Você conhece uma “Maria Carmem”?

20/12/2021 16:25

Daniely Karolaine de Lavega,
Bolsista PET-Letras
Letras – Português

Uma história narrada por uma criança, mas escrita para adultos.

O livro Se Deus me chamar não vou, escrito por Mariana Salomão Carrara, foi publicado recentemente, em 2019, pela Editora Nós. Em pouquíssimos capítulos, Maria Carmem, a narradora protagonista da obra, é capaz de nos conquistar facilmente com seu olhar fresco e ingênuo — mas surpreendentemente maduro — de criança. Apesar da guerra que ocorre em sua mente acompanhada da negligência parental, ela possui uma comicidade que nos cativa sem demora: “Uma vez numa viagem eu vi uma aranha comendo um vaga-lume que não parava de piscar. […] Será que o vaga-lume pisca de dor? Se eu pudesse brilhar de dor eu seria um escândalo.” (CARRARA, 2019, p. 7).

Maria Carmem é uma pequena aspirante à escritora que auxilia seus pais — mais jovens que a maioria dos pais que ela conhece — no estabelecimento comercial da família, que trabalha com a venda de produtos para o público da terceira idade. É interessante pensar que, segundo Carrara (2019), a menina nasceu no fim. Nós acompanhamos seu cotidiano nos ambientes familiar e escolar, conhecendo seus sentimentos e pensamentos mais complexos. Maria Carmem é uma criança angustiantemente real e luta contra problemas reais; como sua preocupação em relação à falta de prosperidade da loja de seus pais, o bullying diário que a acomete na escola e o medo imensurável de morrer. Envolvida por uma solidão devastadora — que parece ser invisível junto a todo o restante para seus pais —, a menina constantemente desconstrói e reconstrói o mundo em torno de si, estimulando-nos a refletir de verdade acerca de algumas sutilezas da vida: “Acho que existem crianças mais solitárias que os velhos.” (CARRARA, 2019, p. 26).

O livro se assemelha a um diário; gira em torno de Maria Carmem tentando escrever, com o auxílio de sua professora, um livro sobre sua própria história — ela acredita que poderá escrever sobre a história de outra pessoa somente quando se tornar escritora de verdade, depois de praticar bastante. Maria Carmem tem apenas 11 anos de idade, está no 6º ano do ensino fundamental, mas definitivamente não podemos subestimá-la. Entre o sentimento de solidão absoluta, a sensação de não se encaixar em algum lugar e questionamentos acerca da religião e da pressão estética sobre o corpo feminino, a menina pinta com perfeição o período da pré-adolescência.

Fonte: Amazon*

A leitura é emocionante, divertida e, apesar de leve, atinge-nos como um furacão; temos a sensação de estar descobrindo a vida ao lado da personagem, como se tivéssemos retornado à infância. Se Deus me chamar não vou naturalmente constrói uma moradia permanente no interior de nós, por isso Mariana Salomão Carrara parece ser uma promessa da literatura nacional. É impossível acompanhar a transição de Maria Carmem para a adolescência e não se identificar com suas dúvidas, seus medos e suas dores. Crescer é doloroso e deixa cicatrizes para trás. É assombroso o quanto nós nos encontramos na personagem e sofremos com ela. Existem incontáveis “marias carmens” perdidas por este mundo.

Se você não se lembra de ter conhecido uma “maria carmem”, você possivelmente foi uma.

REFERÊNCIA

CARRARA, Mariana Salomão. Se Deus me chamar não vou. 1. ed. São Paulo: Editora Nós, 2019. 160 p.

*Descrição: Uma imagem da capa do livro. Esta possui um fundo rosa com linhas laranjas em diagonal. Acima e centralizado, o título da obra se apresenta em letras minúsculas na cor azul cortado por linhas diagonais em rosa. Abaixo e centralizado, o nome da autora se mostra em letras maiúsculas na cor branca. No canto inferior direito da capa, sobre uma pequena faixa azul, o nome da editora aparece em letras maiúsculas na cor branca.

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O apagamento histórico das mulheres na ciência

15/12/2021 15:09

Isabella Flud,
Bolsista PET-Letras
Letras – Português

Se o assunto for “os maiores cientistas do mundo”, já sabemos que nomes como Albert Einstein e Charles Darwin com certeza serão citados durante a discussão. Entre ícones mais contemporâneos, ainda temos figuras como Carl Sagan e Stephen Hawking, todos eles são ícones extremamente relevantes para a ciência da humanidade. Mas você já parou para pensar quantas mulheres foram apagadas durante a história da ciência? Seja em qualquer nacionalidade ou área de estudo, como exatas, humanas ou biológicas.

Ícones mundiais como Elizabeth Blackwell e Marie Curie possuem um pouco mais de visibilidade, apesar de não conhecerem, especificamente, o legado de cada uma. Elizabeth Blackwell (1821-1910) foi uma médica britânica, considerada a primeira mulher que se formou em medicina nos Estados Unidos e a primeira mulher a ter registro médico no Conselho Médico Geral. Junto de sua irmã, abriram a New York Infirmary for Indigent Women, uma clínica que atendia mulheres indigentes e com vulnerabilidade socioeconômica, além de também terem fundado duas escolas de Medicina destinadas às mulheres, a Woman’s Medical College e a London School of Medicine for Women.

