Línguas indígenas no Brasil

01/05/2023 14:29

Por Laiara Serafim

Letras Português

Bolsista Pet – Letras

 

A segunda temporada da série Cidade Invisível, chegou na Netflix no mês de março e, com ela, trouxe o cenário da floresta amazônica com novas lendas do norte do país. Além das figuras folclóricas, a série trouxe um foco para os personagens indígenas da trama. Um dos aspectos presentes é a língua Tukano utilizada pelos personagens, língua franca da região do Alto Rio Negro, que foi a primeira região a oficializar outra língua além do português.

Para além das telas e, diferente do que pensa uma parcela da população, as línguas indígenas possuem uma vasta variedade no Brasil e não estão restritas a uma única região. O último censo, realizado em 2010 pelo IBGE, registrou a existência de 274 línguas indígenas no Brasil. Aqui em Santa Catarina atualmente a população indígena é composta por três povos distintos: Kaingang, Xokleng e Guarani. A língua Kaingang pertence à família jê do tronco macro-jê. A linguista Ursula Wiesemann classificou a língua dos Kaingang atuais em cinco dialetos, sendo um deles o de Santa Catarina. Os dialetos diferenciam-se em várias partes de sua estrutura, sendo as diferenças mais evidentes as fonológicas. Já no caso do povo Xokleng, na TI Ibirama (SC), fala-se o “xokleng”, um idioma próximo ao kaingang. Os Xokleng dizem entender alguma coisa de kaingang, mas não o falam. Já o povo Guarani forma o maior povo nativo em quantidade de população vivendo no Brasil. O idioma guarani pertence ao tronco linguístico tupi-guarani, de onde derivam 21 línguas. Essa é a língua indígena mais falada na América do Sul e chega a 60% do Paraguai.

Entretanto, essa vasta pluralidade linguística vem reduzindo drasticamente devido a colisão de culturas e fixação da língua portuguesa nas comunidades há mais de 500 anos. Atualmente, uma pequena parte da população indígena fala somente a própria língua dentro da comunidade, muitos falam português e a língua indígena e, ainda, a grande maioria dos jovens fala somente o português.

Isso se deve às inúmeras rupturas sociais, políticas, econômicas e culturais que têm lugar no Brasil, e à presença de escolas para indígenas com a mesma grade curricular das demais escolas públicas, que não estimulam e nem consideram as particularidades culturais e linguísticas, ainda que a Constituição Federal assegura às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Muitos dos falantes também não conhecem a língua escrita, o que faz com que as línguas sejam pouco documentadas

Devido a isso, universidades de todo o continente têm se unido para organizar pesquisas de documentação e ensino dessas línguas. Aqui na UFSC, no Núcleo de Estudos Gramaticais, acontece o projeto (In)definitude através das línguas/(In)definiteness across languages, coordenado pela professora Roberta Pires de Oliveira, professora titular na Universidade Federal de Santa Catarina, que estuda a sintaxe-semântica do sintagma nominal em 8 línguas (6 minoritárias em vitalização). Dentre elas está o Rikbaktsa, língua também pertencente ao tronco macro-jê. Alguns aspectos que diferem a gramática do Rikbaktsa da gramática do português são a marcação do gênero do falante na terminação das palavras, como a inexistência de artigos como “o/os, a/as”. Atualmente, a pesquisa do Rikbaktsa, coordenado por Léia de Jesus da SIlva, doutora em Linguística Teórica e Descritiva pela Universidade de Paris VII – Université Denis Diderot (2011), estuda a definitude na língua Rikbaktsa. Outra ação já realizada pelo projeto foi a formação de professores da própria comunidade Rikbaktsa para ensinar a língua nas escolas da comunidade. A professora Léia de Jesus tem dedicado grande parte de toda a sua pesquisa à língua Rikbaktsa. Sua dissertação de mestrado teve como tema Aspectos da fonologia e morfologia da língua Rikbáktsa e sua tese de doutorado Morphosyntaxe du rikbaktsa (Amazonie brésilienne).

Conversamos com a professora sobre a sua pesquisa com a língua e a importância de pesquisas na área:

Laiara: Léia, sua dissertação de mestrado (2005) e sua tese de doutorado (2011) são sobre a língua Rikbaktsa. Como surgiu o interesse por essa área de pesquisa?

Léia de Jesus: Pesquisas sobre povos e línguas indígenas são de grande importância tanto para estes povos, quanto para a humanidade em geral e para a ciência não indígena. Pesquisas em linguística, por exemplo, já apontaram inúmeras características próprias das línguas indígenas brasileiras que contribuíram para o avanço da linguística geral. As pesquisas desenvolvidas na UFSC têm contribuído para o avanço dos conhecimentos que temos sobre estes povos, suas línguas e culturas e também para dar visibilidade a eles e ajudar na manutenção e fortalecimento de suas línguas e culturas. Em se tratando do impacto que estes estudos têm dentro das comunidades indígenas, é inegável que têm contribuído enormemente para melhorar a educação escolar indígena e oferecer melhores condições de vida a estes povos, na medida em que muitas pesquisas resultam em projetos voltados para as escolas ou para estratégias de sustentabilidade. Além disso, um dos efeitos do avanço da educação escolar indígena é que os indígenas chegaram à Universidade, agora como pesquisadores, desenvolvendo eles mesmos pesquisas sobre seus povos, línguas e culturas.

Laiara: Sabemos que, aqui na UFSC, acontecem pesquisas sobre línguas indígenas do Brasil. Qual a importância das pesquisas na área? Qual papel a documentação e estudos sobre a língua desempenham dentro da própria comunidade?

 Léia de Jesus: Eu queria mudar o mundo. Entendia que estudar línguas indígenas era uma forma de contribuir para um mundo melhor, na medida em que as minhas pesquisas poderiam ajudar a melhorar a educação escolar indígena, consequentemente a vida destas pessoas. E eu, como não indígena, poderia auxiliá-los nesse universo intercultural em que vivem. Não sei se eu mudei o mundo, mas tenho certeza de que a vivência em campo e em sala de aula, como professora de cursos de Educação intercultural, mudaram completamente o meu mundo. À parte o lado mais romântico da história, meu primeiro contato com línguas indígenas foi nas aulas de morfologia, fazendo segmentação morfêmica. Achei incrível saber sobre uma língua sem necessariamente falá-la. Fui ser bolsista de IC voluntária em um projeto do professor Aryon Rodrigues e aqui estou, entre a morfologia, a descrição e a educação escolar indígena.

