Memória lésbica brasileira e consciência de grupo: um resgate

03/11/2021 09:06

Sofia da Silva Quarezemin,
Bolsista PET-Letras
Letras Português

Você já ouviu falar em Cassandra Rios ou no Grupo de Ação Lésbica Feminista? Essas foram mulheres que marcaram a história das lésbicas no Brasil e foram protagonistas de importantes movimentos de resistência à hegemonia patriarcal. Então, por que não temos contato com essas referências?

Em todos os âmbitos, as mulheres lésbicas sofrem silenciamentos que se firmam na impossibilidade de acessar espaços de destaque, mas é, principalmente, nos campos das artes e das políticas públicas que tais apagamentos mostram uma de suas faces mais perversas: a violação da memória das lésbicas como grupo.

Para mim, é notável a alegria que brilha nos olhos das adolescentes quando reconhecem e se reconhecem em uma lésbica de mais idade. Isso evidencia a falta como característica comum às lésbicas mais jovens, a carência de referências que provem que mulheres como essas podem ser bem sucedidas no que fazem. É a euforia de saber que existem mais de nós por aí: vivendo, trabalhando, comendo, rindo e chorando. Vivendo a vida como ela é.

Falamos de romances de Guimarães Rosa e não lemos Cassandra Rios: a autora que mais vendeu livros no Brasil dos anos 1970 e, também, a que mais foi censurada pela ditadura militar .

Falamos da Guerrilha do Araguaia, falamos do MR-8 e das Diretas Já!, mas não lembramos do GALF  (Grupo de Ação Lésbica Feminista), que organizou uma rebelião lésbica contra a repressão do governo militar  de João Figueiredo.

Falamos em mídia alternativa e independente, mas não falamos das dezenas de escritoras lésbicas organizadas na publicação da Revista Chana com Chana, veículo de poemas, artigos de opinião e chamadas para ação direta.

Na realidade, não celebramos a cultura lésbica porque ela nos foi tirada, reduzida a fragmentos e trancada em uma cela.

Fonte: Bajubá Memória LGBT*

Apesar do apagamento histórico, o cenário contemporâneo lésbico no Brasil é de resgate. Em 2008, foi fundada no Brasil a primeira editora latinoamericana voltada, exclusivamente, para publicação de autoras e autores LGBT, a Brejeira Malagueta. A editora foi fechada, em 2015, por conta da dificuldade de manter publicações independentes, mas ainda é possível comprar os livros pelo site! Um dos livros, “Frente e Verso: Visões da Lesbianidade”, é uma incrível coletânea de textos de opinião sobre a vivência das lésbicas no Brasil, um material riquíssimo para pensar o cenário lésbico na década de 2010.

Temos ainda, em mídias digitais, iniciativas de mulheres, organizadas em grupos, para promover conhecimento e debates sobre as produções de autoras lésbicas, dentre as quais temos: livros, filmes, teorias críticas e materiais nos mais diversos suportes, como arte urbana e intervenções performáticas. Nesse sentido, algumas das iniciativas que valem a pena conhecer no âmbito político e cultural são o Arquivo Lésbico Brasileiro, o Clube Lesbos e o Memória Lésbica. Além disso, nos últimos meses estamos acompanhando o lançamento da primeira iniciativa de mapeamento de mulheres lésbicas do Brasil, o LesboCenso, que busca coletar dados socioeconômicos e demográficos, abordando temas como saúde, violência, educação, trabalho e relações familiares. Qualquer lésbica pode responder ao censo e contribuir para alterar o cenário de subnotificações de crimes, violação de direitos e da falta de políticas públicas específicas para lésbicas.

Por fim, esse é um convite às lésbicas, e, também, às pessoas que não são lésbicas, para que conheçam e promovam as ações políticas e culturais produzidas por esse grupo tão diverso e cheio de possibilidades. Faça parte dessa iniciativa de resgate da nossa identidade e da memória daquelas que vieram antes de nós!

*Descrição: Temos um fundo infinito dividido nas cores azul (esquerda) e preto (direita). À esquerda, há uma escada de metal preta, sobre a qual estão apoiados diversos livros. No centro da imagem, está Cassandra Rios, uma mulher de estatura mediana, magra, branca, com ombros largos e quadris retos, cabelos ruivos e cortados na altura das orelhas. Ela está olhando para a câmera de frente, as mãos nos quadris, as pernas afastadas, com um olhar sério e a cabeça inclinada para baixo à direita. Usa sapato preto, calça e camisa jeans claras, além de um cinto preto com fivela. No chão, sobre fundo preto, temos diversos livros de sua autoria espalhados à sua frente, além de uma jaqueta jeans jogada ao lado direito.

 

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