Contexto Colonial: Políticas Linguísticas nas Filipinas
Por Izabel Bayerl e Gabriela Muller
Letras-Português
Bolsista PET-Letras e autora convidada
As Filipinas são um país formado por diversas ilhas localizadas no Sudeste Asiático. A colonização das Filipinas foi feita pela Espanha, entre os anos de 1565 e 1898. Os espanhóis chegaram às ilhas em 1521, quando o navegador português Fernão de Magalhães desembarcou a mando do rei espanhol Carlos I. Somente em 1565, no entanto, foi estabelecido o primeiro forte espanhol em território filipino, na ilha de Cebu, por Miguel López de Legazpi, consolidando a presença espanhola e iniciando o processo de colonização. A colonização espanhola nas Filipinas foi marcada por diversas imposições sociais, econômicas e culturais. No país, assim como nas colônias espanholas nas Américas, a igreja acompanhou os colonizadores com o objetivo de catequizar os povos nativos.
Esse processo de catolicização foi um aspecto essencial da dominação colonial, especialmente considerando a grande distância entre as Filipinas e a Europa. Em 1571, a Espanha estabeleceu um governo colonial em Manila e, a partir daí, implementou uma série contínua de reformas políticas, sociais, culturais e religiosas (Zeng; Li, 2023). Entre as ações implementadas pelos colonizadores estava o sistema de encomiendas, dando terras a colonizadores em troca da catequização dos nativos, o monopólio comercial junto a exploração do trabalho nativo nas plantações de produtos como tabaco e açúcar e a tentativa de impor elementos da cultura espanhola, incluindo o idioma, na sociedade filipina. Segundo Baltar Rodrigues, em seu artigo Filipinas en el contexto del sistema colonial español (2019, p.88-89):
O conservadorismo, como traço distintivo do império espanhol, atingiu manifestações excepcionais nas ilhas Filipinas. O isolamento imposto pela distância entre a colónia e a metrópole, o baixo valor económico das ilhas para o Tesouro Real, a escassa disponibilidade de funcionários capazes e interessados em fazer carreira em regiões tão distantes e a atividade voraz das corporações religiosas, conjugaram-se ao longo de três séculos e meio para transformar as Filipinas numa verdadeira peça de museu do decadente império ultramarino espanhol.
Em 1898 os Estados Unidos da América (EUA) adquiriram as Filipinas da Espanha, proporcionando maiores desenvolvimentos econômicos e comerciais no arquipélago que anteriormente sofria com as diversas restrições impostas pelo colonizador espanhol. “O tipo americano de administração colonial, baseado em formas participativas e com tendência para o autogoverno, encorajou e reforçou os sextantes filipinos mais moderados e preparou-os para a independência sob a proteção americana.” (Baltar Rodrigues, 2019, p.102). Assim, a independência das Filipinas foi formalmente oficializada pelos EUA, em 1946, depois da Segunda Guerra Mundial. Porém, em 1941, o Japão passou a ocupar as Filipinas pelo curto período de 3 anos.
Pensando na questão dos efeitos das políticas linguísticas coloniais na educação e no acesso ao conhecimento na ex-colônia nas Filipinas, é interessante destacar que durante o domínio da Espanha foi instaurada a decisão do ensino da língua espanhola para haver a diferenciação entre a elite – sob supervisão do clero – e a população nativa, e também pelas questões do multilinguismo ali presente (Baltar Rodrigues, 2019). Diferentemente, quando os EUA agregaram as Filipinas a seu domínio foi estabelecida uma “[…] política de assimilação das línguas, que implicou na promoção do inglês nas Filipinas e na instituição da educação em inglês para todos” (Sibayan; Gonzalez, 2011 apud Zeng; Li, 2023). Dessa forma, o inglês passou a ser a língua dominante sendo altamente ensinada nas escolas, mas em contrapartida as línguas indígenas presente nas Filipinas foram deixadas de lado. Por fim, durante o período da ocupação japonesa, foi instaurada a Constituição de 1943, que designou a língua nativa Tagalo como oficial com intuito de sua disseminação no país recebendo assim uma “superioridade linguística”; porém, as demais línguas indígenas continuaram excluídas (Zeng; Li, 2023). Os efeitos dessas políticas linguísticas instauradas por todos os três colonizadores das Filipinas ao longo dos anos resultaram em um país multilíngue, sendo o Inglês e o Tagalo línguas oficiais, e a marginalização das línguas indígenas do país.
