisição da linguagem.  Os processos de aquisição são diversos e estão presentes em todas as fases do aprendizado da criança, desde os primeiros sons nos primeiros meses, até a entrada da criança no ensino formal. Aqui, nos dedicamos a explicar de forma breve como ocorre a aquisição e desenvolvimento da fala e quais processos estão envolvidos.

É verdade que desde a barriga a criança já começa a ter contato com a sua língua materna, mas é só por volta dos seis meses que a criança começa a produzir os primeiros sons. Contudo, esses primeiros sons não estão diretamente ligados apenas à língua falada pelos pais, mas refletem também conhecimentos inatos da gramática universal. De acordo com Chomsky (1968), a GU permite que os falantes nativos de uma língua reconheçam e produzam sentenças daquela língua. Essa competência não é simplesmente uma cópia do que é ouvido no ambiente linguístico, mas inclui uma capacidade intrínseca de criar e interpretar estruturas linguísticas de maneira criativa e variável, no entanto, somente os conhecimentos inatos não são suficientes para que a criança adquira a língua, ou seja, ela precisa receber estímulos externos, dos pais e da comunidade.

Já por volta do primeiro ano ao segundo ano de idade a  criança começa a produzir as suas primeiras palavras.  É um momento mágico e podemos pensar que ela está apenas repetindo aquilo que ouviu dos pais ou familiares. Embora a interação com ambiente seja essencial para que ocorra a aquisição da linguagem, esse processo não ocorre através de escuta-repetição. O que acontece de verdade é que a criança está criando juízos de gramaticalidade e prova disso é que crianças são capazes de produzir palavras e até sentenças que nunca ouviram, como: “Eu trazi” e “eu sabo”. Ao produzir uma sentença como essas, a criança está utilizando de forma generalizada uma regra de conjugação verbal, como a seguir: “Eu nado”, “eu falo”, “eu sabo”. De todo modo, as crianças podem repetir aquilo que ouviram de um adulto, mas isso não significa que a aquisição da linguagem se dá através da repetição, mas sim de uma combinação de vários fatores, dentre eles a internalização da gramática da língua, antes mesmo da criança entrar no ensino formal.

Durante todo o processo de aquisição da linguagem, as crianças utilizam diferentes recursos para produzir palavras e sons que elas ainda não adquiriram, respeitando sempre a sonoridade ou sonância da língua. Esses processos são naturais e fazem parte do desenvolvimento da linguagem. A capacidade da criança de reconhecer e respeitar a cadeia de sonância é um reflexo de como ela internaliza e começa a aplicar as regras fonológicas da sua língua materna ao longo do tempo. Dentre as estratégias de reparo estão:  omissão do som, realização de glides (semivogal), realização de outro som próximo na escala de sonância,  epêntese (acréscimo de uma vogal), além de alterar a sonorização da palavra.

Com o avanço dos anos a criança começa a produzir sentenças mais extensas e completas. É nessa fase, por volta dos 3 anos, que pode ocorrer a troca entre algumas letras. Entretanto, essa troca é uma das estratégias de reparo utilizadas pela criança para produzir palavras que ainda não adquiriu por completo. Essa troca ocorre entre sons semelhantes. A criança, quando ainda não adquiriu o “R” na sua gramática, pode usar o som do “L” para substituí-lo, pois eles são muito próximos na escala de sonância.

Já na fase da educação formal, diversas questões podem influenciar a capacidade de consciência fonológica das crianças. Por exemplo: aquelas que são filhas de pais analfabetos ou que não fazem uso da atividade de ler e escrever no cotidiano possuem a capacidade fonológica bem menos desenvolvida do que crianças que crescem com maior acesso à cultura escrita, e isso está ligado diretamente com o processo de desenvolvimento da leitura e escrita quando essas crianças chegam à escola.

É possível notar que a aquisição da linguagem possui processos complexos e variados para cada fase da aprendizagem, e esses processos podem ocorrer de forma distinta para cada criança, em tempos diferentes. É importante conhecer quais fenômenos fazem parte de cada etapa para promover estratégias e recursos que estimulem o processo individual de aquisição de cada criança.

REFERÊNCIAS

GROLLA, Elaine; SILVA, Maria Cristina Figueiredo. Pra conhecer: aquisição da linguagem. São Paulo: Contexto, 2014. p. 36-55

LAMPRECHT, Regina (org.) et al. Aquisição fonológica do português: perfil de desenvolvimento e subsídios para a terapia. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 73-94.

RIGATTI-SCHERER, Ana Paula. Consciência fonológica na alfabetização infantil. IN: LAMPRECHT, Regina et al. Consciência dos sons da língua. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2009. p. 130-143.

CHOMSKY, Noam. Linguagem e mente. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

Sinais no Poder – resenha de “Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional”

05/08/2024 14:39

 

Por Bruno Camargo

Bolsista PET Letras

Letras – Libras

 

MONZO, Francis Lobo Botelho Vilas; GOROVITZ, Sabine. Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional. In: RODRIGUES, Carlos Henrique; QUADROS, Ronice Müller de (org.). Estudos da Língua Brasileira de Sinais. Florianópolis: Editora Insular, 2023. p. 157-176.

Descrição da imagem: Ao fundo, homens e mulheres assentados na mesa diretora de uma comissão no Congresso Nacional. Em primeiro plano, uma intérprete de Libras realiza a interpretação da discussão./

Fonte: Geraldo Magela/Agência Senado

 

Esta é uma resenha do capítulo Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional, de autoria de Francis Lobo Botelho Vilas Monzo e Sabine Gorovitz. O trecho aqui resenhado se encontra no nono capítulo do sexto volume da série de livros Estudos da Língua Brasileira de Sinais, organizado por Carlos Henrique Rodrigues e Ronice Müller de Quadros e publicado no ano de 2023.

A primeira autora do capítulo é Francis Lobo Botelho Vilas Monzo. Interessou-se pela língua de sinais na adolescência e obteve o certificado Prolibras em 2007. Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2008, mestre em Estudos da Tradução pela Universidade de Brasília em 2022, é analista legislativo do Senado Federal e atua na área de acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência na Casa Legislativa.

A segunda autora da obra resenhada é Sabine Gorovitz. Graduada no ano de 1993 em Línguas Estrangeiras Aplicadas à Economia pela Université Paul-Valéry – Montpellier III, França. Mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e doutora em Sociolinguística pela Université Paris Descartes, França. A autora é docente vinculada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução da Universidade de Brasília (POSTRAD) e atua no desenvolvimento de pesquisas nas áreas de tradução, interpretação simultânea e comunitária, políticas e direitos linguísticos.

A obra está dividida nos seguintes capítulos: Introdução; Políticas linguísticas e políticas de tradução e de interpretação no par linguístico Libras-português; Contextos de atuação e contratação do intérprete de línguas de sinais no Congresso Nacional; Discussão dos resultados e avaliação da qualidade da interpretação; e Considerações finais.

Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional parte da argumentação apresentada na dissertação de mestrado, de mesmo nome, da autora Francis Monzo com orientação de Sabine Gorovitz e tem como objetivo identificar as políticas linguísticas presentes nos contratos de tradução e interpretação em língua de sinais celebrados no Congresso Nacional. A metodologia utilizada para a investigação foi de análise qualitativa e documental. Foram analisados regimentos internos e administrativos das Casas Legislativas que compõem o Congresso Nacional e contratos realizados entre os anos de 2006 e 2021, perfazendo um corpus de 18 documentos.

O capítulo é inaugurado a partir das palavras de Rajagopalan (2013, p. 34), que diz: “todo gesto de cunho político envolve uma questão de escolha entre diferentes alternativas que se apresentam”. O autor sintetiza com excelência as tomadas de decisões que são necessárias para o desenvolvimento das políticas linguísticas e de tradução e interpretação. Nessa perspectiva, Santos e Francisco chamam a atenção para o fato que “políticas linguísticas e políticas de tradução não se resumem às leis” (Santos; Francisco, 2018, p. 2946). No Brasil, ainda que a Constituição Federal enfatize o monolinguismo da Língua Portuguesa existem legislações que reconhecem a existência de outras línguas no país, como a Lei nº 10.436/2002 – Lei da Libras.

No escopo da aplicação dessas políticas de tradução e interpretação no Congresso Nacional, foram identificados dez contextos de atuação dos Tradutores Intérpretes de Língua de Sinais (TILS) em áreas como: plenário; recepções e portarias; setores de comunicação: tv câmara/tv senado; escolas de governo, entre outros. A análise dos contratos de serviços de tradução e interpretação de TILS destacou que a especificidade de cada contexto não é levada em consideração nos editais de seleção, com exceção da atuação nas TVs Legislativas. A contratação para atuação para TV é incluída na prestação de outros serviços diversos na área de televisão, portanto, a descrição das atribuições e funções do profissional é sucinta.

Na seção “Discussão dos resultados e avaliação da qualidade da interpretação”, as autoras debatem os resultados encontrados. Dentre as discussões apresentadas nota-se um avanço desde o primeiro contrato, de 2006, que se adaptaram com surgimento das políticas nacionais da categoria profissional, como o ProLibras e os cursos de formação superior. As autoras afirmam que os contratos mais recentes sequer mencionam as especificidades de atuação em cada contexto, mesmo com as distintas características existentes entre elas. A análise dos contratos também mostrou a não existência de critérios de avaliação da qualidade de interpretação no Congresso Nacional.

As autoras concluem afirmando a falta de políticas explícitas, linguísticas ou de tradução e de interpretação, voltadas ao cidadão surdo. Enquadrado nas regulamentações de acessibilidade, destacam certa tensão entre a concepção da surdez enquanto identidade cultural e o modelo médico de deficiência. De outro modo, identificaram-se avanços conquistados ao longo dos anos, mas que ainda apresentam falhas a serem revistas para contratações futuras.

Políticas Linguísticas e Políticas de Interpretação no par Libras-Português no Congresso Nacional, de Francis Monzo e Sabine Gorovitz, é um material de suma importância para a categoria profissional. A temática das políticas linguísticas e políticas de tradução e de interpretação na esfera legislativa é emergente e o capítulo resenhado é essencial para o desenvolvimento de pesquisas nessa área. O capítulo é um material de grande relevância e impacto para estudiosos dos estudos da tradução e da interpretação em línguas de sinais. Assim, a investigação das autoras presente neste livro, bem como a dissertação homônima, são leituras recomendadas e indicadas aos profissionais e interessados.

 

REFERÊNCIAS

 

RAJAGOPALAN, Kanavillil. Política Linguística: do que é que se trata, afinal? In: NICOLAIDES, Christine et al. (org.). Política e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes, 2013. p. 19-42

 

SANTOS, Silvana; FRANCISCO, Camila. Políticas de tradução: um tema de políticas linguísticas? Fórum Linguístico, Florianópolis, v. 15, p. 2939-2949, 2018.

 

 

Primeiro Ensaio

27/07/2024 13:24

Por Mahara Soares

Voluntária | PET-Letras

Letras-Português

Ana Martins Marques, poeta, redatora e revisora, publicou “O Livro das Semelhanças”, no ano de 2015. Sendo parte do projeto poético da autora, reconhecida por relacionar o processo de escrita com a experiência do existir, tem como base um sistema metalinguístico utilizado para refletir as diferenças e semelhanças entre o real e a literatura. O livro cria um jogo metapoético que vai além de seu conteúdo, envolvendo os próprios títulos dos poemas numa espécie de construção estrutural. “Livro”, primeira das quatro seções em que a obra se divide, é introduzida com os seguintes textos: Capa, Nome do Autor, Título, Dedicatória, Epígrafe, Primeiro Poema e Segundo Poema. Os poemas têm um sentido de continuação entre si, arquitetam o livro ao mesmo tempo em questionam sua respectiva estrutura e função.

Descrição da Imagem: capa do livro. Fundo azul claro, com manchas pretas. No centro, um quadrado (virado), em branco, traz o título do livro e o nome da autora em fonte fina.

 

Primeiro poema

O primeiro verso é o mais difícil

o leitor está à porta

não sabe ainda se entra

ou só espia

se se lança ao livro

ou finalmente encara

o dia

o dia: contas a pagar

correspondência atrasada

congestionamentos

xícaras sujas

aqui ao menos não encontrarás,

leitor,

xícaras sujas

(Marques, 2015, p. 18)

 

No que diz respeito ao aspecto temático, o “Primeiro Poema” aborda a poesia como algo a parte do cotidiano, do mundo do “dia” em que cabem as coisas rotineiras. Assim, entrar no poema seria como abrir uma porta para um mundo que não o real, como (se deixar) ser transportado a outro lugar que não o comum, fugir.  Ao mesmo tempo, ironicamente, o leitor encontra elementos corriqueiros ao fazer a leitura, e o eu-lírico escreve enquanto reflete sobre a dificuldade da escrita, explorando a metalinguagem. Vejamos como a autora procede com o “Segundo Poema”:

 

Segundo poema

Agora supostamente é mais fácil

o pior já passou; já começamos

basta manter a máquina girando

pregar os olhos do leitor na página

como botões numa camisa ou um peixe

preso ao anzol, arrastando consigo

a embarcação que é este livro

torcendo para que ele não o deixe

para isso só contamos com palavras

estas mesmas que usamos todo dia

como uma mesa um prego uma bacia

escada que depois deitamos fora

aqui elas são tudo o que nos resta

e só com elas contamos agora

(Marques, 2015, p. 19)

 

O poema acima está estruturado em um soneto decassílabo, contendo dois quartetos e dois tercetos, símbolo de uma literatura clássica considerada rebuscada. Apesar disso, a inspiração se encontra apenas parcialmente no aspecto formal, já que o poema não segue à risca o padrão da métrica característica dos sonetos. É possível identificar alguns esquemas de rimas que variam entre rimas internas, enlaçadas, emparelhadas e cruzadas. Há ainda a presença de alguns versos brancos, que não compõem rimas. Nota-se, assim, o esforço da autora em romper o padrão com o padrão, uma estratégia irônica e bem articulada.

