O que eu aprendi com bell hooks
Vítor Pluceno Behnck,
Bolsista PET-Letras
Letras – Inglês
Da Pedagogia Engajada ao ensino e aprendizagem sem limites, os catorze ensaios do livro Ensinando a Transgedir, escrito pela norte-americana bell hooks (assim mesmo, em letras minúsculas), apresentam diversos e ricos posicionamentos e relatos acerca da pedagogia crítica. Nesse texto, busco traduzir em palavras alguns dos tantos ensinamentos que esta obra me trouxe — e tentarei demonstrar o porquê acredito que essa seja uma obra indispensável para qualquer educador no século vinte e um.
Primeiramente, é interessante ressaltar como a história pessoal da autora se intersecciona com o ideal norteador de toda sua obra: o pensamento crítico. Um fato marcante, em sua história, é que hooks frequentou a educação básica nos Estados Unidos durante o regime de segregação social, como ela comenta na Introdução de Ensinando a transgredir:
essa transição das queridas escolas exclusivamente negras para escolas brancas onde os alunos negros eram sempre vistos como penetras, como gente que não deveria estar ali, me ensinou a diferença entre a educação como prática da liberdade e a educação que só trabalha para reforçar a dominação. (hooks, 2020, p.12).
Mais tarde, na universidade, hooks relata seu espanto com seus professores reforçando a ideia de que o objetivo principal da educação era aprender obediência e autoridade. A partir dessa experiência avassaladora, a autora começou a escrever seu primeiro livro durante a graduação, o que a levou para a perspectiva da pedagogia engajada e à noção de que havia — e adiciono, ainda há — uma séria crise na Educação.
hooks foi profundamente tocada pelo trabalho de Paulo Freire e Thich Nhat Hanh, que a influenciaram a combater o sistema bancário de educação[1]. Assim, a autora propôs um modelo educacional holístico, considerando que a sala de aula “será também um local de crescimento para o professor, que será fortalecido e capacitado por esse processo” (hooks, 2020, p. 35). Deste modo, ela reforça a ideia da “do-discência” proposta por Freire (2021), em que o professor aprende ao passo que ensina, e os estudantes ensinam ao passo que aprendem.
Como pontuei anteriormente, acredito que a Educação — sobretudo no Brasil — enfrenta uma severa crise. E não se trata de uma crise somente de recursos ou políticas públicas, mas uma crise ideológica. Forças políticas nefastas declaradamente autoritárias minam o sistema educacional já precarizado, impondo perspectivas neoliberais que exacerbam as desigualdades mascaradas pelo discurso simplista e meritocrata.
Portanto, hooks é voz dissidente desse projeto de educação bancário e desigualitário. Entender a educação como prática de liberdade é um passo essencial para a formação de “do-discentes” críticos e engajados com a realidade de seus estudantes, tornando a sala de aula um espaço que acolha os indivíduos em sua totalidade, e não como meros projetos de mão-de-obra qualificada. hooks nos permite transgredir a “coisificação” de toda uma classe que merece ser tratada com boniteza e consciência. Ensinar a transgredir é preciso, e mais do que isso: é cada dia mais urgente.
Fonte: Querido Clássico, 2022.*
[1] “Paulo chamou de “educação bancária” àquela que considerava que “o educador é sempre o que educa, e o educando o que é educado; o educador é o que sabe, e os educandos os que não sabem”; o educador é o que fala, os educandos os que escutam docilmente; os educadores sujeitos, os educandos objetos”. Contrapondo-se à educação bancária, propunha que os educadores fossem humanistas, que empreendessem uma educação problematizadora, revolucionária, que se identificassem com seus educandos. Tudo isso levaria a libertação de ambos” (HADDAD, 2019, p. 95).
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. 70 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.
HADDAD, Sérgio. O educador: um perfil de Paulo Freire. 1a ed. São Paulo: Todavia, 2019.
hooks, b. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. 2a ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2017.
*Fotodescrição: imagem de fundo rosa caro com palavras escritas em letras cursivas. No centro, há uma colagem da autora bell hooks, que possui pele negra, cabelo crespo preto e veste uma blusa de manga comprida florida, com a cabeça apoiada em seu queixo. Atrás dela, há asas de borboletas na cor vermelho escuro.
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