Já Marie Curie foi uma física e química polonesa, com naturalização francesa, foi a primeira mulher a estudar as partículas radioativas. Descobriu os elementos químicos urânio, polônio e o rádio. Além de entender como os efeitos radioativos podem ser prejudiciais para o corpo humano, também difundiu o uso de rádio durante o tratamento de câncer, a conhecida radioterapia. Foi a primeira mulher que ganhou dois prêmios Nobel, um na área de Física e outro na área da Química.

Já sabemos que o número de pesquisadores vêm aumentando no país, mesmo em meio às dificuldades, como a falta de investimento e a frequente interrupção ou corte de bolsas. O Brasil não é favorável para o pesquisador brasileiro, ainda mais se o seu gênero é feminino. Nos dados abaixo, exponho as áreas da ciência em que as mulheres do Brasil são maioria, de acordo com o relatório “A jornada do pesquisador através de lentes de gênero (2020 p.158), elaborado pela empresa Elsevier, uma das maiores dominantes mundiais das publicações científicas, investigou a participação ativa de pesquisadores em 15 países, incluindo o Brasil.

Tabela 1: As áreas da ciência em que as mulheres do Brasil são maioria

Área Gênero Percentual
Bioquímica Feminino 52.7%
Masculino 47.2%
Enfermagem Feminino 73.0%
Masculino 26.9%
Farmacologia Feminino 57.6%
Masculino 42.3%
Imunologia e Microbiologia Feminino 57.7%
Masculino 42.3%
Medicina Feminino 52.7%
Masculino 47.2%
Neurociência Feminino 54.3%
Masculino 45.6%
Odontologia Feminino 52.4%
Masculino 47.5%

Fonte:  Elsevier Gender Report (2020 p. 158)

Para mudar este cenário a Assembleia Geral da ONU definiu o dia 11 de fevereiro como o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, com o intuito de reconhecer e incentivar a participação feminina na ciência. A partir desta temática tão importante, te convido a conhecer uma história em quadrinhos que exalta o protagonismo negro e feminino na ciência brasileira, “Meninas e Mulheres na Ciência”, que conta a história de uma menina negra que sonha em ser cientista e traz diversos aspectos do cotidiano brasileiro.

Fonte: Divulgação*

Seguimos pesquisando, seguimos resistindo!

Referência:

ELSEVIER. The Researcher Journey Through a Gender Lens, Amsterdam, 2021, p. 158. Disponível em <https://www.elsevier.com/__data/assets/pdf_file/0011/1083971/Elsevier-gender-report-2020.pdf> Acesso em dez 2021.

 

*Descrição: Uma imagem na vertical, fundo mesclado em rosa, azul e roxo com três pessoas. O título “meninas e mulheres na ciência” aparece no topo da imagem, na cor branca, com destaque para a palavra “ciência” que está na cor preta e amarela. A primeira é uma menina branca com cabelo liso e castanho, de franja, camiseta rosa e short verde, com uma mão em cada bochecha, demonstrando alegria. A segunda pessoa é uma mulher negra com cabelo crespo bem escuros, usando um jaleco, camiseta verde e calça jeans, está segurando um tubo de ensaio com um líquido verde por dentro enquanto sai fumaça. A terceira pessoa é um menino branco, cabelo curto e escuro, usando uma camisa polo vermelha, está segurando uma parte de uma parede e não aparece por inteiro.

 

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O Humano e a Terra: uma relação abusiva

03/12/2021 12:36

Débora Klug,
Bolsista PET-Letras
Letras Português

Recentemente ganharam espaço, nas ruas, alguns movimentos de jovens e de estudantes que se preocupam com seu futuro: se terão uma Terra habitável para viver. Movimentos inspirados na liderança de Greta Thunberg — que organizou e fundou o Fridays For The Future, conhecido no Brasil como Greve pelo Clima — foram às ruas protestar contra as mudanças climáticas, e exigir alguma posição decisiva dos governantes em relação à contenção do aquecimento global.

Foto de um protesto pelo clima.
Fonte: OutrasPalavras*

Sobre as formas de ver e de interpretar o contato conturbado que se mantém com a Natureza, Ailton Krenak, indígena brasileiro, faz, em “Ideias para adiar o fim do mundo” (2020), críticas ao senso comum de que as culturas indígenas não teriam nada para contribuir ao pensamento e à filosofia contemporâneos. Essa forma de ver a cultura é uma herança direta dos séculos de colonização e extermínio dos povos nativos de Pindorama — nome em Tupi que se dava ao Brasil —, ações que foram motivadas pela noção de uma humanidade esclarecida que teria o dever de ir ao encontro de e civilizar outra sub-humanidade, mostrando-a o caminho para o jeito certo de estar na Terra. Hoje, com pesquisas e estudos sobre a cultura no século XX e XXI, percebemos como essas ideias são perigosas e como motivaram ações maléficas para com seres humanos de culturas apenas distintas do seio europeu, e não inferiores ou erradas.