A quebra se estende à expectativa do leitor que, ao reconhecer um esquema de rimas, presume que o mesmo se repita, que haja uma sonoridade contínua, mas é surpreendido pela alternância constante e pela “dessonorização” que marca a literatura moderna. Além de não contar com rimas previsíveis, o leitor se depara com a escassez de pontuação, estes fatores o tornam diretamente responsável pela fluência da leitura do poema, ou seja, pelo ritmo, que se adere ao pensamento e vice-versa. Cria-se, assim, o movimento sonoro do poema.

A poesia coloca-se como uma tentativa de preenchimento da realidade por meio da linguagem. A ambiguidade, presente nas comparações e metáforas, explora a confusão entre os elementos reais e os imaginários, conciliando ainda mais os dois mundos, vivido e literário. Ana Martins Marques utiliza de imagens baseadas em analogias, como em “manter a máquina girando” e em “a embarcação que é este livro”, para criar relações subjetivas entre objetos diferentes.

Logo no primeiro verso de “Primeiro Poema”, o eu-lírico expressa sua preocupação com o processo de escrita que enfrenta: “O primeiro verso é o mais difícil”. Entre o bloqueio criativo e a pressão de despertar o interesse de um possível leitor, são infindas as possibilidades e escolhas de construções frasais. Já o “Segundo Poema” tem um início bem contrastante com o do texto anterior: “Agora supostamente é mais fácil / o pior já passou”. Agora a questão deixou de ser sobre como começar e tornou-se sobre como manter, como assegurar a continuidade, como garantir que o leitor seguirá nas páginas. A poeta reflete, então, sobre o material da poesia.

Ao observar os tercetos, encontra-se um tipo de espelhamento do primeiro verso da terceira estrofe e do terceiro verso da quarta: “para isso só contamos com palavras” e “e só com elas contamos agora”. Está exposta, finalmente, a fragilidade da literatura. Seu material são as palavras. Estas, que são usadas para falar de todas as coisas, das importantes e das banais, das úteis e das inúteis, das simples e das complexas. A substância da poesia é a linguagem e, principalmente neste caso, a linguagem usual do cotidiano, “estas mesmas que usamos todo dia”.

Ao mesclar os aspectos formais clássicos da métrica com o conteúdo moderno e a linguagem simples, a autora aproxima seu leitor da poesia, resgatando elementos com os quais ele está familiarizado, experiências pelas quais ele já passou. Esta concepção aumenta a eficácia poética e a fruição do texto literário, pois permite que o leitor se conecte com o livro, desperte suas memórias e preencha as lacunas deixadas pelo escritor.

A obra de Ana Martins Marques imerge o leitor em seu processo de escrita, reflete a literatura enquanto a constrói, brinca com as relações extralinguísticas que estabelece. As característica presentes em seus textos vão muito além das que foram aqui citadas, têm a capacidade de suscitar discussões variadas e profundas sobre diversos assuntos, de deixar  registrada a potencialidade de estudos futuros. Entretanto, pode-se dizer que os pontos destacados já são suficientes para afirmar a relevância da referida autora para a literatura brasileira contemporânea.

 

REFERÊNCIA

MARQUES, Ana Martins. O livro das semelhanças. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

Percepção musical dos surdos e sua relação com os sons e a vibração

25/07/2024 14:14

Por Andreza Vitória Bobsin Batista

Bolsista de Acessibilidade PET-Letras

Letras-Libras

 

Há muitos de identidades surdas. Um surdo pode tocar pandeiro, bateria, chocalho, tamborim, triângulo e tambores de maneira geral por conta da vibração, que deixa tudo mais perceptível para eles. Um surdo tem a visão e vibração, e, por isso, consegue se concentrar na música e dançar.

Descrição da Imagem: um DJ (Afonso Loss) no centro. Ao fundo, pessoas com instrumentos musicais e camisetas onde se lê “Surdodum”

Fonte: produzido pela autora

Os surdos conseguem desfrutar da música por meio de vibrações, por sons e de forma visual. As pessoas surdas sentem a música de dois jeitos diferentes: por meio de vibração ou por meio da interpretação da Língua Brasileira de Sinais- Libras. Por não conseguir ouvir, sentem a música pela vibração no corpo e também pela visão – por exemplo quando uma pessoa utiliza uma dança se movimentando e o surdo visualiza e copia todos os movimentos, gestos e expressões do artista. Deste modo existe uma ajuda para sentir a música, permitindo aguçar o sentido de percepção e ampliando o espectro de captação.

Os eventos que geralmente são promovidos por associações de surdos, e conta com a presença de surdos e ouvinte, os surdos gostam de dançar. A música faz parte da cultura surda e por sua vez que quando eles se reencontram sentem mais necessidade da vibração da música e da dança. A cultura surda é o modo como o surdo compreende o mundo a fim de modificá-lo tornando mais acessível e habitável de acordo com ajustes das percepções visuais que contribuem nas diferentes identidades e comunidades surdas. (Strobel, 2020, p. 30). Sendo assim, essa identidade envolve a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos para os surdos.

‘’[…] As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural, também surge aquela luta política ou consciência o posicional pela qual o indivíduo representa a si mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, de menos valia social”. (Perlin, 2014, p. 77-78).

No caso da música, ainda, a maioria dos surdos procuram imitar os passos de dança e tenta adivinhar os ritmos musicais que estão sendo tocados. Eles, também observam os outros dançando ou dançam à sua maneira: “bailes e festas de cultura surda não têm regras de ritmo musical correto e muitas vezes, acontece que quando acaba a música, eles continuam dançando” (Strobel, 2008, p. 64).

REFERÊNCIAS

PERLIN, Gladis. História cultural dos surdos: desafio contemporâneo. Educar em Revista, Curitiba, v. 2, n. 1, p. 17-31, ago. 2014.

 

STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora Ufsc, 2020.

Tomar a palavra na Universidade

03/07/2024 14:55

Anna Letícia de Abreu e Maysa Monteiro

Letras Língua Portuguesa

Voluntárias PET-Letras

“A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”.

Paulo Freire

MENÇÃO SOBRE TOMAR A PALAVRA NA UNIVERSIDADE E SUA NECESSIDADE

Paulo Freire já dizia, no século passado, que a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Lutar pela educação exige, sobretudo, coragem. Mas por que? Para tomar para si a palavra e falar: plenamente, abertamente, sem censura. Lutar por uma educação libertadora que dá aos sujeitos algo que deveria ser básico: o poder da palavra e o poder de expressá-la. Assim, aproximando o debate ao ensino superior, o que significa tomar a palavra na universidade? Em um contexto de inúmeros discursos – muitos deles, perigosos e fatais – retomar, buscar, exigir a palavra é um ato político. Dessa forma, percebe-se que não existe democracia sem dar voz, sem pluralidade, sem debate. É verdade, Freire não pode fugir à discussão criadora, até porque a importância da escrita, seu papel político e a necessidade de dar voz a todes na universidade é o que caracteriza uma universidade gratuita, pública e de qualidade.

