A História Secreta (1992) e O que te pertence (2016): leituras recomendadas
Ananda Henn,
Bolsista PET-Letras
Letras – Português
Assim como muita gente que aproveitou o tempo livre da quarentena para atualizar as leituras, o que eu mais tenho feito nesse período é ler, ler e ler. Pensando nisso, vou apresentar e comentar dois romances contemporâneos que li recentemente e que gostei muito: A História Secreta (1992) e O que te pertence (2016). Os achei excelentes e, embora muito diferentes, os dois me envolveram completamente e me ajudaram a escapar, algumas horas por dia, da monotonia da quarentena.
Fonte: Arquivo pessoal – Ananda lendo O que te pertence*
A História Secreta, de Donna Tartt (1992)
Esse livro é o próprio meme “essa festa virou um enterro”. Romance de estreia da americana Donna Tartt, mais conhecida pelo seu lançamento de 2013, O Pintassilgo (cuja adaptação para o cinema ninguém assistiu ano passado [link]), foi publicada no Brasil pela editora Companhia das Letras com tradução de Celso Nogueira. A extensa narrativa acompanha um grupo de seis estudantes de uma universidade de elite americana que, sob a influência de um carismático professor de Clássicos, descobre uma maneira de pensar e viver que é distante da existência monótona de seus contemporâneos. Porém, depois de um evento que os leva além do limite da moralidade normal, acabam passando da obsessão à compulsão e traição, e, por fim, ao mal.
Por mais que o livro comece já revelando a terrível ação central da trama — uma das primeiras informações dada ao leitor é que Bunny Corcoran havia sido assassinado e os autores do crime foram o narrador e seus amigos —, eu me vi imersa de tal forma na dinâmica desse excêntrico grupo de personagens que o assassinato se tornou, em alguns momentos, quase que uma inevitabilidade irrelevante. Você quer saber como tudo aconteceu, é claro, e o porquê deles terem matado Bunny, mas, acima de tudo, espera uma justificativa, a exposição inevitável de um fato que justifique o ato, anule-o de sua perversidade; quase que cegamente você se pega esperando (melhor, desejando) nada menos que um final glorioso para os personagens, independente do horror de suas ações. A ruína — merecida ou não — parece impossível para aqueles jovens estudantes tão magnéticos e interessantes, pertencentes a um mundo de arte, de Clássicos, de intelectualidade e de riqueza. Você, assim como eles, quer acreditar na beleza da vida que vivem. Porém, como lhes é ensinado em uma aula de grego: “beleza é terror” e, diante de tudo o que chamamos de belo, estremecemos.
O que te pertence, de Garth Greenwell (2016)
Se no livro anterior o plano de fundo da narrativa era aquele de beleza, pureza e luz, nesse encontrei o contrário. Na narrativa, breve e também em primeira pessoa, são temas como vergonha, doença, violência e dor que predominam. Esse romance de autoficção — o primeiro do americano Garth Greenwell — chegou ao Brasil ano passado em uma edição belíssima da Todavia, com tradução de José Geraldo Couto. Seguindo uma ordem não linear, o enredo parte do relacionamento que um professor americano estabelece com o jovem Mitko, que encontra em um banheiro público do Palácio Nacional da Cultura na capital da Bulgária, e a quem paga para fazer sexo. Ele continua a voltar a Mitko repetidamente, atraído por desejo, solidão e risco, e se vê emaranhado em um relacionamento em que a luxúria leva à predação mútua e a ternura pode se transformar em violência. Enquanto luta para reconciliar seu desejo com a angústia que este cria, ele é forçado a lidar com sua própria história, o mundo de sua infância no sul dos EUA, sua sexualidade, e o relacionamento com seu pai.
Uma das maiores riquezas desse livro é, definitivamente, sua prosa. Eu poderia ficar falando extensamente sobre como fiquei maravilhada pelas escolhas formais tomadas pelo autor para melhor contar essa história, mas me atentarei apenas a comentar a narração introspectiva do personagem principal. Como leitores, além de fatos que compõem um enredo, temos acesso a um narrador extremamente sensível e consciente, que não somente rememora momentos de sua vida, mas os reflete, ou melhor, reflete a si mesmo. Com uma narrativa densa e de imensa intensidade lírica, o livro apresenta uma reflexão inigualável sobre a complexidade de nossos desejos.