Entretanto, a ideia de uma humanidade ainda é consenso na atualidade, e é aqui que reside uma das principais críticas de Krenak: à noção de humanidade como um grupo seleto e unitário, que se distingue essencialmente do que não faz parte dele. Tudo o que não é humanidade é coisa, e se colocarmos a Natureza na equação, além de coisa, ela é ainda recurso, que abertamente se explora para fins do progresso desse grupo distinto chamado humanidade. E bem sabemos que essa exploração desenfreada tem afetado, de maneira bruta e irreversível, diversos âmbitos do ecossistema terrestre.

Krenak atenta, em seu livro, para essa relação alienada do homem com a Terra, que acarreta uma série de abusos praticados contra a Natureza. Para o autor, é absurda a ideia de um homem descolado da Terra, sem relação direta com o ambiente que o envolve, e que é o que, única e exclusivamente, permite a existência do ser humano; essa noção de separação, e de desrespeito com a Natureza, é absurda para diversas culturas indígenas: como para os Krenak, povo da região do Vale do Rio Doce, que sempre viram o Humano e a Natureza integrados, com relações familiares. O rio é seu avô, as montanhas e pedras são suas irmãs. Essa forma de pensar subverte a lógica da coisificação do não humano e, por consequência, não permite a relação abusiva do homem com a Terra. Sendo assim, a extração desenfreada dos recursos naturais seria uma afronta grave. Percebe o quanto isso bate de frente com as lógicas de produção e desenvolvimento capitalistas? E esse é só mais um motivo para alimentar o desprezo pelas culturas indígenas. A humanidade, a personalização que essas culturas dão à natureza não é interessante para manter um status quo de desenvolvimento. E, por isso, o que se mantém é o extermínio: de culturas, de pessoas e da Terra.

“Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista. Do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferente graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos.” (Ideias para adiar o fim do mundo, 2020, p. 49-50)

Krenak apresenta como as culturas indígenas contribuem para as novas formas de pensar a relação com a Natureza e diz o quanto isso é urgente. A preocupação de jovens, como a Greta, não é coisa pouca, mas, na verdade, uma preocupação de sobrevivência. Quanto tempo a Terra vai aguentar os nossos abusos? E o que será de nós quando essa relação chegar ao fim?

Foto de Ailton Krenak
Fonte: Valkirias**

Referência
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

*Descrição da Imagem: Em um espaço aberto, na rua, um grupo muito grande de pessoas reunidas segurando cartazes com diversas escritas. Em primeiro plano, cerca de dez pessoas, seguram, em frente ao corpo, um grande banner na horizontal escrito em letras pretas e verdes: #capitalismo não é verde. Nos outros planos é possível ver mais cartazes coloridos e feitos à mão com escritas em português e em inglês como: faz pelo clima; save the earth; go vegan; there´s no planet B.

**Descrição da Imagem: A foto, em preto e branco, de um homem indígena (Ailton Krenak) com o rosto voltado para a esquerda. Ele tem na cabeça um cocar que possui ao redor da testa uma tira fina de desenhos em linhas geométricas e, acima disso, retângulos brancos  e pequenos enfileirados um do lado do outro. Ao redor da orelha e na nuca vê-se cabelos curtos e escuros. O rosto não possui barba. O fundo é laranja, na direita tem um semicírculo de cor laranja mais escura, e na esquerda um semicírculo menor com o contorno pontilhado em branco. Saindo de trás do ombro esquerdo do homem tem uma flor e folhagem em rosa e branco. No ombro esquerdo tem uma folhagem, também em rosa e branco.

 

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A Academia Brasileira de Letras e a subversão do cânone

23/11/2021 10:57

Moara Zambonim,
Bolsista PET-Letras
Letras Português

Fundada em 1897, a Academia Brasileira de Letras (ABL) teve sua primeira integrante mulher apenas 80 anos depois dessa data. Raquel de Queiroz, mulher nordestina, ingressa em 1977 na Academia. Recentemente, Fernanda Montenegro ingressou na ABL, que tem aberto espaço para outros tipos de manifestação cultural, na tentativa inclusive de incorporar expressões artísticas populares. Em entrevista a Malu Gaspar, a atriz comenta:

“Já não teve nenhuma mulher [na academia]. Isso [mulheres ocupando cadeiras na ABL] não vai parar. Vai chegar uma hora que talvez tenha mais mulheres do que homens. Certamente, a chegada das mulheres vai ter força e será aceito. É do tempo atual, da justiça em torno da existência humana.”

Outro ingresso recente na ABL foi o de Gilberto Gil, dentro da mesma ideia de abertura para outras artes. Ele comentou sobre a importância de haver mais pessoas negras ocupando esses lugares e também disse, à Folha, que, na juventude, fazia muitas críticas a essas estruturas canônicas, inclusive tendo uma postura antiacademicista. Gil relembra que, nessa época,], sua geração enxergava a ABL como uma “referência passadista”, mas que, hoje, consegue entender a “dimensão da importância” dela.  Relembrando a sua trajetória e a revisão de valores da juventude à velhice, Gil comenta: “É preciso ter apreço por isso”.