Laiara: O Brasil é um país muito diverso e possui muita riqueza linguística. Qual foi o seu principal desafio ao começar estudar uma nova língua, mas principalmente, pouco documentada? Quais desafios você encontra até hoje?

Léia de Jesus: Durante o mestrado, quando comecei a estudar Rikbaktsa, cujas últimas pesquisas datavam da década de 70, havia dois grandes desafios, o primeiro era a falta de financiamento para trabalho de campo. A universidade financiava apenas a passagem de ônibus, todo o custo do trabalho de campo, que é caro, era por nossa conta. Isso muitas vezes afetava a qualidade dos dados coletados, pois não tínhamos recursos para comprar equipamentos e nos virávamos com o que tínhamos, um gravador de fitas k7, à pilha. O segundo maior desafio era o tempo. A duração do mestrado e do doutorado para quem fazia campo dessa natureza era exatamente a mesma de estudantes que não tinham essa dinâmica. Não que o tempo destes deveria ou deva ser menor, mas deveria sim ser considerado um acréscimo, caso solicitado, para estudantes de que fazem campo. O trabalho de campo com línguas indígenas exige muito, deslocamento a lugares muitas vezes de difícil acesso, o que pode levar algumas semanas só pra se chegar em campo, a coleta, transcrição e confirmação dos dados com colaboradores, retorno de campo, e só então, análise dos dados. Sempre me pareceu que seria justo se os programas de Pós-Graduação levassem essa dinâmica em conta. Infelizmente, não me parece que as coisas tenham mudado ao longo dos anos. Mesmo com todos estes desafios, continuo vendo como um privilégio poder estudar línguas minoritárias e, principalmente, aprender tanto com estes povos.

Assim, como bem mostra a Prof. e Dr. Léia de Jesus, é imprescindível o incentivo à pesquisa na área da línguas indígenas, e o conhecimento e manutenção dos estudos que já ocorrem, devido às diversas esferas que são impactadas pela documentação, estudo e ensino das línguas indígenas de nosso país.

REFERÊNCIAS

BEZERRA, Juliana. Índios Guarani. 2011. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/indios-guarani/. Acesso em: 09 abr. 2023.

IBGE. Indígenas. 2013. Disponível em: https://indigenas.ibge.gov.br/. Acesso em: 09 abr. 2023.

SANTA CATARINA. Poder Judiciário. Línguas e cultura indígena em foco. 2015. Disponível em: https://www.tjsc.jus.br/web/gestao-socioambiental/linguas-e-cultura-indigena-em-foco. Acesso em: 09 abr. 2023.

TOMMASINO, Kimiye; FERNANDES, Ricardo Cid. Kaingang. 2014. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kaingang. Acesso em: 09 abr. 2023.

WIIK, Flavio Braune. Xokleng. 2020. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Xokleng. Acesso em: 09 abr. 2023.

Genshin Impact: da diversão ao conhecimento

24/04/2023 08:51

Por Izabel Bayerl Bonatto

Letras-Português

Bolsista PET – Letras

 

Genshin Impact, lançado em setembro de 2020 pela empresa chinesa miHoYo, também conhecida por HoYoverse fora da China, é o mais novo jogo de RPG eletrônico de ação e aventura disponível para PlayStation 4, Windows, Android e IOS. O jogo em si é muito elogiado por causa de sua qualidade gráfica, das histórias de aventuras envolventes e da jogabilidade interativa.

Quando iniciado, o jogador deve escolher entre os gêmeos Aether ou Lumine para ser seu personagem principal, denominado então ‘viajante’, e que tem como companheira de viagem a Paimon enquanto exploram o mundo aberto de Teyvat. Ao longo do jogo, o jogador explora as sete nações que dividem Teyvat, governadas cada uma por um arconte elementar, lutando contra inimigos diversos e mistérios do mundo, a fim de descobrir o paradeiro de seu familiar depois de serem separados por uma deusa desconhecida.

Descrição da imagem: o fundo da imagem é o chão em detalhes de pedra; no canto superior esquerdo, está o nome do jogo “Genshin Impact”. No centro da imagem aparecem os dois irmãos gêmeos do jogo: do lado esquerdo está Aether, que possui cabelos dourados e veste uma roupa em tom de marrom e preto com adornos brancos e dourados; do lado direito está Lumine; ela também possui cabelos dourados, mas num tom mais claro, e veste um vestido branco com adornos em azul claro e dourado.

Como dito por Bloomfield (2022, p.50-51):

[…] dentre as muitas atividades a serem realizadas no jogo, o uso da matemática é indispensável devido a diversos fatores: elaboração de builds para fortificar os personagens, requisitando análises dos dados do personagem, as porcentagens de  artefatos, gestão de recursos, puzzles que desafiam os conhecimentos da área matemática do jogador pois o uso (e o conhecimento) de cálculos é necessário se quiser receber as recompensas de forma rápida.

O jogo ainda possui a possibilidade de controlar vários personagens, cada um com habilidades e elementos elementares únicos, que podem ser combinados em equipes para enfrentar os desafios que surgem no caminho. Além disso, o jogo apresenta um sistema de evolução de personagens, pelo qual o jogador pode melhorar as habilidades e equipamentos dos personagens para torná-los mais fortes e eficazes em batalha.

Nesse mundo mágico, existem as “visões elementais”, ou seja, sete elementos: Anemo (ar), Geo (terra), Electro (eletricidade), Dendro (planta), Cryo (gelo), Pyro (fogo) e Hydro (água). Cada um possui um símbolo específico e uma nação que o representa. Apesar de não ter uma visão elementar, o viajante pode controlar os múltiplos elementos do jogo, podendo ser utilizado apenas um por vez. Além disso, no mundo de Teyvat existem outros personagens que possuem uma dessas visões.

Outro aspecto importante são as combinações e reações físicas possíveis de serem feitas entre os elementos presentes no jogo: “Os elementos são utilizados para interagir com o cenário e também como poderes de ataque em lutas provocando reações físicas entre eles, as denominadas ‘reações elementais’, produzem diferentes efeitos nos inimigos e no ambiente do jogo. Essas reações ocorrem sempre entre dois elementos distintos e as nomeações delas são baseadas em conceitos físicos reais” (SILVA, 2022, p.20).

Um exemplo seria a combinação de Pyro (fogo) e Electro (eletricidade) que, quando combinadas, formam a reação física de sobrecarga, ou ainda Hydro (água) e Cryo (gelo) que ativam juntos a reação de congelamento, entre diversos outros.