Fonte: Reprodução (O que te pertence – Editora Todavia; autor Garth Greenwell; A História Secreta – Editora Companhia das Letras; autora Donna Tartt)**
Essas, então, são as minhas duas recomendações para quem está procurando por livros envolventes e interessantes para ler enquanto estamos todos presos em casa. Deixo aqui, também, a dica para explorarem os outros títulos desses autores: gosto muito d’O Pintassilgo (2013), da Tartt, e o recém-lançado Cleaness (2020), de Greenwell (infelizmente ainda sem previsão de publicação no Brasil), foi uma das minhas leituras favoritas desse ano.
*Descrição da imagem 01: Ananda está sentada em uma cadeira de vime marrom, com uma almofada azul nas costas, e lê o livro O que te pertence, que cobre a parte inferior do seu rosto. Veste calça e casaco de moletom preto, camiseta verde escura e touca de tricô listrada em tons de azul, e usa óculos de grau com armação quadrada, de cor vermelho escuro. Seus cabelos castanhos e cacheados estão soltos. Ao seu lado pode-se ver parte de um rack branco de sala de estar, coberto de vasos de plantas, e ao fundo uma cortina branca de tecido fino.
**Descrição da imagem 02: Imagens das capas e autores dos livros lado a lado. Da esquerda para direita, capa do livro O que te pertence, em que se vê, em preto e branco, a fotografia de um fragmento de uma cama com o lençol branco amarrotado, e ao fundo, em tons de cinza, parte de uma janela coberta por cortinas de pano liso bem fino; a imagem da capa é emoldurada por linhas de cor rosa claro, nas quatro extremidades do livro; no centro da capa lê-se “O QUE TE PERTENCE”, no mesmo tom de rosa; acima do título, centralizado no topo superior, o nome do autor “Garth Grenwell”, em branco, e abaixo, centralizado no topo inferior, a logomarca da editora Todavia, quatro figuras geométricas que representam as formas que a boca faz quando se pronuncia as sílabas to-da-vi-a, também em branco. Ao lado, fotografia do autor Garth Greenwell, em preto e branco, enquadrada até a altura do tórax; o autor está com o rosto levemente inclinado para a direita, apoiado na mão direita, cujo dedo polegar toca seu queixo e o indicador, sua mandíbula; Greenwell possui pele clara, cabelos lisos, curtos e claros, e veste uma camisa social escura, tendo o olhar direcionado para a câmera com as sobrancelhas levemente arqueadas, sem sorrir. Á direita, imagem da capa do livro A História Secreta, em que se vê a fotografia do rosto de uma escultura da Grécia Antiga, em mármore branco, com o olhar direcionado para baixo e a cabeça inclinada para a direita, em frente a um fundo cinza; a fotografia apresenta um corte em sentido diagonal que vai do canto direito da extremidade inferior até a metade da extremidade esquerda da foto, fragmentando a imagem da escultura e revelando, no espaço entre os dois fragmentos, um fundo vermelho que preenche também a parte inferior da capa, onde se lê, centralizado em branco, “A HISTÓRIA SECRETA”, e abaixo, “O primeiro best-seller da autora de O Pintassilgo”; centralizado no topo superior da capa, em cima do cabelo da escultura, se lê “Donna Tart”, em vermelho, e no pescoço da escultura, alinhado à esquerda, a logomarca da editora Companhia das Letras, em branco. Por fim, á direita, fotografia da autora Donna Tartt, em preto e branco, enquadrada até a altura da cintura; a autora encontra-se com um braço apoiado em cima do outro, e cada mão segura o cotovelo do braço oposto; possui a cabeça levemente inclinada para o lado direito e o olhar direcionado também para a direita, acima do nível da foto, com um sorriso discreto; Tartt veste um terno escuro com camisa social branca com listras pretas, tem o cabelo liso e escuro cortado na altura no queixo e pele clara.
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