Gilberto Gil e Fernanda Montenegro*
Fonte: imagem da internet

Há quem defenda a total extinção da Academia e da estrutura canônica literária que obviamente refletem construções sociais, seus valores, seus preconceitos. Segundo esse ponto de vista, esse perfil acadêmico corrobora para a permanência dessas estruturas hoje entendidas como carentes de revisão crítica — seus espaços simbólicos afirmam a hegemonia masculina, de caráter sexista e racista. Mas, ao repensarmos a construção do cânone literário, observamos que se abre caminho no sentido de inserir mais personalidades que, à margem do sistema social e/ou cultural, tiveram suas vozes silenciadas ao longo da história.

O ingresso desses dois representantes na Academia Brasileira de Letras confirma essa abertura e ratifica o prestígio não somente deles, mas, também, da área em que atuam.  Uma das maneiras, que entendo bastante positiva, para que essa caminhada, realizada com critério, avance, atingindo a todas as camadas da sociedade, é difundir nas escolas as obras que novos integrantes produzem, seja no campo da literatura, das artes cênicas, da música ou outras. Dar visibilidade a novos objetos culturais de valor e a seus autores é, a meu ver, um grande passo para uma sociedade mais justa e humanizada.

* Descrição da imagem:  Fernanda Montenegro, uma senhora branca, com cabelos curtos brancos e óculos de armação branca, está de terninho azul em pé ao lado de Gilberto Gil, um senhor negro com cabelos curtinhos grisalhos, de terno branco. Eles estão de máscara e olhando para o lado. Percebemos que eles estão dentro de um prédio, o da ABL, o chão é de azulejo e as paredes são cinza com janelas quadradinhas. Ao fundo, estão algumas cadeiras encostadas na parede.

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Animação como crítica social na obra de Hayao Miyazaki

17/11/2021 09:46

Mirelle Araujo Ehrardt,
Bolsista PET-Letras
Letras – Alemão

Se você é fã de animações, provavelmente, já ouviu falar do Studio Ghibli. Fundado em 1985, o estúdio de animação japonês reúne uma vasta lista de obras riquíssimas em detalhes, tanto no aspecto visual, todo feito à mão, quanto com relação ao conteúdo de suas produções. Assistir aos filmes da franquia é sempre uma experiência de adentrar mundos mágicos e fascinantes, que ultrapassam as barreiras da realidade, mas que ainda possibilitam reflexões complexas, sobre o mundo real, e críticas ao presente, provando que desenhos animados não foram feitos apenas para crianças.  Nos 36 anos de existência do estúdio, suas narrativas — que contam, em sua maioria, com protagonistas femininas fortes e corajosas, que estão dispostas a lutar pelo que acreditam, e com tramas que tematizam, principalmente, as relações da humanidade com tudo que a rodeia — marcaram a indústria de animação, além de conquistarem vários prêmios no mercado cinematográfico.


O Castelo Animado (2004)
Fonte: Imagens da Internet.*

O grande responsável pela genialidade e sucesso do estúdio é o diretor, roteirista, escritor e animador: Hayao Miyazaki, cofundador do estúdio. Nascido em janeiro de 1941 e filho de um fabricante de peças de aviões de combate, Hayao vivenciou diretamente, desde a infância, os traumas da Segunda Guerra Mundial no Japão, os quais foram marcados pela saída de sua família de sua cidade natal, em 1944, e pelo bombardeio da cidade em que se encontravam no ano seguinte. Tais experiências de vida revelam-se, posteriormente, em sua obra, as quais podem ser demonstradas pela presença constante de variadas aeronaves fantásticas e, sobretudo, pela sensibilidade das animações, do fator humanista e pacifista dos escritos.

Entre temas recorrentes está a relação humana com a natureza e com a tecnologia, no que se refere, principalmente, à destruição do meio ambiente e à valorização da natureza. Em Nausicaä do Vale do Vento, por exemplo, filme de 1984 e uma das primeiras produções do estúdio, somos apresentados a um universo em que a devastação humana promovida pela luta contra os animais, criaturas chamadas de “Ohmus”, as quais são vistas pelos humanos como monstruosas, fizeram com que as comunidades humanas fossem restringidas a limitados espaços em que ainda se podia respirar ar puro, sem a presença de máscaras, pois o resto do planeta fora tomado por gases venenosos, os quais são despejados pelos Ohmus quando ficam enfurecidos. A personagem principal, Nausicaä, é, no filme, a primeira humana a enxergar humanidade nas criaturas e a defendê-las, o que evidencia tanto o papel de protagonismo feminino, em que a mulher assume o papel de liderança (inédito para a época, em contraste com o papel desempenhado por elas em outras produções, como nos filmes de princesas da Disney), quanto a crueldade humana com relação aos animais. Outro exemplo de protagonismo feminino ligado à defesa da natureza pode ser encontrado em Princesa Mononoke (1997), em que a protagonista representa o elo de ligação entre os humanos e os deuses da floresta e luta para protegê-la da destruição causada por uma vila de mineiros fabricantes de armas.