Portanto, nota-se que em Genshin Impact, além da jogabilidade, ainda é possível notar-se a necessidade de conhecimentos básicos de matemática e física em diversos momentos ao longo do jogo. Vale ressaltar ainda que nem todas as nações estão disponíveis em Teyvat, apenas Mondstadt (anemo), Liyue (geo), Inazuma (electro) e Sumero (dendro) são jogáveis até o momento – as outras ainda estão em desenvolvimento e sem previsão de serem lançadas: Fontaine (hydro), Natlan (pyro) e Snezhnaya (cryo).

 .

REFERÊNCIAS

BLOOMFIELD, Fernanda Cristina Teixeira. Level up: estudo exploratório sobre jogos digitais não educativos como fonte de desenvolvimento da informação e do conhecimento. 2022. p. 67 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Biblioteconomia e Gestão de Unidades de Informação) – Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/16900.

SILVA, Arianne Dechen. Jogos e o ensino de física: possibilidades do uso do role playing game (rpg) computatorizado como recurso didático. Universidade Estadual Paulista (Unesp), 2022. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/238905.

Anonimato online: por que precisamos dele?

18/04/2023 10:54

Por Andrés Leonardo Salas Garces

Letras – LIBRAS

Bolsista PET Letras

 

O anonimato é uma ferramenta que se utiliza diariamente na sociedade e que pode ter diversas motivações e implicações, tanto positivas como negativas. “Tradicionalmente, aqueles que se beneficiaram do anonimato eram dissidentes, ativistas de direitos humanos, jornalistas e membros de comunidades vulneráveis” (KRAHULCOVA, 2021). Segundo a psicologia e a sociologia, o anonimato outorga para o sujeito um tipo de “poder” sobre a exposição da sua identidade, protegendo-o de consequências que podem vir no caso de ser exposto, no cotidiano. Um exemplo seria uma declaração de amor ou uma denúncia de algum crime. Outro exemplo, dessa vez em que a sociedade se beneficia do anonimato, é nas eleições presidenciais, como no caso do Brasil e da maioria dos países do mundo. Por lei, o governo está obrigado a garantir a privacidade do eleitor com objetivo de que o voto não seja ordenado ou conhecido por ninguém mais; no caso contrário, votar por aclamação, expresso oralmente ou sem privacidade, é considerado coercitivo – quer dizer, um voto influenciado. É o anonimato uma ferramenta necessária para garantir a liberdade de expressão e decisão dos cidadãos.

Em um artigo feito pelos pesquisadores Emily van der Nagel e Jordan Frith, de 2015, algumas pessoas argumentam que o anonimato é a causa do comportamento anti-social e que a eliminação do anonimato resolveria o problema. Por exemplo, Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, afirmou que “ter duas identidades para si mesmo é um exemplo de falta de integridade”; sua irmã, Randi, diretora de marketing do Facebook, argumentou que o anonimato na internet deveria ser eliminado e que o comportamento anti-social é um produto do anonimato. No entanto, a identidade não é uma coisa singular e que a autenticidade não significa completa abertura. A apresentação da identidade é influenciada pelo contexto e pelo público. Além disso, as identidades online não podem ser dissociadas da economia política da internet. O Facebook é a maior rede social do mundo e a identidade que os usuários criam na plataforma é utilizada em vários outros sites da internet. O artigo conclui que a compreensão da identidade na internet não é simples e requer uma análise mais aprofundada das complexidades envolvidas.

A tentativa de identificação dos usuários pode se deparar em uma espécie de cruzada contra a “grande-internet-ruim”, promovendo medidas draconianas em nome da proteção dos vulneráveis. No entanto, as medidas muitas vezes acabam prejudicando aqueles que proclamam proteger. Um exemplo claro foram as políticas de privacidade do Facebook: elas obrigavam seus usuários a utilizar o seu nome real no perfil e com o tempo percebeu-se que isto pode ter consequências negativas, pois, afinal, quem se realmente se beneficia do anonimato neste contexto?

Pois bem, em uma pesquisa publicada pela The Geek Feminism Wiki, quase a metade da população mundial se beneficia de pseudônimos. Muitos deles pertencentes a diferentes grupos sociais, mas da longa lista desses grupos, os exemplos mais citados são de vítimas-sobreviventes de violência doméstica que utilizavam pseudônimos por medo a ser encontradas pelo perpetrador (WIKI, 2011). Foi por esse motivo e por alguns outros, como o possível acesso à informação delicada por ataques de hackers, que no ano de 2018 o governo alemão determinou que as políticas de identificação do Facebook eram ilegais.

Descrição da imagem: foto real de fundo cinza com 5 mulheres em ordem de estatura ascendente de direita para esquerda com roupas formais; elas estão segurando um papel tampando o rosto com um desenho de caras de diferentes expressões e formatos. A primeira mulher está vestida de terno aberto e saia cinza com camisa rosa; a segunda mulher de calças cinzas e camiseta branca; a terceira mulher está de terno fechado e calças vermelhas; a quarta mulher esta vestida de camisa branca com estradas finas pretas e calças pretas; a última mulher está de camisa azul claro com calças vermelhas.

Em conclusão, uma boa política pública deve ser baseada em evidências e não em opiniões pessoais ou anedóticas. Os cidadãos merecem uma abordagem regulatória adequada para o mundo interconectado em que vivemos e isso deveria começar com uma atualização da Lei de Privacidade, e não com ideias mal pensadas sobre dar às plataformas digitais cópias de nossos documentos de identificação mais confidenciais.

 

REFERÊNCIAS

KRAHULCOVA, L. Australian Digital Rights Watch. 2021. Disponível em: https://digitalrightswatch.org.au/2021/04/30/explainer-anonymity-online-is-important

WIKI, G. F. (2011). Harassment policy. Fandom. 2011. Disponível em: https://geekfeminism.fandom.com/wiki/Who_is_harmed_by_a_%22Real_Names%22_policy%3F

Inteligência Artificial: Até onde uma máquina é somente uma máquina?

09/04/2023 16:51

Por Manoela Beatriz dos Santos Raymundo

Letras – Inglês

Bolsista PET Letras

Descrição da Imagem 1: Vemos uma cidade futurista ao fundo, com prédios altos, com luzes em tons de azul. Na frente, à direita, vemos metade do rosto de Connor, andróide e um dos protagonistas do jogo Detroit Become Human. Ele tem a pele branca, cabelos e olhos castanhos e uma marca circular pequena do lado do rosto, logo acima da sobrancelha. Do seu lado, tampando parte da cidade ao fundo, temos o nome do jogo escrito Detroit Become Human em fonte branca.