Em Educação como Prática da Liberdade, Paulo Freire expõe o “método” de Alfabetização de Adultos. Já na introdução do livro, Francisco Weffort relata as experiências do método na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, onde 300 trabalhadores rurais foram alfabetizados em 45 dias, em 1962. Em certa passagem do texto de Freire, destaca-se:

Quando um ex-analfabeto de Angicos, discursando diante do presidente Goulart, que sempre nos apoiou com entusiasmo, e de sua comitiva, declarou que já não era massa, mas povo, disse mais do que uma frase: afirmou-se conscientemente numa opção. Escolheu a participação decisória, que só o povo tem, e renunciou à demissão emocional das massas. Politizou-se (Freire, 1967, p. 119).

Politizar-se! Pois aprender a dizer a palavra é isso: politizar-se. Em um cenário de desmonte da universidade pública e de constantes ataques à educação, tomar a palavra na universidade é resistir. Mas quem está tomando a palavra? Aqui, entra-se em um terreno perigoso. Não é necessário voltar muito na História (do Brasil e do mundo), para vermos discursos de ódio e morte contra a liberdade e a democracia. O dizer tem muito poder, e quem diz, também.

 

A IMPORTÂNCIA DA ESCRITA E FALA/VOZ NA UNIVERSIDADE PÚBLICA:

Professora por mais de 20 anos, bell hooks foi uma das mais importantes escritoras e educadoras. Daquelas que a gente respira e diz: “obrigada”. hooks vê na educação uma missão política, e escreve para diferentes públicos sobre raça, gênero, classe social e descolonização. Em Ensinando a transgredir – a educação como prática da liberdade, bell hooks cita constantemente Paulo Freire e dedica a ele o capítulo 4. Cita também Martin Luther King, no capítulo 3, abordando o multiculturalismo, quando discute a necessidade de construir espaços formativos de trocas de experiências e medos, questionar a educação bancária e que, principalmente, não basta apenas mudar o currículo, mas é necessário alterar atitudes. Na universidade, é necessário continuar (re) afirmando a escrita e a luta como forma de resistência e expressão de minorias. É necessário que todes tenham o poder da palavra.

 

ESCRITA & VOZ: O PAPEL POLÍTICO, QUESTIONAMENTO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL POR MEIO DA PALAVRA

Questionar, segundo o dicionário; verbo; transitivo direto; ex.: pôr em questão; fazer objeção a; controverter, rebater. Para alguns, lugar onde se é bem-vindo, para outros sinônimo de medo. Ter voz é ter um poder gigante nesse mundo, questionar – ainda – é privilégio, discursar é ter coragem. Em A ordem do discurso, Foucault aponta que discurso não é simplesmente aquilo que traduz  as  lutas, mas  aquilo também  pelo  que  se  luta; é  poder  de  querermos nos apoderar. Traduzindo para as Universidades Federais e para aquilo que pode ser dito, das situações em que se pode colocar presente e do sujeito que é o tomador da voz, unimos esses três vértices e são por eles que constantemente, nós, alunos, lutamos para dar força ao discurso. A palavra – e aqui uso o termo para todo o tipo de manifestação – é lugar de transformação social, são nos discursos que deixam de ganhar voz que se escondem as crises, anseios e críticas de uma sociedade, e é exatamente aqui onde nós queremos cavar e remexer, descobrir o que há dentro e tirar lá todas as vozes sem-voz.

A busca pelo poder e pela liberdade é um exercício que pode ser vivida dentro da faculdade, seja individualmente ou de forma coletiva. É importante que tomemos além de consciência, coragem para criarmos cada vez mais lugares de fala para as todas-ideias. Como colocado por Revel “a resistência é a possibilidade de criar espaços de lutas e agenciar possibilidades de transformação em toda parte”. Tomar a Palavra na Universidade é ter a oportunidade de expor sua voz, mas também exercer força.

 

TOMAR A PALAVRA NA UNIVERSIDADE: OPORTUNIDADE DE SE EXPRESSAR, ESPAÇOS DE FALA E INCLUSÃO

O Lutar pode ser uma estrada cujo final não podemos ver. É uma constante entre persistir e resistir, um ato de amor e de força! Dentro das nossas lutas, existem iniciativas universitárias que abraçam o nosso discurso dito e incentivam toda forma de expressão. Enquanto Centro de Comunicação e Expressão (CCE), temos como exemplo o SLAM Estrela D’Alva, um dos atos de persistência universitária. Consiste em uma competição de poesia falada popular na UFSC e fora dela também, é uma ação integrante de um dos projetos do PET-Letras.

Outra organização importante é o Centro Acadêmico Livre de Letras (CALL), uma entidade que representa e acolhe os estudantes de Letras Estrangeiras, Letras Libras, Letras Português e Secretariado Executivo, fazendo um trabalho integrativo de muita força e luta.

Debatendo sobre fala na universidade e formas de expressão, é imprescritível comentar sobre a Preguiça, a Revista (des)acadêmica do PET Letras, que foi criada em 2020 e propõe um lugar onde possam ser publicados pequenos textos literários de estudantes da UFSC e de autores(as) externos(as) à Universidade, abrindo essa chance para todos usarem a escrita – e outras formas – para posicionar-se.

Existem muitos cursos promovidos pelo PET-Letras e outras entidades dentro da Universidade que trabalham justamente com o debate, incentivando rodas de conversas, mesas redondas e afins. Por exemplo, atualmente um projeto que está em atividade constante é o RedaPET, que oferta aulas gratuitas para toda comunidade abordando gêneros textuais diversos.

Lugares assim fazem entender o que é ter voz na Universidade, que é possível e motivam continuar cada vez mais, conquistando espaços seguros e livres para todes, para Cora Coralina, “O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher”.

 

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo Martins Fontes, 2013.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Ed. Loyola, 1996 (P.10)

REVEL, J. Michel Foucault: conceitos essenciais. Tradução de Carlos Piovezani Filho e Nilton Milanez. São Carlos: Claraluz, 2005.

Greve Estudantil no CCE da UFSC: Estudantes em Luta por Condições Dignas

14/06/2024 12:18

Ingryd Lima e Manoela Raymundo

Letras-Inglês

Bolsistas PET-Letras

Descrição da Imagem 1:. Um cartaz feito por alunos do CCE. Nele, está escrito em caixa alta: “PERIGO É NORMALIZAR A PRECARIZAÇÃO!”. Foto retirada do perfil instagram @ocupacce.ufsc.

 

Em um cenário de descontentamento, diversos estudantes do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) da Universidade Federal Santa Catarina (UFSC) declararam estado greve em 28 de março de 2024, em conformidade com a paralisação docente iniciada em 07 de maio do mesmo ano. A assembleia estudantil decretou a mobilização por melhores condições de estudo, pesquisa e permanência. Em carta aberta à comunidade universitária destinada à Reitoria, os alunos expressaram suas demandas, preocupações e a insatisfação com a precariedade das condições estruturais dos prédios do Centro, que fornece cursos de Animação, Artes Cênicas, Cinema, Design, Jornalismo, os sete cursos de Letras da instituição e Secretariado Executivo.

