Tomar a palavra na Universidade
Anna Letícia de Abreu e Maysa Monteiro
Letras Língua Portuguesa
Voluntárias PET-Letras
“A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”.
Paulo Freire
MENÇÃO SOBRE TOMAR A PALAVRA NA UNIVERSIDADE E SUA NECESSIDADE
Paulo Freire já dizia, no século passado, que a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Lutar pela educação exige, sobretudo, coragem. Mas por que? Para tomar para si a palavra e falar: plenamente, abertamente, sem censura. Lutar por uma educação libertadora que dá aos sujeitos algo que deveria ser básico: o poder da palavra e o poder de expressá-la. Assim, aproximando o debate ao ensino superior, o que significa tomar a palavra na universidade? Em um contexto de inúmeros discursos – muitos deles, perigosos e fatais – retomar, buscar, exigir a palavra é um ato político. Dessa forma, percebe-se que não existe democracia sem dar voz, sem pluralidade, sem debate. É verdade, Freire não pode fugir à discussão criadora, até porque a importância da escrita, seu papel político e a necessidade de dar voz a todes na universidade é o que caracteriza uma universidade gratuita, pública e de qualidade.
Em Educação como Prática da Liberdade, Paulo Freire expõe o “método” de Alfabetização de Adultos. Já na introdução do livro, Francisco Weffort relata as experiências do método na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, onde 300 trabalhadores rurais foram alfabetizados em 45 dias, em 1962. Em certa passagem do texto de Freire, destaca-se:
Quando um ex-analfabeto de Angicos, discursando diante do presidente Goulart, que sempre nos apoiou com entusiasmo, e de sua comitiva, declarou que já não era massa, mas povo, disse mais do que uma frase: afirmou-se conscientemente numa opção. Escolheu a participação decisória, que só o povo tem, e renunciou à demissão emocional das massas. Politizou-se (Freire, 1967, p. 119).
Politizar-se! Pois aprender a dizer a palavra é isso: politizar-se. Em um cenário de desmonte da universidade pública e de constantes ataques à educação, tomar a palavra na universidade é resistir. Mas quem está tomando a palavra? Aqui, entra-se em um terreno perigoso. Não é necessário voltar muito na História (do Brasil e do mundo), para vermos discursos de ódio e morte contra a liberdade e a democracia. O dizer tem muito poder, e quem diz, também.
A IMPORTÂNCIA DA ESCRITA E FALA/VOZ NA UNIVERSIDADE PÚBLICA:
Professora por mais de 20 anos, bell hooks foi uma das mais importantes escritoras e educadoras. Daquelas que a gente respira e diz: “obrigada”. hooks vê na educação uma missão política, e escreve para diferentes públicos sobre raça, gênero, classe social e descolonização. Em Ensinando a transgredir – a educação como prática da liberdade, bell hooks cita constantemente Paulo Freire e dedica a ele o capítulo 4. Cita também Martin Luther King, no capítulo 3, abordando o multiculturalismo, quando discute a necessidade de construir espaços formativos de trocas de experiências e medos, questionar a educação bancária e que, principalmente, não basta apenas mudar o currículo, mas é necessário alterar atitudes. Na universidade, é necessário continuar (re) afirmando a escrita e a luta como forma de resistência e expressão de minorias. É necessário que todes tenham o poder da palavra.
ESCRITA & VOZ: O PAPEL POLÍTICO, QUESTIONAMENTO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL POR MEIO DA PALAVRA
Questionar, segundo o dicionário; verbo; transitivo direto; ex.: pôr em questão; fazer objeção a; controverter, rebater. Para alguns, lugar onde se é bem-vindo, para outros sinônimo de medo. Ter voz é ter um poder gigante nesse mundo, questionar – ainda – é privilégio, discursar é ter coragem. Em A ordem do discurso, Foucault aponta que discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas, mas aquilo também pelo que se luta; é poder de querermos nos apoderar. Traduzindo para as Universidades Federais e para aquilo que pode ser dito, das situações em que se pode colocar presente e do sujeito que é o tomador da voz, unimos esses três vértices e são por eles que constantemente, nós, alunos, lutamos para dar força ao discurso. A palavra – e aqui uso o termo para todo o tipo de manifestação – é lugar de transformação social, são nos discursos que deixam de ganhar voz que se escondem as crises, anseios e críticas de uma sociedade, e é exatamente aqui onde nós queremos cavar e remexer, descobrir o que há dentro e tirar lá todas as vozes sem-voz.
A busca pelo poder e pela liberdade é um exercício que pode ser vivida dentro da faculdade, seja individualmente ou de forma coletiva. É importante que tomemos além de consciência, coragem para criarmos cada vez mais lugares de fala para as todas-ideias. Como colocado por Revel “a resistência é a possibilidade de criar espaços de lutas e agenciar possibilidades de transformação em toda parte”. Tomar a Palavra na Universidade é ter a oportunidade de expor sua voz, mas também exercer força.
TOMAR A PALAVRA NA UNIVERSIDADE: OPORTUNIDADE DE SE EXPRESSAR, ESPAÇOS DE FALA E INCLUSÃO
O Lutar pode ser uma estrada cujo final não podemos ver. É uma constante entre persistir e resistir, um ato de amor e de força! Dentro das nossas lutas, existem iniciativas universitárias que abraçam o nosso discurso dito e incentivam toda forma de expressão. Enquanto Centro de Comunicação e Expressão (CCE), temos como exemplo o SLAM Estrela D’Alva, um dos atos de persistência universitária. Consiste em uma competição de poesia falada popular na UFSC e fora dela também, é uma ação integrante de um dos projetos do PET-Letras.
Outra organização importante é o Centro Acadêmico Livre de Letras (CALL), uma entidade que representa e acolhe os estudantes de Letras Estrangeiras, Letras Libras, Letras Português e Secretariado Executivo, fazendo um trabalho integrativo de muita força e luta.
Debatendo sobre fala na universidade e formas de expressão, é imprescritível comentar sobre a Preguiça, a Revista (des)acadêmica do PET Letras, que foi criada em 2020 e propõe um lugar onde possam ser publicados pequenos textos literários de estudantes da UFSC e de autores(as) externos(as) à Universidade, abrindo essa chance para todos usarem a escrita – e outras formas – para posicionar-se.
Existem muitos cursos promovidos pelo PET-Letras e outras entidades dentro da Universidade que trabalham justamente com o debate, incentivando rodas de conversas, mesas redondas e afins. Por exemplo, atualmente um projeto que está em atividade constante é o RedaPET, que oferta aulas gratuitas para toda comunidade abordando gêneros textuais diversos.
Lugares assim fazem entender o que é ter voz na Universidade, que é possível e motivam continuar cada vez mais, conquistando espaços seguros e livres para todes, para Cora Coralina, “O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher”.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo Martins Fontes, 2013.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Ed. Loyola, 1996 (P.10)
REVEL, J. Michel Foucault: conceitos essenciais. Tradução de Carlos Piovezani Filho e Nilton Milanez. São Carlos: Claraluz, 2005.
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