É comum vermos máquinas fazendo o trabalho de pessoas e até nos auxiliando no dia a dia, como a Alexa, mas e se a tecnologia avançasse tanto que máquinas como essa começassem a agir como nós, viver como nós? Se você programa uma Inteligência Artificial para agir de maneira mais humana, capaz de sentimentos e tomadas de decisão como a nossa, o que a separaria de uma pessoa humana? Até onde essa máquina seria somente uma máquina?

Existem inúmeras obras que retratam civilizações avançadas e tecnológicas, como Eu, Robô e O Homem Bicentenário, ambas do escritor russo Isaac Asimov e adaptadas para o cinema. Esta temática está cada vez mais recorrente, como no recente Megan (M3GAN), de Gerard Johnstone. Na época em que Asimov escreveu, essa realidade tecnológica parecia distante demais para se pensar, mas estamos cada vez mais próximos delas do que imaginamos.

Descrição da Imagem 2: Um fundo verde com uma logo branca, semelhante a uma flor. Logo abaixo está escrito “Chat GPT” em fonte preta.

Assim é que, em novembro de 2022, foi lançado o Chat GPT, uma inteligência artificial (IA) que simulava um bate papo e respondia a perguntas de forma similar a uma pessoa, fornecendo informações e opiniões sobre diversos assuntos. O diferencial do Chat GPT, em comparação a outras IAs como a Instruct GPT (seu antecessor), é a capacidade de distinguir falsas afirmações, ao invés de forjar uma resposta que simulasse uma explicação do que lhe foi dito. Chat GPT também foi programado para não operar com solicitações racistas, sexistas e afins, apesar de ainda ter certas limitações como respostas confusas.

É de se esperar que esse tipo de avanço com inteligências artificiais seja assustador para alguns. Os próprios filmes nos mostram possibilidades de máquinas se virarem contra a humanidade. É por isso que existem conjuntos de “leis” para quando tratamos de inteligências artificiais: as três leis da robótica. Criadas por Isaac Asimov para seus livros, elas começaram a ser levadas em conta quando se abordava o assunto de IA:

1ª Lei: um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.

2ª Lei: um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.

3ª Lei: um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.

Descrição da Imagem 3: Capa do livro “Eu, Robô”. Um fundo branco. No topo, o nome do autor “Isaac Asimov” em fonte cinza, logo abaixo em fontes maiores, o nome do livro “Eu, Robô”. Cobrindo parte do nome temos uma máscara futurista, com vários cabos e partes metálicas; no lugar dos olhos, duas pequenas lâmpadas.

 

As leis de Asimov cada dia passam a se tornar mais relevantes, tendo em vista o avanço que temos nas IAs. Porém, diferente de Asimov, existe um teste que é realizado em Inteligências Artificiais para verificar se a máquina poderia ser considerada “inteligente”: o Teste de Turing, proposto por Alan Mathison Turing (matemático e cientista da computação inglês). Trata-se de um jogo, chamado O Jogo da Imitação (que ganhou popularidade com o filme de mesmo nome estrelado por Benedict Cumberbatch). O jogo envolve três pessoas (A, B e C): A é uma máquina, enquanto B e C são seres humanos. O objetivo é que a máquina consiga convencer a pessoa C (o juiz) de que ele está conversando com um humano. Se o juiz não conseguir diferenciar a máquina e o humano, é considerado que a máquina passou no teste.

Chat GPT foi a segunda IA a conseguir passar pelo Teste de Turing. O primeiro foi um computador russo que se passou por um rapaz ucraniano de 13 anos chamado Eugene Goostman. Diferente do Chat GPT, Eugene passou no teste mas com algumas ressalvas. A máquina conseguiu convencer ser um adolescente de 13 anos, mas não possuía respostas 100% corretas, o que foi desconsiderado em parte por se tratar de um rapaz de 13 anos – digamos que ele  foi “ajudado” pelo contexto.

Descrição da Imagem 4: Na imagem temos Alan Turing, cientista da computação e matemático britânico. Ele tem pele branca, cabelos e olhos escuros e veste um terno. A imagem está em escala de cinza.

No caso do Chat GPT, podemos realmente considerar uma máquina “inteligente”? Muitos podem achar  até mesmo assustadora a ideia de que máquinas ficam mais inteligentes a cada dia que passa. Muitos criadores de conteúdo, como desenvolvedores de jogos, já imaginam esse futuro, como por exemplo David Cage, diretor de Detroit Become Human

Detroit Become Human é um jogo publicado em 2018 pela Sony Interactive para Playstation 4 e Microsoft Windows. O jogo se passa na Detroit futurista de 2038, onde andróides criados pela empresa CyberLife coexistem no dia a dia dos humanos, cumprindo funções antes destinadas a eles. Por conta disto, uma parcela da população vai contra a implementação dos andróides, alegando que não deveríamos utilizar máquinas para agir como pessoas. 

No jogo, androides que mudam sua maneira de agir em relação a programação que lhes foi dada são chamados Deviantes. Eles começam a duvidar de sua programação, passam a agir conta as ordens e a expressar sentimentos com relação às pessoas. Então, o que separaria esses deviantes de nós, humanos? Uma máquina capaz de expressar emoção, saudade, culpa e vontades, poderia estar próxima a ser uma pessoa. Vemos isso com Chat GPT,por exemplo, que é capaz de expressar opinião acerca de certos assuntos. O quão parecida é essa máquina em comparação a uma pessoa? E o quão distante ela está de ser tratada como um “ser”?

Onde encontro assistência e acolhimento na UFSC?

29/03/2023 07:48

Por Franciane Ataide Rodrigues

Letras Libras

Bolsista PET-Letras

 

O início de semestre traz consigo uma enxurrada de informações para os recém aprovados na universidade, nesse período muitos alunos estão em processo de adaptação em uma nova cidade e também à vida universitária. Nesse sentido, é muito importante que ao entrar na universidade, o indivíduo saiba como e onde procurar acolhimento dentro da instituição.

Descrição de imagem: Pessoas andando em frente ao prédio da reitoria UFSC campus Trindade. O prédio tem a parede decorada com peças coloridas de diversas formas, na forma de um mosaico. No canto superior direito, ramos de uma árvore em frente ao prédio; no canto inferior esquerdo uma moça de roupas pretas caminha em frente ao prédio. No canto superior esquerdo vários homens também caminham pelo campus em frente a reitoria; canto inferior esquerdo, há grama verde em frente ao prédio.