Problemas Estruturais e Sanitários

Descrição da Imagem 2: A foto mostra as condições de uma sala de aula do CCE no período de chuvas constantes em Santa Catarina dos últimos meses, com cadeiras empilhadas umas em cima da outra e chão alagado. Foto retirada do perfil do instagram  @ocupacce.ufsc.

 

A carta dos estudantes denuncia uma série de problemas que comprometem a saúde e a segurança de toda a comunidade que frequenta o centro. No Bloco A do CCE (Centro de Comunicação e Expressão), por exemplo, há infiltrações que causam mofo nas salas de aulas e nos banheiros. Além do mofo, as salas de aula sofrem com maçanetas quebradas, forros caindo e cortinas defeituosas que impedem a visibilidade de projetores. Ademais, frequentemente, há inoperância nos banheiros, devido a goteiras, interdição de mictórios, vasos sanitários danificados, espelhos soltos e cupins que atacam as portas de madeira tanto das salas de aula quanto dos sanitários.

O Bloco B do mesmo centro, que abriga os cursos de pós-graduação e laboratórios, enfrenta situações igualmente precárias, enquanto o Bloco D, inaugurado em 2016, sofre com a falta de água devido a bebedores danificados. Este bloco também apresenta partes do teto abertas, paredes de concreto exposto e elevadores com falhas. Vale ressaltar que as obras do prédio C nunca foram concluídas; sendo assim, o prédio nunca foi inaugurado – ele sediaria as aulas do curso de Letras-Libras.

Críticas e demandas

Descrição da Imagem 3: Cartazes feitos por alunos do CCE. O primeiro, à esquerda, diz “Que conhecimento permanece quando os tetos desmoronam?” e, o segundo, à direita, “Paramos agora para não pararmos para SEMPRE! Letras na Luta”. Foto retirada do perfil do instagram do @call.ufsc.

Os estudantes criticam o governo atual por não cumprir suas promessas de campanha de reparar os danos causados pelos cortes orçamentários às universidades públicas feitos pelos governos anteriores. Como se sabe, a persistência desses cortes impactou severamente as universidades e seus gastos discricionários, essenciais para cobrir despesas básicas como luz e água, o que resolveria uma grande parte dos problemas enfrentados.

Em consequência dos cortes que prejudicam os gastos discricionários, algumas necessidades básicas do centro, como por exemplo, o conserto dos bebedouros e ar-condicionados, foram custeados pelo Departamento de Língua Estrangeira (DLLE) através de recursos arrecadados pelos Cursos Extracurriculares de Letras-Estrangeiras da UFSC.

Os discentes ressaltam que o bloqueio de R$119 milhões destinados à educação superior, realizado pelo governo atual, é considerado insuficiente pela ANDIFES (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior). Segundo a associação, seria necessário um repasse mínimo de R$2,5 bilhões para garantir o funcionamento básico das instituições federais. O baixo valor do repasse impacta diretamente setores fundamentais da universidade, como o Restaurante Universitário, que pode ter suas atividades parcialmente ou totalmente afetadas. Por fim, a carta dos estudantes solicita uma mobilização coletiva da comunidade universitária e uma postura ativa da reitoria para pressionar o governo federal pela restituição orçamentária universitária.

 

Sessões Ordinárias do CUn e Resolução 132

Descrição da Imagem 4: Um cartaz feito por alunos do CCE foi fixado na porta de entrada do Bloco A do CCE. Nele, está escrito “Vamos lutar e ninguém vai impedir!”, acompanhado de um desenho de uma pessoa segurando uma bandeira. A imagem está em tons de cinza. Foto retirada do perfil do Instagram @ocupacce.ufsc.

 

Nos últimos meses, diversas Sessões Ordinárias Abertas vem acontecendo trazendo discussões estudantis que visam contemplar as necessidades dos discentes e dos envolvidos na greve. Em uma destas sessões, realizada no dia 28 de maio de 2024, foi discutida, votada e aprovada a Resolução Normativa Nº 132/2019, que garante a reposição das atividades afetadas devido a paralisação dos estudantes. Além disso, a resolução também inclui a suspensão do controle de frequência e avaliação durante o período de paralisação.

Não só visando benefícios à comunidade discente, foi aprovada pelo CUn (Conselho Universitário), em Sessão Aberta, uma Moção de Apoio à greve dos TAEs (Técnico-administrativos da Educação) e Docentes, manifestando apoio à recomposição orçamentária da UFSC, à reestruturação das carreiras dos servidores docentes e técnico-administrativos e à recomposição salarial dos grupos. Visto que estas mudanças favoráveis à toda comunidade acadêmica foram aprovadas em Sessão Aberta, é essencial frisar a importância da participação estudantil dentro das questões que fundamentam a universidade e visam melhorar as condições da mesma.

 Engajamento Discente e Docente na greve estudantil no CCE

 

Dentre os estudantes do Centro de Comunicação e Expressão surgem diversos movimentos que visam mobilizar e informar estudantes em prol da organização e paralisação estudantil, como o CALL (Centro Acadêmico Livres de Letras) e outros centros acadêmicos. A participação discente na greve é fundamental para levantar reivindicações em prol da construção de uma educação pública efetiva de qualidade. Os estudantes possuem o papel central na identificação, exposição e expressão dos problemas estruturais e pedagógicos que afetam a comunidade acadêmica. Com a união e mobilização dos estudantes, as vozes da comunidade discente se amplificam, demonstrando comprometimento com o futuro da educação, pressionando as autoridades competentes a enxergarem as reivindicações e adotarem medidas concretas.

No caso do CCE da UFSC, a participação dos discentes na greve tem sido expressiva e organizada, através de movimentos como o OcupaCCE e do  CALL, que tem sido primordial para a mobilização e comunicação referente a paralisação estudantil. Tais grupos, através de posts e assembleias, reforçam a participação ativa nas discussões, no apoio às reivindicações estudantis por condições dignas de estudo e permanência na universidade, pois frisam a importância de tal participação para alcançar mudanças e garantir uma educação de qualidade.

Para aqueles que desejam obter informações sobre os acontecimentos da greve e apoiar a batalha estudantil, é fundamental acompanhar as atualizações nos perfis do Instagram do CALL (@call.ufsc) e do OcupaCCE (@ocupacce.ufsc). Esses canais fornecem informações em tempo real sobre as ações, reuniões e manifestações relacionados à greve, além de servir como um espaço para a discussão e engajamento da comunidade acadêmica.

Deaf Power: símbolo de resistência surda nos tempos de greve

05/06/2024 07:16

Por Gustavo Flores

Bolsista de Acessibilidade PET-Letras

Letras Libras

 

Nesses tempos de reivindicação, é bom lembrar da luta dos surdos e de algumas estratégias, como o “deaf power”. “Deaf Power”, em inglês, ou “Poder Surdo”, em português, é uma expressão que valoriza e exalta a comunidade surda, celebrando sua identidade, cultura, habilidades e língua de sinais. Utilizada em movimentos sociais e ativismo surdo, visa garantir igualdade de direitos, acesso à educação e serviços de qualidade para os surdos. Além disso, o Deaf Power ressalta a história, as línguas e os valores das comunidades surdas globalmente, representando um símbolo de orgulho cultural. Sua aplicação, tanto dentro quanto fora da comunidade surda, é encorajada, sendo um símbolo de código aberto que reflete essa diversidade e pode ser utilizado livremente para expressar qualquer coisa. A colaboração entre Christine Sun Kim, uma artista surda americana em Berlim, e Ravi Vasavan, um designer surdo australiano em Londres, deu origem à ideia do símbolo. Todos são incentivados a usar e compartilhar o símbolo. Um símbolo distinto ajuda na rápida identificação, tanto visualmente quanto textualmente. Isso complementa outras formas de representar o “Poder Surdo”, como <0/ ou \0>, sem substituí-las.