Nausicaä do Vale do Vento (1984)
Fonte: Versatille**

Entre outros temas, podemos citar: as críticas à lógica de consumo do sistema capitalista e o desaparecimento da identidade em A Viagem de Chihiro (2001), o qual recebeu o Oscar de melhor filme de animação, em 2003; além da defesa de uma sociedade pacífica e críticas aos horrores da guerra, encontrados, por exemplo, em O Túmulo de Vagalumes (1988). Há ainda tantos outros exemplos, mas o que se destaca mesmo na obra de Miyazaki é a humanidade e sensibilidade com que temas tão complexos e necessários são trabalhados, além da beleza das animações.

Felizmente, grande parte das obras foi disponibilizada no catálogo da Netflix, o que facilitou o acesso para o público brasileiro. Não deixe de conferir!

*Descrição da Imagem: Em primeiro plano, no centro da imagem, encontra-se uma jovem, voltada para a direita, com cabelos brancos ao vento e uma blusa de manga comprida azul. Com os olhos fechados, ela beija outro personagem, um foguinho, o qual está na palma de suas mãos e também tem os olhos fechados. Ao fundo, vê-se um vale com muitas árvores e rios e, mais atrás, uma cadeia de montanhas e o céu azul-claro repleto de nuvens branquinhas.

**Descrição da Imagem 2: A personagem principal, Nausicaä, recolhe esporos de uma planta brilhante. Ela tem o cabelo ruivo e usa um capacete azul e uma máscara vermelha, que cobrem quase completamente seu rosto, veste roupas e luvas azuis. Nas mãos, ela segura um tubo para amostras.

Para saber mais:

Studio Ghibli Brasil. Disponível em: https://studioghibli.com.br/. Acesso em: 15/11/2021

 

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Memória lésbica brasileira e consciência de grupo: um resgate

03/11/2021 09:06

Sofia da Silva Quarezemin,
Bolsista PET-Letras
Letras Português

Você já ouviu falar em Cassandra Rios ou no Grupo de Ação Lésbica Feminista? Essas foram mulheres que marcaram a história das lésbicas no Brasil e foram protagonistas de importantes movimentos de resistência à hegemonia patriarcal. Então, por que não temos contato com essas referências?

Em todos os âmbitos, as mulheres lésbicas sofrem silenciamentos que se firmam na impossibilidade de acessar espaços de destaque, mas é, principalmente, nos campos das artes e das políticas públicas que tais apagamentos mostram uma de suas faces mais perversas: a violação da memória das lésbicas como grupo.

Para mim, é notável a alegria que brilha nos olhos das adolescentes quando reconhecem e se reconhecem em uma lésbica de mais idade. Isso evidencia a falta como característica comum às lésbicas mais jovens, a carência de referências que provem que mulheres como essas podem ser bem sucedidas no que fazem. É a euforia de saber que existem mais de nós por aí: vivendo, trabalhando, comendo, rindo e chorando. Vivendo a vida como ela é.

Falamos de romances de Guimarães Rosa e não lemos Cassandra Rios: a autora que mais vendeu livros no Brasil dos anos 1970 e, também, a que mais foi censurada pela ditadura militar .

Falamos da Guerrilha do Araguaia, falamos do MR-8 e das Diretas Já!, mas não lembramos do GALF  (Grupo de Ação Lésbica Feminista), que organizou uma rebelião lésbica contra a repressão do governo militar  de João Figueiredo.

Falamos em mídia alternativa e independente, mas não falamos das dezenas de escritoras lésbicas organizadas na publicação da Revista Chana com Chana, veículo de poemas, artigos de opinião e chamadas para ação direta.

Na realidade, não celebramos a cultura lésbica porque ela nos foi tirada, reduzida a fragmentos e trancada em uma cela.

Fonte: Bajubá Memória LGBT*

Apesar do apagamento histórico, o cenário contemporâneo lésbico no Brasil é de resgate. Em 2008, foi fundada no Brasil a primeira editora latinoamericana voltada, exclusivamente, para publicação de autoras e autores LGBT, a Brejeira Malagueta. A editora foi fechada, em 2015, por conta da dificuldade de manter publicações independentes, mas ainda é possível comprar os livros pelo site! Um dos livros, “Frente e Verso: Visões da Lesbianidade”, é uma incrível coletânea de textos de opinião sobre a vivência das lésbicas no Brasil, um material riquíssimo para pensar o cenário lésbico na década de 2010.