Dentre as opções de acolhimento disponibilizados para os estudantes estão os:

 

Pró-Reitoria de Permanência e assuntos estudantis – PRAE

Dentro da PRAE existe um departamento específico que exerce a função de acolhimento estudantil: o setor de Psicologia Educacional .

O atendimento tem como foco proporcionar a permanência dos/as estudantes e é direcionado para acadêmicos da UFSC com cadastro na PRAE ou oriundos de escolas públicas

Neste setor, os atendimentos realizados não são caracterizados como psicoterapias; a abordagem é focada em dificuldades ligadas ao contexto educacional, como ambientação na Universidade, sofrimento psíquico relacionado à vida universitária, relações com colegas, docentes e demais servidores/as da UFSC, construção de uma nova rede de apoio e como escuta para entender e direcionar o estudante.

Também são realizadas ações coletivas abertas a todos/as estudantes, com prioridade para aqueles com Cadastro PRAE ou que vieram de escola pública, como por exemplo o grupo Longe de Casa: e agora?,  que é voltado a estudantes que vieram de outras cidades para estudar na UFSC e estão nas primeiras fases do curso.

 

Serviço de atenção psicológica – SAPSI

Todos os atendimentos oferecidos pelo setor são gratuitos. Os serviços são oferecidos à comunidade interna e externa à UFSC, desde que a pessoa possa comparecer presencialmente ao SAPSI, que fica no departamento de psicologia no centro de filosofias e ciências humanas (CFH) bloco D, 2° andar no Campus Trindade.

O acolhimento Psicológico Geral acontece de modo presencial e em sessão única, podendo ser agendado retorno caso o profissional identifique essa necessidade. É realizado pelos estagiários e extensionistas supervisionados pela equipe de Psicologia do SAPSI. Na página,  também é possível encontrar indicações de clínicas sociais incluindo atendimento psicológico em Libras:

É importante ressaltar que cada serviço possui seu prazo e forma de inscrição.  Veja abaixo as opções de atendimentos de acolhimento psicológico oferecidos pelo SAPSI:

Acolhimento Psicológico Geral

Acolhimento Psicológico ao Luto

Acolhimento Psicológico Infantil

 

Coordenadoria de Relações Étnicos Raciais – Coema

Em 2022, a UFSC aprovou uma política de enfretamento e a erradicação do racismo institucional e quaisquer violações aos direitos humanos implantando o atendimento individual especializado por meio do Serviço de Acolhimento a Vítimas de Violências. Os agendamentos se sãopelo e-mail seavis@contato.ufsc.br.

Coordenadoria de Diversidade Sexual e Enfrentamento da Violência de Género – CDGEN/PROAFE 

A Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade (PROAFE) criou a CDGEN para formalizar políticas de enfrentamento à fobia de gênero e às violências contra mulher no âmbito da UFSC; através deste setor é oferecido apoio institucional para a promoção dos direitos da população universitária de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexuais e demais (LGBTQIA+), além de mulheres vítimas de violências.

O departamento recebe e encaminha denúncias de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero aos setores responsáveis, bem como o acolhimento/atendimento psicológico. O endereço e o contato são os seguintes:

  • Endereço: Térreo da Reitoria 1 – Campus Reitor João David Ferreira Lima – Bairro Trindade
    Florianópolis – Santa Catarina – Brasil
  • Telefone: (48) 3721-594

 

Em breve, a UFSC contará com o Serviço Especializado de Atendimento às Vítimas de Violências (SEAVIs), visando oferecer uma escuta e um trabalho qualificado aos sujeitos que têm seus corpos marcados pela violência, como a LGBTQIA+ fobia.

É de extrema importância que os alunos tenham seus direitos de permanência assegurados e de fácil acesso. Portanto, não hesite em usufruir das instâncias existentes na UFSC.

 

Slam Xodó e o amor em SC

20/03/2023 16:23

Por Angelo Perusso

Letras-Português

Bolsista PET-Letras

Antes de tudo, o que é slam? O slam é um tipo de competição de poesia falada, que foi criado na década de 1980, em Chicago, por Marc Kelly Smith. No slam, os poetas declamam seus textos autorais e são avaliados por jurados (geralmente escolhidos na plateia) e assim classificados até termos um vencedor. No contexto brasileiro, o slam se tornou um gênero literário de resistência, muito inspirado pelo rap, em que se priorizam temas como a experiência das pessoas periféricas e marginalizadas, bem como o combate a opressões como o racismo, o machismo, a lgbtqia+fobia entre outras ideologias e estruturas que tornam o mundo desigual.

O slam tem como característica fundamental dar voz. Todos podem competir e assistir, o que colabora para que textos poéticos, discursos e pessoas que geralmente são invisibilizadas pela sociedade possam ser ouvidos, apreciados e elevados pelo público. Além disso, o slam colabora para a construção de um saber coletivo. Tal fator se dá por três motivos: o primeiro é que o debate público feito com profundidade sobre diversos temas latentes na sociedade faz com que muitas pessoas possam se informar e aprender sobre diversos temas. O segundo é que, ao ter contato com a arte e a literatura produzida pelo slam, muitos jovens e adultos se sentem impulsionados a consumir literatura. Terceiro, porque a poesia do slam, além de ocupar o espaços das ruas e bares, também ocupa o espaço escolar tanto na produção de oficinas e demonstrações por parte de coletivos de poetas (como foi e é feito em Porto Alegre pelo coletivo Poetas Vivos) quanto em projetos como a construção do Slam Interescolar, em São Paulo, que é uma grande competição de poesia entre as escolas paulistas, que leva muitos jovens ao caminho da arte e que dá voz às suas questões e pensamentos.

No contexto de Santa Catarina, o movimento do Slam esteve adormecido, muito graças ao período pandêmico,  . O mais antigo que havia no estado, na cidade de Joinville, o Slam Guará, é referência no trabalho com o slam catarinense; ainda no norte do estado, atuou lindamente em 2022 o Slam Para Antonieta, que homenageia Antonieta de Barros e que tinha atuação itinerante entre Camboriú, Itajaí e Navegantes; já dentro da capital , surgiu o Slam Cruz e Sousa, homenageando o grande poeta Cruz e Sousa e que teve e tem atuação de referência na expansão do movimento do slam na cidade e no estado, e que teve grande papel na ressurreição do movimento aqui em Santa Catarina. Por fim, o Slam Estrela D’Alva, competição organizada por nós do PET-Letras e por mim, Angelo Perusso, que tem com diferencial e objetivo levar vozes periféricas e discursos excluídos do meio acadêmico para dentro do espaço universitário. Já em 2023, motivado pelo sucesso do slam no estado, surgiram diversos outros coletivos, como o Slam Carijó, Slam Dita, Slam Nosso Olhar, Slam Descoloniza Blu, Slam da Coline. O útimo deles, no qual componho a organização e que quero enfocar, é o Slam Xodó.