A descrição da imagem retrata o símbolo do ‘Deaf Power’, baseado na forma escrita do sinal ‘Poder Surdo’. Nela, uma mão está aberta sobre a orelha, enquanto a outra mão forma um punho fechado no ar.

 Fonte: https://encurtador.com.br/ZKs0t

                                                                                                                                              Lugar de Surdo é onde ele quiser!

 

Descrição da imagem: a imagem mostra o sinal escrito do ‘Deaf Power’, feito pelo signpuddle, simbolizando o empoderamento e orgulho da comunidade surda. Uma mão aberta sobre a orelha e outra formando um punho fechado no ar representam força e determinação.

 Fonte: https://encurtador.com.br/TVCgg

Conforme o Deaf Power (conta nas redes sociais):

“Posso usar o símbolo? Sim, encorajamos seu uso! Compartilhe suas criações online marcando-nos no Instagram @deafpower.me e no Twitter @deafpowerme. Desta forma, poderemos destacar seu trabalho em nossas redes sociais e site!

Licenciamento e propriedade: O símbolo é disponibilizado sob a licença Creative Commons, Attribution-ShareAlike 4.0 International (CC BY-SA 4.0). Saiba mais sobre a licença aqui. Ele é livre para uso e pertence à comunidade surda internacional em espírito, nunca será registrado ou restrito”.

 

Descrição da imagem: uma ilustração. Num fundo branco, uma mulher preta de cor escura, cabelos lisos faz o sinal do Deaf Power. Ela veste uma camisa de manga comprida azul e, por baixo, uma camiseta branca onde se lê “Deaf Power”. 

 

O Direito de Greve no Brasil: Uma Luta Histórica pela Justiça Trabalhista

20/05/2024 10:31

 

Hanna Boassi e Laiara Serafim

Letras – Português

Bolsistas PET-Letras

 A HISTÓRIA DA GREVE NO BRASIL

O direito de greve é um dos temas mais complexos na história recente do Brasil. Até os dias atuais, ele continua a incitar debates acalorados, despertando questionamentos e indignações. A história das greves no país é um tema polêmico, e explorar essas experiências passadas pode fornecer novas perspectivas para debates presentes e futuros. Sendo assim, este breve texto tem por objetivo resumir a luta pela conquista do direito de greve e evidenciar que essa luta se deu unicamente por meio da própria greve. A concentração das massas proletárias, advinda do nascimento da indústria, associada à precariedade de sua situação socioeconômica frente aos patrões, contribuíram para a formação das associações profissionais, que exaltaram a greve como forma de reivindicar e obter melhorias das condições de trabalho

A greve como direito no Brasil perpassa por muitas camadas. Desde a Primeira República (1890), a greve era um direito do trabalhador. Tal reconhecimento formal foi feito pelos Tribunais, pelos juristas da época e até mesmo por diversas manifestações do Poder Executivo, da política e de algumas empresas. No entanto, o fato de ser um direito e não um crime, não impediu que a greve fosse brutalmente combatida neste período. Bastava que ela fosse contrária aos interesses econômicos dos donos de fábricas, empresas ou estabelecimentos comerciais, para que a força policial usualmente fosse utilizada.

“O argumento utilizado para o combate à greve de 1906, por exemplo, pôde ser visto em outros momentos também: as empresas alegavam não questionar o direito de greve do trabalhador, assim como a polícia, e justificavam a convocação desta apenas para combater os grevistas violentos, “criminosos”, e para proteger o patrimônio público ou privado em jogo. Tal justificativa servia para que a força policial fosse empregada contra todos. Além das prisões, há relatos de trabalhadores que foram mortos, expulsos de suas casas ou do país.” (Siqueira, 2015,  p. 146)

Como descrito no compilado detalhado de Siqueira (2015), tal cenário se perpetuou ainda por muito tempo. Mesmo com a construção de uma estrutura sindical vinculada ao Estado e a criação de leis trabalhistas, como a CLT, o objetivo central era de desencorajar movimentos grevistas mantendo a harmonia social por meio da eliminação dos conflitos entre o trabalho e o capital, por meio de um pacto social entre as massas trabalhadoras e o Estado. Mesmo com as manobras do Estado para aproximar os trabalhadores do governo, muitos ainda foram processados criminalmente por supostamente estarem envolvidos em movimentos grevistas. De fato, pouco importava se a greve era legal ou não: o uso da força policial contra todo o movimento grevista continuava – ou continua?

Somente mais de cinquenta anos depois, em 1946, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil consagrou o direito de greve, em seu artigo 159: “É livre a associação profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma de sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas pelo Poder Público”. Desse modo, um direito há muito tempo existente tornava-se reconhecido e assegurado por lei.

Contudo, nos anos seguintes, mediante a um novo cenário de ditadura, o direito de greve foi fortemente “regulamentado”, sendo adicionado à lei diversos empecilhos, o que, na prática, tornava criminal todas as greves. No entanto, isso não significou que as greves deixaram de existir, pelo contrário, ocorreram muitas greves no período ditatorial, o que acarretou na violência e morte de diversos trabalhadores. Com efeito, fazer greve era um sinal de atentado contra a segurança nacional e a repressão da ditadura não falhava em perseguir os trabalhadores (Siqueira, 2015).

Somente vinte anos depois, com o fim da ditadura militar, uma nova constituição era promulgada, assegurando todos os direitos violados no antigo período, inclusive o da greve. O direito de greve, no entanto, veio com mudanças. A partir de então, competia à classe trabalhadora a decisão da prática de greve, os interesses e as justificativas.

Descrição de imagem: Foto tirada da assembleia geral de 28 de fevereiro de 2024, em frente a reitoria da UFSC.

Fonte: SINTUFSC (2024)

CENÁRIO ATUAL DAS GREVES NA EDUCAÇÃO

Em 2024, a educação no Brasil tem enfrentado diversas paralisações e manifestações tanto em nível nacional quanto estadual. Essas greves são motivadas por uma combinação de fatores, incluindo salários defasados, condições precárias de trabalho e descontentamento com políticas educacionais. Os profissionais da educação, incluindo docentes, auxiliares e técnicos administrativos têm exposto que seus salários não acompanham a inflação e o aumento do custo de vida. A falta de reajustes adequados ao longo dos anos tem gerado uma grande insatisfação para esses profissionais. Além dos salários, as condições de trabalho são outro ponto crítico, pois muitas instituições de ensino público enfrentam problemas graves de infraestrutura, como prédios em mau estado de conservação, laboratórios sem equipamentos adequados e falta de recursos para pesquisa (Basilio, 2024).