Temos ainda, em mídias digitais, iniciativas de mulheres, organizadas em grupos, para promover conhecimento e debates sobre as produções de autoras lésbicas, dentre as quais temos: livros, filmes, teorias críticas e materiais nos mais diversos suportes, como arte urbana e intervenções performáticas. Nesse sentido, algumas das iniciativas que valem a pena conhecer no âmbito político e cultural são o Arquivo Lésbico Brasileiro, o Clube Lesbos e o Memória Lésbica. Além disso, nos últimos meses estamos acompanhando o lançamento da primeira iniciativa de mapeamento de mulheres lésbicas do Brasil, o LesboCenso, que busca coletar dados socioeconômicos e demográficos, abordando temas como saúde, violência, educação, trabalho e relações familiares. Qualquer lésbica pode responder ao censo e contribuir para alterar o cenário de subnotificações de crimes, violação de direitos e da falta de políticas públicas específicas para lésbicas.

Por fim, esse é um convite às lésbicas, e, também, às pessoas que não são lésbicas, para que conheçam e promovam as ações políticas e culturais produzidas por esse grupo tão diverso e cheio de possibilidades. Faça parte dessa iniciativa de resgate da nossa identidade e da memória daquelas que vieram antes de nós!

*Descrição: Temos um fundo infinito dividido nas cores azul (esquerda) e preto (direita). À esquerda, há uma escada de metal preta, sobre a qual estão apoiados diversos livros. No centro da imagem, está Cassandra Rios, uma mulher de estatura mediana, magra, branca, com ombros largos e quadris retos, cabelos ruivos e cortados na altura das orelhas. Ela está olhando para a câmera de frente, as mãos nos quadris, as pernas afastadas, com um olhar sério e a cabeça inclinada para baixo à direita. Usa sapato preto, calça e camisa jeans claras, além de um cinto preto com fivela. No chão, sobre fundo preto, temos diversos livros de sua autoria espalhados à sua frente, além de uma jaqueta jeans jogada ao lado direito.

 

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Você já assistiu ao filme: E seu nome é Jonas (1979)?

27/10/2021 17:36

Ananda Gomes Henn,
Bolsista PET-Letras
Letras Português

Procurando por um filme que seja bom de assistir e que, ao mesmo tempo, te faça refletir sobre questões importantes? Tenho a recomendação certa para você! O filme E seu nome é Jonas, lançado em 1979, nos Estados Unidos, com direção de Richard Michaels e roteiro de Michael Bortman, retrata a volta do menino Jonas para a casa de seus pais depois de ter passado três anos internado em um hospital para pessoas com deficiência intelectual. Jonas, que é surdo, havia sido diagnosticado incorretamente em decorrência de sua dificuldade em se comunicar. O filme apresenta, a partir de sua volta para o convívio familiar, as dificuldades e frustrações encontradas por uma criança surda em uma sociedade que encara a deficiência como algo a ser medicalizado e superado.

Fonte: Imagem da Internet.*

No decorrer do filme, percebemos como a família lida com a surdez de Jonas e acompanhamos a forma como o relacionamento de Jonas com seus pais é marcado pela barreira comunicativa causada pela falta de uma língua em comum, já que o menino não compreende o inglês falado pela família e também é privado de aprender a língua de sinais americana (é isso mesmo, nos Estados Unidos os surdos usam a língua de sinais americana, ASL, e, aqui, no Brasil, temos a Libras, língua brasileira de sinais).

O pai rapidamente se frustra com a incapacidade do filho de entender as regras de convívio da casa e se sente incomodado pelas situações constrangedoras que passa com colegas e vizinhos devido às diferenças do filho. Embora haja carinho e amor por parte do pai, em certo ponto da narrativa, ele desiste de querer Jonas em casa e confessa que acha que talvez fosse melhor ele ter continuado no hospital entre os “seus”, visto que, para ele, Jonas não pertence ao mundo dos ouvintes, das pessoas consideradas “normais”. A surdez do filho é encarada por ele como uma linha divisória que coloca Jonas para fora de seu mundo — ele, por ser surdo, é irrevogavelmente Diferente.

Enquanto o pai de Jonas não consegue ignorar as diferenças do filho, a mãe de Jonas inicialmente apresenta uma atitude de negação, incessantemente tentando ajudar o filho a “superar” sua surdez e entrar no mundo dos ouvintes. Ela encara a surdez, portanto, como um problema a ser resolvido e, logo, o matricula em uma escola oralista que proibia o uso de sinais e de gestos para comunicação, começando então o esforço para que Jonas pudesse aprender a falar o inglês. Segundo a diretora da escola, “[…] se ele usar os sinais e não aprender a falar ou a ler lábios, quando ele crescer, só se comunicará com os surdos. […] Infelizmente, o mundo é dos ouvintes. Infelizmente para os surdos”. Se estabelece, assim, uma situação de privação da língua, visto que Jonas é impedido de alcançar desenvolvimento semelhante ao das crianças ouvintes por não ter acesso a uma língua plena.

Quer saber o que acontece depois? Vai ter que assistir ao filme! Ele tem um final bastante emocionante e bonito, além de ser uma história que com certeza vale a pena conhecer. Prepara a pipoca e aproveita que o filme está disponível na íntegra no Youtube dublado e legendado.

*Descrição da imagem: Cartaz de divulgação do filme. Fotografia de um menino branco de cabelos loiros — Jonas — andando em uma bicicleta, abaixo da escrita “AND YOUR NAME IS JONAH” (em português, “E seu nome é Jonas”). Jonas veste um casaco verde, branco e azul, calça jeans, e sorri sentado em uma bicicleta azul. Ao fundo, nota-se um prédio de tijolos à vista com duas portas brancas.