A foto mostra uma edição do slam xodó. Thuany está no centro do palco com o microfone na mão próximo à boca; ela é uma mulher negra, vestindo roupas brancas. Ao seu lado está Liza, olhando atentamente; ao redor vemos muitas pessoas, de costas, olhando a apresentação. No teto do espaço está um globo brilhante.

Como vimos, o slam tem muito espaço para textos mais sociais e combativos, entretanto, acaba acontecendo que alguns poetas prefiram falar sobre seus sentimentos, romances, amores e afetos – o que tem menos espaço nas competições de tema livre. O Slam Xodó foi criado com uma regra a mais: o poema tem de abordar o amor, em qualquer uma das suas formas. Pode ser sobre desamor, amor próprio, amor familiar, amor pelos pets, sobre afeto, sexo, aconchego, sobre todo o universo que compõe nossos xodós. Assim, as edições são noites de muito carinho; quem vai sai de lá abraçado, leve, em paz com o coração. De certa forma, a ideia do Slam Xodó se relaciona com o seguinte poema, de Sérgio Vaz:

Resistir ao lado das pessoas que a gente gosta,

deixa a luta mais suave, a gente não quebra, entorta.

As lágrimas ficam filtradas,

O suor mais doce e o sangue mais quente.

E sem que a gente perceba, percebendo,

as coisas começam a mudar à nossa volta.

E aquele sonho que parecia impossível,

acaba virando festa, enquanto a gente revolta.

O slam é um espaço de luta, disto não há dúvida. Porém, lutamos porque amamos. Lutamos porque amamos o povo e queremos que estes que amamos tenham uma vida justa, digna. Lutamos para que aqueles que amamos tenham comida, saúde, moradia, estudo, e a segurança de que podem viver em paz, sem ser alvos de políticas genocidas e sem ter seus direitos básicos negligenciados. Portanto, o amor é uma parte fundamental da luta, talvez de mãos dadas com a revolta, talvez um passo atrás, mas inegavelmente integrante da nossa busca por um mundo melhor. Logo, dentro deste movimento artístico e político, ele precisa ter também espaço, e essa é a ideia do Slam Xodó: espalhar o amor dos versos para os corações que amam a poesia.

Já aconteceram duas edições do Xodó: a primeira, no Espaço Multitudinal, no mês de fevereiro, e a segunda, na Casa Frisson , no último sábado, dia 18 de março, em que só competiram poetas mulheres e pessoas trans e não binárias. Ambos os eventos reuniram mais de 120 pessoas compondo o público e mais de 20 poetas em cada edição, o que evidencia: existe amor em SC.

Irmão do Jorel: imaginação e história

13/03/2023 06:37

Por Hanna Boassi

Letras – Português

Bolsista PET-Letras

Irmão do Jorel (2014) é uma série em animação brasileira criada por Juliano Enrico e produzida em parceria pela Cartoon Network e Copa Studio. A série mostra a vida do garoto conhecido apenas como Irmão do Jorel, filho caçula de uma família de acumuladores presa nos anos 80; junto com sua melhor amiga Lara, enfrenta os desafios da vida, tentando sair da sombra de seu irmão celebridade.

É importante ressaltar o fato de que o personagem não tem um nome, sempre sendo relacionado ao seu irmão Jorel; esse desprezo pela sua identidade nos dá a ideia do apagamento da autonomia da criança, de seus problemas e vontades. Outro ponto que chama atenção na produção é que a animação se assemelha a muitas outras produções da Cartoon Network, sempre criando situações de forma mais lúdica. O diferencial de Irmão do Jorel é que os elementos da imaginação do personagem principal, que é uma criança, se misturam com a realidade, nos dando a possibilidade de ver o mundo com uma perspectiva mais infantil e imaginativa.

Dessa perspectiva lúdica, leiamos Vigotski (1982, p. 8): “A imaginação, como base de toda atividade criadora, se manifesta por igual em todos os aspectos da vida cultural, possibilitando a criação artística, científica e técnica.” Segundo Almeida e Souza (2021), a atividade imaginativa se liga com a realidade de diversas formas, como através de elementos tomados da realidade e aqueles extraídos de experiências anteriores, já que a fantasia se constrói a partir de elementos do mundo real. 

Sendo assim, as crianças têm maior facilidade de criar o seu mundo particular, mesmo sabendo da existência da realidade. Elas utilizam desse poder imaginativo para poder criar uma melhor forma de lidar com questionamentos e situações que possam ser expostas. No caso do Irmão do Jorel, podemos acompanhar a vida de uma criança excluída do ambiente em que vive, estando sempre à sombra de seus irmãos mais velhos, mas assistimos especialmente Jorel, que na trama é uma celebridade. 

Descrição da imagem: o personagem Irmão do Jorel está centralizado na imagem; ele é branco, com cabelos cacheados pretos, e veste uma regata preta, bermuda vermelha e galochas amarelas. Sua expressão facial é de deslumbramento e ele se encontra em meio a árvores. 

Algo muito presente em Irmão do Jorel são suas referências históricas e como são retratadas para o público infantojuvenil. No segundo episódio da primeira temporada, por exemplo, chamado “Gangorra da Revolução”, o pai do Irmão do Jorel conta-lhe, já no início, como é importante lutar por sua liberdade e como ele fazia isso em sua época de “revolucionário”. O pai do Irmão do Jorel ressalta a importância de uma revolução e de ser um revolucionário para o filho e, de uma forma satírica, ele conta histórias dos seus dias de revolução.

Descrição de imagem: seis policiais representados como palhaços estão enfileirados como uma barreira; atrás dele se observa um tanque de guerra verde, e à frente deles, o pai de Irmão do Jorel, vestido com uma fantasia de urso panda.

Mais adiante na narrativa, vemos o Irmão do Jorel lutando contra o autoritarismo de sua diretora junto de seus colegas, que desejam aproveitar mais tempo do recreio. Mas o que chama atenção no episódio são as diversas referências ao período da Ditadura Militar (1964-1985). Na animação, os policiais são retratados como palhaços: eles já haviam implantado uma ditadura repressiva onde os próprios palhaços eram proibidos de se divertir e fazer piadas.