Com o fim do período colonial nas Filipinas, o Filipino e o Inglês foram mantidos como línguas oficiais do país. Conforme discutido anteriormente, no contexto educacional ambas as línguas são contempladas, cada uma com suas especificidades, o que refletiu em um país com uma ideologia do pluralismo linguístico, assimilação linguística e internacionalismo (Zeng; Li, 2023). No período pós-independência, foi defendido a adoção da língua dominante na sociedade para promover inclusão social e ascensão econômica. Somado a isso, o internacionalismo viabiliza que as Filipinas sejam relevantes e competitivas no contexto global com o uso de uma língua mundialmente utilizada, neste caso, o Inglês. Assim, a consequência de manter a língua colonial como oficial no país se dá no maior acesso a oportunidade sociais e econômicas, facilitando a comunicação em nível internacional, proporcionando maior influência das Filipinas em questões econômicas globais. Atualmente, as Filipinas já observam os resultados positivos de sua internacionalização. Segundo, Grangeia e López (2016), “O país já não é essencialmente dependente da agricultura; é provido de um setor de serviços e um ambiente amigável para negócios na Ásia”.
Por outro lado, a decisão de manter o Inglês como uma das línguas oficiais das Filipinas e promover a educação com a língua colonial traz implicações negativas ao promover legados coloniais e desvalorizar as línguas indígenas (Zeng; Li, 2023). A tentativa de manter um pluralismo linguístico gerou uma dinâmica na qual o uso contínuo do Inglês como língua oficial nos diversos setores da vida pública e educacional tem implicações diretas na preservação e promoção das línguas locais. Uma das consequências disso é a criação de novas variedades de línguas, que aglutinam a língua colonial com as línguas locais: “uma variedade nativizada de Inglês surgiu nas Filipinas, e é distintamente filipina’’ (Zeng; Li, 2023 apud Borlongan, 2022). O Taglish é um code switching entre Tagalo (e outras línguas nativas) e o Inglês, misturando o uso das duas línguas no discurso (Bautista, 2004) e é predominante na área metropolitana de Manila, embora também tenha se difundido entre as comunidades filipinas também fora do país. Essa variante, que surgiu da coexistência entre a língua colonial e as línguas Filipinas, se tornou mais do que uma alternância de código, e hoje em dia é tida como uma resistência local à predominância do Inglês e à desvalorização das línguas nativas.
REFERÊNCIAS
BALTAR RODRÍGUEZ, E. Filipinas en el contexto del sistema colonial español. Tzintzun. Revista de Estudios Históricos, [S. l.], n. 18, p. 87-102, 2019. DOI: 10.35830/treh.vi18.1597. Disponível em: https://www.tzintzun.umich.mx/index.php/TZN/article/view/1597. Acesso em: 6 nov. 2024
BAUTISTA, M. L. S. Tagalog-English code switching as a mode of discourse. Asia Pacific Education Review, v. 5, p. 226–233, 2004. DOI: 10.1007/BF03024960. Disponível em: https://doi.org/10.1007/BF03024960. Acesso em: 9 nov. 2024.
GRANGEIA, M. L.; LÓPEZ, M. Cultura política e Estado na América latina e Filipinas. Século XXI – Revista de Ciências Sociais, [S. l.], v. 5, n. 2, p. 109–136, 2016. DOI: 10.5902/2236672521591. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/seculoxxi/article/view/21591. Acesso em: 9 nov. 2024.
ZENG, J.; LI, X. Ideologies underlying language policy and planning in the Philippines. Humanit Soc Sci Commun v. 10, n. 405, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1057/s41599-023-01911-8. Acesso em: 2 nov. 2024.