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AFINAL, O QUE É O AMOR? Um diálogo com bell hooks

20/10/2021 18:52

Mayumi Motta Esmeraldino,
Bolsista PET Letras
Letras – Francês

Vivemos em uma sociedade que está sempre à busca do amor. Seja ele romântico, parental, espiritual ou, até mesmo, o amor-próprio. Nos deparamos, por incontáveis vezes, ao longo da nossa vida, com filmes, músicas, livros, obras de arte e até crenças religiosas que nos ditam o que é o amor e como devemos amar. Por isso e por outros motivos, o amor passa a ser o centro de todas as nossas angústias, anseios, medos e desejos.

Quer a gente se identifique como pessoas amáveis e que amam intensamente, quer a gente se identifique como pessoas com um perfil mais cético, que vê o amor como uma equação e que diz não precisar dele; a verdade é que, cada um de nós, quando se depara com o amor, se dá conta de que aquilo que deveria ser amor, talvez não seja. Ainda que, mesmo com tantos ensinamentos, no fundo, nós não saibamos realmente amar, pois sequer sabemos o que de fato é o amor.

bell hooks em seu livro Tudo Sobre o Amor: novas perspectivas traz inúmeras e interessantíssimas reflexões sobre o amor e sobre a sua relação com a sociedade. Com toda sua genialidade, a autora mostra, mais uma vez, que política é tão inerente à existência humana que podemos vê-la, até mesmo, quando o assunto é amor.

Fonte: capa do livro retirada da internet*

No decorrer de treze capítulos, em que cada um deles nos mostra uma forma de manifestação do amor, a autora traz uma reflexão importante a todos nós. Desde muito cedo, ouvimos e aprendemos a falar “eu te amo” para aqueles que deveríamos amar; utilizamos “amor” como apelido carinhoso; e colocamos a palavra em todas as nossas ações, sem antes entender o que é amor. Uma vez que aprendemos a palavra (“amor”), continuamos dizendo “eu te amo” em diversas situações, para diferentes pessoas, até que, em algum momento, a força da palavra perde a sua real essência e o “eu te amo” passa a ser algo quase banal.

Será que uma mudança de definição ortográfica teria o poder de mudar a maneira como entendemos o amor? bell hooks, logo nas primeiras páginas de seu livro Tudo Sobre o Amor, Novas Perspectivas, nos instiga a pensar que se parássemos de conceituar o amor como substantivo, mas, sim, como verbo, talvez chegássemos mais perto do que o amor realmente pode ser. Para isso, ela cita a definição do psiquiatra “M. Scott Peck”

“O amor é o que o amor faz. Amar é um ato de vontade — isto é, tanto uma intenção como uma ação. A vontade também implica escolha. Amar é um ato da vontade”. (citado por hooks, p. 47).

A partir dessa citação, já fica claro que a autora não só descontrói as concepções comuns sobre o que é amor, mas nos leva a desconstruirmos e reconstruirmos o amor em nós mesmos. Construir o significado de amor em cima de definições errôneas, ou de definição nenhuma, torna muito difícil nos tornamos seres amorosos e amarmos ao próximo quando amadurecemos. Sendo assim, essa não é uma questão que atinge apenas a nossa individualidade. Ao nos construirmos como indivíduos que não compreendem o amor, construímos uma sociedade que também não sabe como amar.

E você, já se perguntou o que é amor?

Se sim, convidamos você a entrar nesse diálogo com bell hooks; se não, que tal aproveitar essa pergunta para iniciar suas reflexões e se preparar para dialogar com ela.

 

Referência:

hooks, bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. tradução Stephanie Borges. São Paulo: Efefante, 2021. 272p.

*Descrição da imagem: Fundo verde musgo com a capa de um livro de bordas arredondadas ao centro. a capa do livro tem fundo na cor vermelha e está escrito em roxo, ocupando mais da metade da capa, “bell hooks”, logo abaixo, na cor creme: “tudo sobre amor”; e abaixo da palavra “amor” está escrito, em branco: “novas perspectivas”.

 

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Quem seremos nós quando a pandemia acabar?

15/10/2021 13:29

Vítor Pluceno Behnck,
Bolsista PET-Letras
Letras – Inglês

Há algum tempo, eu estava conversando com uma amiga sobre as coisas que deixei de fazer antes da pandemia e o quanto me arrependia por não as ter feito: participar do carnaval, pela primeira vez; iniciar a natação;  ir em mais festas e ao bar; sair com o namorado para o cinema… A lista de arrependimentos e vontades que ficaram para trás aumenta ao passo em que a pandemia não finda. E a ansiedade, potencializada pela vida estagnada há quase dois anos, se agrava. De acordo com a segunda edição da pesquisa “Juventudes e a Pandemia do Coronavírus”, do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), seis a cada 10 jovens  entrevistados relataram terem sentido ansiedade e usado exageradamente as redes sociais, durante a pandemia; e, outros 51%, também, apontaram que sentiram exaustão ou cansaço.