Apesar de ser uma animação voltada para o público infantil, Irmão do Jorel pode ser utilizado para além do entretenimento e também como material de apoio didático, já que faz essa aproximação da história com um conteúdo de fácil entendimento para as crianças, o que faz com que o interesse em entender a história seja maior.

 

Referências

VIGOTSKY, L. S. A imaginação e arte em infância. Madrid: Akail, 1982.

ALMEIDA, Flávio Aparecido de; SOUSA, Luciano Dias de. O Ensino de História através da representação de identidade brasileira na animação Irmão do Jorel. In: ALMEIDA, Flávio Aparecido de. Ensino de História: histórias, memórias, perspectivas e interfaces – volume 2. São Paulo: Científica Digital, 2021. p. 144-155.

 

Conhecendo os princípios e categorias da Ecopedagogia

06/03/2023 15:55

Por Daniely Karolaine de la Vega e Emmanuele Amaral dos Santos

Bolsistas PET Letras

Letras Português

 

De acordo com Gadotti (2001, p. 81, grifo do autor), “[…] vivemos uma era de exterminismo”. Devido à produção industrial descontrolada, podemos destruir toda a vida do planeta Terra. Diante disso, as futuras gerações terão de realizar a árdua tarefa de obter soluções para esse problema. Esperamos que as providências sejam executadas antes que essa situação se torne irredutível. Por isso, precisamos ecologizar a economia, a pedagogia, a educação, a cultura, a ciência etc.

O desenvolvimento capitalista gera um grande potencial destrutivo que o coloca em uma posição negativa à natureza. O capitalismo ampliou a capacidade de destruição da humanidade e reduziu o bem-estar e a prosperidade desta. Entretanto, vivemos também na era da informação em tempo real, da globalização da economia, da realidade virtual, da quebra de fronteiras entre nações, da robótica e dos sistemas de produção automatizados.

Imagem 1:

Descrição da imagem: Em um fundo bege claro, aparece um planeta terra, em tons de verde, acima de uma mão rodada e com as unhas pintadas de verde. Estes são acompanhados de várias ilustrações em tons terrosos que fazem alusão à sustentabilidade, incluindo talheres de bambu, uma lâmpada e um ícone de material reciclável. Também é possível identificar duas nuvens no canto superior esquerdo e dois ramos de folhas que contornam o planeta Terra lateralmente.

O cenário está dado: globalização provocada pelo avanço da revolução tecnológica, caracterizada pela internacionalização da produção e pela expansão dos fluxos financeiros; regionalização caracterizada pela formação de blocos econômicos; fragmentação que divide globalizadores e globalizados, centro e periferia, os que morrem de fome e os que morrem pelo consumo excessivo de alimentos, rivalidades regionais, confrontos políticos, étnicos e confessionais, terrorismo (GADOTTI, 2001, p. 82, grifo do autor).

O contexto explicitado por Gadotti ainda se faz intrisicamente presente nas vivências contemporâneas, assim como a importância de refletir sobre a chamada educação do futuro. Podemos começar esse processo discutindo sobre algumas categorias que propõe a compreendê-la, como:

  1. Planetaridade: segundo Padilha et al. (2011, p. 239), esta categoria consiste em “tratar o planeta como um ser vivo e inteligente”. Está relacionada a optar por uma relação saudável e equilibrada com o contexto, consigo mesmo, com as outras pessoas e com os ambientes.
  2. Sustentabilidade: o tema da sustentabilidade surgiu na economia e na ecologia para se inserir definitivamente no campo da educação. Ele se fundamenta no lema “Uma educação sustentável para a sobrevivência do planeta”, difundido pelo Movimento pela Carta da Terra na Perspectiva da Educação e pela Ecopedagogia.
  3. Virtualidade: esta categoria consiste na discussão atual sobre a educação à distância e o uso de internet nas escolas. A informação deixou de ser compreendida como uma área ou especialidade para se transformar em uma dimensão de tudo, alterando a forma como a sociedade se organiza, inclusive o modo de produção.
  4. Globalização: o processo de globalização está realizando mudanças na política, economia, cultura, história… Portanto, também na educação. É uma categoria que deve ser observada sob vários prismas. O global e o local se fundem em uma nova realidade: o “glocal”. Para pensar a educação do futuro, precisamos refletir sobre o processo de globalização da economia, da cultura e das comunicações.
  5. Transdisciplinaridade: embora com significados distintos, algumas categorias, muito próximas da transdisciplinaridade, como transculturalidade, transversalidade, multiculturalidade e outras, também indicam uma nova tendência na educação, que é necessário analisar.

Essas categorias são essenciais para a compreensão das perspectivas atuais da educação, mas não bastam para entender a ecopedagogia como uma teoria da educação que impulsiona a aprendizagem do sentido das coisas a partir da vida cotidiana. Para isso, precisamos desenvolver outras categorias relacionadas ao âmbito da subjetividade, da cotidianidade e do mundo vivido; categorias que estruturam a vida cotidiana, levando em conta as práticas individuais e coletivas e as experiências pessoais.

Para compreender o que é ecopedagogia, devemos começar por determinar o que é pedagogia e o que é sustentabilidade. Nos livros de Francisco Gutiérrez e Daniel Prieto sobre a “mediação pedagógica”, eles definem pedagogia como um trabalho de incentivo da aprendizagem por meio de recursos necessários para o processo educativo no cotidiano das pessoas. Para os autores, a vida cotidiana é o espaço do sentido da pedagogia, pois a condição humana caminha irremediavelmente por ela. A mídia eletrônica não anula esse espaço, uma vez que “a revolução eletrônica cria um espaço acústico capaz de globalizar os acontecimentos cotidianos” (GUTIÉRREZ, 1996, p.12 apud GADOTTI, 2001, p. 85), tornando o local global, e o global, local. Isso é o que denominamos, nas Organizações Não Governamentais (ONGs), de “glocal”. O cotidiano e a história se fundem em um só. A cidadania ambiental local se torna também cidadania planetária.