Os cortes no orçamento das universidades e institutos federais têm gerado grande insatisfação, essa redução de verbas afeta diretamente a qualidade do ensino e da pesquisa e compromete os projetos de extensão e programas de assistência estudantil. Apesar de causarem transtornos na rotina acadêmica e administrativa, as greves servem como uma importante forma de pressão política para negociar melhores condições de trabalho.

Na última quarta-feira (15), o governo federal apresentou uma nova proposta de negociação aos docentes de instituições federais, que deflagraram greve há um mês. “O plano continua a não prever reajuste para a categoria em 2024, mas reformula os índices de recomposição salarial, em uma variação de 13,3% a 31% até 2026” (Basilio, 2024).

 A ausência do reajuste imediato foi recebida com descontentamento, já que a recomposição salarial deve ser mais urgente devido à defasagem acumulada durante os anos.

CONCLUSÃO

A história das greves no Brasil, então, é marcada por uma luta contínua pelo direito de melhores condições de trabalho e salários justos, os trabalhadores brasileiros têm enfrentado inúmeros desafios para garantir que suas vozes sejam ouvidas.

Atualmente, as greves na educação refletem as insatisfações dos profissionais da área. As recentes negociações com o governo federal, embora ofereçam uma recomposição salarial até 2026, não atendem à demanda urgente por reajustes imediatos, causando descontentamento entre os docentes e técnicos administrativos. A luta pelo direito de greve e pelas melhorias no setor educacional é contínua e requer compromisso e colaboração de todas as partes envolvidas.

REFERÊNCIAS

BASILIO, Ana Luiza. Greve na educação: sem reajustes em 2014, governo apresenta nova proposta para os próximos anos. sem reajustes em 2014, governo apresenta nova proposta para os próximos anos. 2024. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/educacao/greve-na-educacao-sem-reajustes-em-2024-governo-apresenta-nova-proposta-para-os-proximos-anos/. Acesso em: 18 maio 2024.

SIQUEIRA, Gustavo Silveira. História do direito de greve no Brasil: Relatos de um projeto de pesquisa. In: SILVEIRA, Gustavo (org.). Teoria e Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Direito Uerj, 2015. p. 145-161

Fanfictions: uma jornada de descoberta literária e criativa

14/05/2024 12:38

 

Por Daniely de la Vega

Bolsista PET-Letras

Letras Português

 

Dentro do vasto cenário da literatura, as fanfictions se destacam como um fenômeno cativante, proporcionando um portal multifacetado para a expressão criativa e o intercâmbio cultural. Mais do que simples manifestações de fanatismo, essas criações derivativas evoluíram para uma forma de arte popular entre os jovens, convidando leitores e autores a explorarem novas fronteiras narrativas e a mergulharem nas profundezas da imaginação humana.

Descrição da imagem: mãos femininas digitando em um laptop apoiado sobre uma mesa

Fonte: Google Imagens

O atrativo das fanfictions reside em sua capacidade de expandir e reimaginar os universos ficcionais estabelecidos. Ao se apropriarem de personagens, cenários e conceitos de obras populares, os escritores de fanfictions criam uma teia complexa de narrativas alternativas, explorando possibilidades que vão além dos limites estabelecidos pelos criadores originais. Esse ato de reinterpretação não apenas homenageia o trabalho original, mas também enriquece e diversifica o tecido cultural em que essas histórias estão inseridas.

Para os leitores, as fanfictions oferecem uma experiência única de imersão em mundos familiares, porém distintos. Ao mergulhar nessas histórias paralelas e explorar novos ângulos dos personagens favoritos, os leitores são convidados a questionar e expandir sua compreensão do material original. Essa interação dinâmica entre fãs e textos cria um ciclo de retroalimentação criativa, onde as obras inspiram novas ideias e conversas, alimentando a imaginação coletiva de uma comunidade global de leitores.

Para os escritores aspirantes, as fanfictions representam uma plataforma de aprendizado e experimentação sem precedentes. Ao se aventurar em universos previamente estabelecidos, os novos autores podem explorar uma variedade de estilos narrativos, técnicas de escrita e temas sem o peso das expectativas comerciais ou editoriais. Essa liberdade criativa encoraja a exploração audaciosa e a expressão autêntica, permitindo que os escritores cultivem sua voz e habilidades em um ambiente de apoio e colaboração.

No entanto, as fanfictions não estão isentas de desafios e controvérsias. A questão dos direitos autorais e da propriedade intelectual é uma preocupação central, com muitos autores expressando preocupações em relação ao uso não autorizado de seus trabalhos. Embora muitos vejam as fanfictions como uma forma de homenagear e expandir os universos que amam, outros enxergam essas obras derivativas como uma violação de seus direitos criativos.

Além disso, a falta de supervisão editorial pode levar a uma variação significativa na qualidade das fanfictions disponíveis. Enquanto algumas obras exibem escrita talentosa e originalidade, outras podem ser mal escritas, desrespeitosas com o material original ou até mesmo ofensivas. Nesse sentido, os leitores podem enfrentar o desafio de navegar por um mar de conteúdo para encontrar histórias de qualidade.

Entre as plataformas mais conhecidas para a publicação de fanfictions, o Wattpad se destaca como a líder incontestável. Com milhões de usuários em todo o mundo, o Wattpad oferece uma plataforma acessível e fácil de usar, que permite aos escritores compartilhar suas histórias com uma audiência global. Sua interface intuitiva e recursos interativos, como comentários e votos, incentivam a interação entre autores e leitores, criando uma comunidade vibrante e engajada. Além do Wattpad, outras plataformas populares incluem o Spirit, Archive of Our Own (AO3) e Nyah!. Embora cada uma dessas plataformas tenha suas próprias características e público-alvo, é inegável que o Wattpad continua a dominar o cenário das fanfictions, proporcionando um espaço dinâmico para a criatividade florescer.

As fanfictions representam um fenômeno literário e cultural complexo. Ao abrir portas para novos horizontes de expressão criativa e comunicação cultural, essas obras derivativas nos convidam a explorar as profundezas da imaginação humana e a celebrar a riqueza e diversidade do universo literário.

O Colonialismo em Coração das trevas, de Joseph Conrad

05/05/2024 08:26

 

Por Izabel Bayerl Bonatto

Letras-Português

Bolsista PET – Letras

 

Coração das Trevas (“Heart of Darkness”), escrito por Joseph Conrad e publicado em 1902, tem como base a experiência de viagem do próprio Conrad, que vivenciou a realidade colonial em sua viagem ao rio Congo em 1890 e a expôs durante a escrita desta obra. É um romance narrado a partir do ponto de vista do marinheiro britânico Charles Marlow, o qual relata sua expedição ao longo do rio Congo, na África, território que estava sob domínio colonial belga e era propriedade pessoal do rei Leopoldo II, da Bélgica.