Fonte: Arquivo pessoal do autor*

Você, leitor, provavelmente, se vê nesses dados, assim como eu: do dia pra noite, não havia perspectiva de futuro. A vida se resumiu ao se isolar dos outros, resultando no isolamento de nós mesmos, pois a falta de convivência dificulta as trocas sociais que constituem nossas subjetividades. De repente, a satisfação de nossos desejos foi suspensa e adiada ad infinitum, sem previsão de voltar, gerando frustração, angústia e tristeza. Em um país como o Brasil, que chegou a registrar três mil mortes diárias por conta da COVID-19, qual o espaço que sobra para a preocupação com o bem-estar emocional da juventude? O que sobrará de nós e quem seremos nós quando a pandemia acabar?

O mal-estar geracional causado pela pandemia certamente persistirá nas entrelinhas da nossa sociedade. O descontentamento, o isolamento e a súbita virtualização da vida trarão impactos significativos nos nossos modos de vida e de consumo, constituindo novas problemáticas, no que diz respeito à saúde mental coletiva e a maneira com que nos relacionamos e vivemos em comunidade. Por ora, me apego a um conselho muito sábio que uma amiga me deu durante uma de nossas conversas: “tudo poderá ser melhor, como nunca foi”. Queridos leitores e amigos: nós sairemos dessa! Pularemos em festas, beberemos cerveja na mesa do bar, suaremos muito, nas imensas filas do Restaurante Universitário. Faremos tudo o que queríamos poder ter feito e o que ainda não sabíamos que queríamos. Tudo poderá ser melhor, como nunca foi. E com certeza será!

*Fotodescrição: imagem de uma placa de concreto com o logotipo da UFSC. A placa está suja, com a pintura desgastada, e repleta de fungos, como líquens, e algumas outras plantas acopladas em toda a placa. Ao fundo, é possível ver árvores e, ao lado direito, um prédio da UFSC, com uma pessoa caminhando na calçada.

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Através dos olhos de Rigoberta Menchú

11/10/2021 14:23

Sarah de Carvalho Ortega,
Bolsista PET Letras
Letras – Espanhol

Você já ouviu falar sobre Rigoberta Menchú? Mulher que, apesar de ter realizado inúmeras ações dignas de reconhecimento, ainda permanece oculta. Uma das poucas ganhadoras do Nobel da Paz, Menchú revolucionou a história guatemalteca. Com o intuito de compartilhar mais sobre sua trajetória, segue uma breve apresentação de uma das obras dedicadas a ela.

O livro “Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació mi conciencia”, escrito por Elizabeth Burgos, dedicou-se a narrar a vida de Rigoberta, de maneira sensível, levando o leitor a conhecer parte da cultura quiche e, sobretudo, as diferentes violencias simbólicas sofridas pelos indígenas. Tal obra não se minimiza a uma mera biografia, mas fala sobre a vida de uma comunidade expressa de maneira subjetiva e complexa.

Fonte: Imagem da Internet*

É válido ressaltar que o livro foi produzido de forma distinta: Rigoberta, nascida em 1959, um ano antes da Guerra Civil da Guatemala (1960-1966), conta oralmente sua história no idioma espanhol, uma língua que começou a estudar há apenas três anos. Enquanto narrava partes de sua vida, a escritora gravou audios de maneira que, pode preservar na escrita a forma e as estruturas linguísticas utilizadas. Mais além, o livro está dividido em trinta e três capítulos que objetivam expor momentos de sua vida desde a infância, compartilhando práticas culturais de sua comunidade, até o início de sua militância na história da Guatemala.

Ao longo da leitura, Rigoberta relata a relação do indígena com o trabalho, desde os produzidos na comunidade até os das Fincas — terras pertencentes a famílias ricas, responsáveis pela exploração em massa e, por consequência, pela morte de muitos indígenas. Nestes capítulos iniciais, a narrativa foca em descrever a relação de sua comunidade com a natureza, as relações sociais e suas tradições, contrastando-as com as relações familiares dos ladinos.

Posteriormente, é possível observar na história de Menchú seu crescimento político tendo como exemplo seus familiares, abarcando o desenvolver nas ações de militância e da própria consciência das múltiplas violências as quais foi submetida. Ao fim, é inegável concluir que o livro de Rigoberta envolve o leitor em sua narrativa, convidando-o a inúmeras reflexões, uma obra essencial para a compreensão da história da Guatemala e, portanto, dos povos indígenas.

*Foto Descrição: Na foto, o rosto Rigoberta Menchú, uma mulher indígena de pele parda, veste uma blusa colorida com estampas bordadas e usa um colar vermelho com uma grande medalha de cor prata e usa, também, um brinco de pedrinhas brancas. Tem seus cabelos, pretos e lisos, presos, e sobre a cabeça um lenço com listras de diversas cores. Ao fundo, há uma parede de tom bege claro. Seu olhar está direcionado para o canto direito e esboça um sorriso.

 

 

 

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