Contudo, “não podemos falar em cidadania planetária excluindo a dimensão social do desenvolvimento sustentável” (GUTIÉRREZ, 1996, p. 13 apud GADOTTI, 2001, p. 85). Essa advertência de Francisco Gutiérrez é elucidativa, pois é necessário diferenciar um ecologismo elitista e idealista de um ecologismo crítico que coloca o ser humano no centro do bem-estar do planeta. Porém, “o bem-estar não pode ser só social, tem de ser também sócio-cósmico” (BOFF, 1996, p. 3 apud GADOTTI, 2001, p. 85). O planeta é minha casa, e a Terra, meu endereço. Como posso viver bem em uma casa mal arrumada, mal cheirosa, poluída e doente?

Para Francisco Gutiérrez, parece impossível construir um desenvolvimento sustentável sem uma educação para o desenvolvimento sustentável. Para ele, o desenvolvimento sustentável carece de quatro condições fundamentais:

  1. economicamente factível
  2. ecologicamente apropriado
  3. socialmente justo
  4. culturalmente eqüitativo, respeitoso e sem discriminação de gênero.

A ecopedagogia como prática educacional também é articulada e incentivada por diversas instituições internacionais, como é o caso da UNESCO. No documento “Educação para os objetivos de Desenvolvimento Sustentável – Objetivos de Aprendizagem” publicado em 2017, por exemplo, a UNESCO descreve a organização da EDS (Educação para o desenvolvimento sustável)[inserir link], indicando objetivos, atividades e métodos a serem implementados por educadores, escolas e políticas públicas educacionais. Em consonância a agenda global para a educação até 2030, esse documento da UNESCO pensa a prática educacional ecopedagógica como um pilar essencial no processo de garantia dos diversos objetivos que compõem o desenvolvimento sustentável:

[…] que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e da não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural[…]  (UNESCO, 2017, p.8)

Em âmbito nacional, podemos destacar o projeto (PECP) Programa educação para a cidadania planetária, desenvolvido entre os anos 2007 a 2011 em Osasco (SP) com intermédio do Instituto Paulo Freire. Esse programa concebe “[…] uma educação com visão de totalidade do conhecimento e dos saberes, superando a histórica fragmentação do conhecimento e considerando a sua complexidade.” (PADILHA, 2001, p.19), ou seja, o PECP evoca diversos conceitos essenciais para a ecopedagogia como a transdisciplinaridade e a planetaridade.

Outros conceitos relevantes para entender o programa são a cidadania planetária e a pedagogia da Terra. Ambos propõe a ideia de que a Terra é um organismo vivo ao qual somos interdependentemente ligados e que isso torna necessária a inserção de outros conceitos como  ecologia, ética, estética e sociedade no contexto escolar. Além disso, essa proposta de civilização planetária compreende o ser humano dentro da esfera de complexidade e diversidade da natureza, assim como a importância da manutenção dos direitos sociais, políticos, culturais e econômicos para a fundamentação dessa proposta tal qual descrevem os princípios da ecopedagogia.

 

REFERÊNCIAS

 

GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra: ecopedagogia e educação sustentável. In: TORRES, Carlos Alberto (comp.). Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI. Buenos Aires: CLACSO, 2001. p. 81-132.

PADILHA, Paulo Roberto et al. (org.). Educação para a cidadania planetária: currículo intertransdisciplinar em Osasco. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2011.

UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a CulturA. Education for Sustainable Development Goals: learning objectives. Paris, 2017.

 

“O Quarto de Jack”: um mundo limitado a um quarto

13/02/2023 08:34

Por Daniely de la Vega

Letras Português

Bolsista – PET Letras

Indicado para Melhor Filme no Oscar do ano de 2016, O Quarto de Jack é uma adaptação do romance Quarto (2010), da irlandesa Emma Donoghue. O filme proporcionou indicações de Melhor Direção e Melhor Roteiro Adaptado para Lenny Abrahamsson e Donoghue, respectivamente –, além da estatueta de Melhor Atriz para Brie Larson. Atualmente disponível para os assinantes dos serviços de streaming Star+ e Amazon Prime Video, a produção apresenta uma trama extremamente densa. O Quarto de Jack pode ser dividido em dois grandes momentos: o primeiro mostra o período de confinamento de uma mulher sequestrada quando adolescente com o filho gerado em uma relação não consensual com o sequestrador; e o segundo ocorre a partir da fuga arquitetada por ela.

Fonte: Google Imagens

Descrição da imagem: Joy segura Jack em seu colo. Joy é uma mulher branca de cabelo castanho vestida com um casaco cinza, e Jack é um menino branco vestido com uma touca cinza com formato de um animal e uma jaqueta de estampa quadriculada em tons de azul e verde. Eles olham um para o outro sorrindo. No fundo, há um céu azul e uma floresta com as dimensões de um cubo.

Joy (Brie Larson) e Jack (Jacob Tremblay) estão reféns em um pequeno quarto sem janelas e com isolamento acústico. Apesar das circunstâncias aterrorizantes vividas por ambos, Joy se empenha em tornar aquele ambiente agradável para o menino, que desconhece a existência de um universo além do quarto em que nasceu e cresceu até os 5 anos de idade. Joy cria um mundo que se limita ao quarto em que estão confinados, tendo cautela para que Jack não perceba que existe um mundo muito mais amplo fora daquele cômodo e, dessa forma, não sofra a frustração derivada do aprisionamento. O drama narrado por Jack mostra a rotina de ambos dentro do cativeiro, sendo o único contato com o mundo exterior as visitas do velho Nick – como mãe e filho chamam o sequestrador –, que leva comida, roupas e outras necessidades solicitadas.

Joy e Jack levam uma vida “normal” dentro de seu mundo limitado àquele quarto, com brincadeiras, sessões de alongamento, hora de contar histórias, dentre outras atividades, até que Joy elabora um plano para que o filho consiga fugir do cativeiro. Depois de conseguirem ser resgatados, eles precisam enfrentar a realidade do mundo real além do quarto. Desse modo, Joy e Jack entram em um processo de adaptação à nova realidade: enquanto Jack trabalha para superar dificuldades de comunicação social e conhecer o mundo do qual foi privado, Joy precisa lidar com seus pais e os traumas que adquiriu depois de ter sua vida interrompida aos 17 anos de idade.

A imersão que o filme produz é surreal, e não somos agraciados com muitos momentos de alívio. Quem se interessa por filmes densos que abordam aspectos psicológicos e filosóficos se apaixonará por O Quarto de Jack. O filme não é fácil de ser digerido, pois ele toca em assuntos extremamente sensíveis, como sequestro, cárcere privado e abuso sexual. A transformação de Joy e Jack é um labirinto de emoções, que arranca nosso fôlego e nos leva às lágrimas em incontáveis momentos.

Confira o trailer oficial:

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