Descrição de imagem: o fundo da imagem é em laranja; no meio há o desenho em preto e branco de uma embarcação soltando fumaça; sobreposto, está escrito em letras grandes e brancas o título do livro “Coração das Trevas” e um pouco abaixo o nome do autor “Joseph Conrad”.

 

A obra pode ser considerada atemporal, tendo uma ideia de que o sujeito chega para desbravar e de como a mentalidade do opressor funciona. O colonialismo pode ser considerado a temática central da obra. Ela expõe uma crítica a respeito da desumanização e da corrupção do imperialismo e da crueldade colonizadora. Além disso, o fato de o autor não deixar explícito a época em que se passa a narrativa, abrange ainda mais as interpretações possíveis de seu romance.

O colonialismo é, sem sombra de dúvidas, uma prática cruel e exploradora, no qual um território exerce seu poder em cima de outro como forma de dominação para obter maiores poderes econômicos, políticos e afins. Como dito por Aimee Césaire (2010), o processo da colonização não foi um ato civilizatório, mas sim uma imposição do gesto decisivo do colonizador sob o colonizado que ocorreu de forma descivilizada. “[…] Esses fatos, provam que a colonização, repito, desumaniza o homem mesmo o mais civilizado; que a ação colonial, a empreitada colonial, a conquista colonial, fundada sobre o desprezo do homem nativo e justificada por esse desprezo, tende inevitavelmente a modificar aquele que a empreende; que o colonizador, ao habituar-se a ver no outro a besta, ao exercitar-se em tratá-lo como besta, para acalmar sua consciência, tende objetivamente em transformar-se ele próprio em besta. […]” (Césarie, 2010, p.25).

Fica clara a remissão à colonização no fato de que a Companhia de Marlow estava indo para um lugar, que estava sob domínio belga, em que ocorria a exploração de marfim. O romance gira em torno da exploração econômica de marfim, que possui alto valor econômico, destacando assim a busca incessante por recursos naturais na África, prática que era crucial para o desenvolvimento do colonialismo e afetava drasticamente o ecossistema natural e a população local.

Logo no início do romance o personagem faz uma fala para seus companheiros a respeito de como os conquistadores tinham sucesso por causa da fraqueza do outro. Com Césarie (2010, p.15), é preciso pensar nesse funcionamento “[…] como a colonização trabalha para descivilizar o colonizador, para embrutecê-lo no sentido literal da palavra, para degradá-lo, para despertar seus recônditos instintos em prol da cobiça, a violência, o ódio racial, o relativismo moral […]”.

Um trecho importante, também relacionado à fala de Marlow, nesse ponto é:

A conquista da terra, que significa basicamente tomá-la dos que possuem uma compleição diferente ou um nariz um pouco mais achatado do que o nosso, não é uma coisa bonita, se você olhar bem de perto. O que a redime é apenas a ideia. Uma ideia por detrás dela; não uma ficção sentimental, mas uma ideia; e uma crença altruísta na ideia — algo que você pode erigir, e curvar-se diante dela, e lhe oferecer um sacrifício… (Conrad, Coração das Trevas, 1902, p.11)

É possível relacionar a citação acima com o que entendemos sobre colonialismo, e ainda com o que foi o imperialismo, visto que um aconteceu em decorrência do outro. Segundo Edward Said (2011, p.30), “[…] Num nível muito básico, o imperialismo significa pensar, colonizar, controlar terras que não são nossas, que estão distantes, que são possuídas e habitadas por outros. […]”, assim, envolvendo também uma questão moral, lógica, etc. A fala de Marlow nos faz pensar que a ideia que existe na mente do colonizador é de que isso é necessário para um bem maior em prol da “civilização”. É perceptível então, que Marlow possui essa ambiguidade moral, ele questiona ao mesmo tempo que relativiza o sistema colonial.

Conrad utiliza da viagem dessa Companhia para exemplificar a visão do europeu colonizador sobre uma terra desconhecida e selvagem. O personagem Marlow descreve, ao longo da navegação pelo rio, qual a sua perspectiva ao visitar naquele território estranho, obscuro e exótico, e de como tem efeitos psicológicos na mente de quem veio explorá-la e colonizá-la. É uma relação de medo e fascínio, e Marlow confirma que todos da Companhia viajavam por uma “Terra pré-histórica”, e que tinha uma aparência de um “planeta desconhecido”. Já o personagem Kurtz tem como papel salientar que até o homem branco é corruptível, portanto, o que ocorre com ele é exatamente a questão da influência desse ambiente obscuro e desconhecido, somado ao contato com os nativos, fazendo-o enlouquecer. Kurtz, por passar muito tempo na colônia exploradora de marfim e tendo contato direto com a crueldade humana por parte do colonizador, fica horrorizado, tanto que suas últimas palavras antes da morte foram “‘O horror! O horror!’” (CONRAD, Coração das Trevas, 1902, p.120). Essa frase representa tanto o horror de viver na selva em um território desconhecido quanto o horror de um homem que volta à civilização.

Conrad utiliza a psique do colonizador e o seu medo de se tornar um nativo para criar uma narrativa que descreve uma técnica:  a dos meios de como se dá o processo de colonização, neste caso do império Belga no Congo. O autor ainda fala de uma “devastação habitada”, ou seja, de como os estrangeiros vieram devastar um lugar que eles achavam que estava inabitado, mas é claro, acabam sempre se deparando com os nativos daquela terra.

A narrativa traz uma visão simbólica e sombria, o que causa um estranhamento ao leitor, principalmente àqueles que não estão a par das consequências do colonialismo europeu na África, ou mesmo de um modo geral, assim não entendendo todo o contexto histórico de exploração e dominação dos colonizadores sob os colonizados. Como afirmado por Edward Said (2011, p. 47) a respeito de Coração das Trevas, “[…] funciona tão bem porque sua política e sua estética são, por assim dizer, imperialistas, as quais, nos últimos anos do século XIX, pareciam ser uma política e uma estética, e até uma epistemologia, inevitáveis e inescapáveis. […]”.

***Em tempo: o filme Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola, foi inspirado em Coração das Trevas e propõe uma narrativa similar: o capitão norte-americano Benjamin Willard  é mandado para a selva do Camboja durante a guerra do Vietnã para matar o enlouquecido coronel Walter Kurtz.  Tal como o livro de Conrad, o cenário é desenvolvido em uma embarcação ao longo do curso de um rio e demonstra um ambiente similar de loura e horror com objetivo de evidenciar não apenas a guerra que acontecia na época, como também uma guerra entre a lucidez e a loucura dentro da mente do personagem principal.

 

REFERÊNCIAS

CÉSARIE, Aimee. Discurso Sobre O Colonialismo. 2010. 84 p.

CONRAD, Joseph. Coração das Trevas. São Paulo: Companhia de Bolso, 2008. 184 p.

SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011.

SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007. p. 22-102

TAVARES, Enéas Farias. O coração das trevas, de Joseph Conrad: defesa de uma utopia colonialista ou crítica ao sistema imperial de seu tempo? Literatura e Autoritarismo: Contextos Históricos e Produção Literária (UFSM), n. 12, 2008. Disponível em: http://w3.ufsm.br/grpesqla/revista/num12/art_04.php