Conhecendo os princípios e categorias da Ecopedagogia

06/03/2023 15:55

Por Daniely Karolaine de la Vega e Emmanuele Amaral dos Santos

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De acordo com Gadotti (2001, p. 81, grifo do autor), “[…] vivemos uma era de exterminismo”. Devido à produção industrial descontrolada, podemos destruir toda a vida do planeta Terra. Diante disso, as futuras gerações terão de realizar a árdua tarefa de obter soluções para esse problema. Esperamos que as providências sejam executadas antes que essa situação se torne irredutível. Por isso, precisamos ecologizar a economia, a pedagogia, a educação, a cultura, a ciência etc.

O desenvolvimento capitalista gera um grande potencial destrutivo que o coloca em uma posição negativa à natureza. O capitalismo ampliou a capacidade de destruição da humanidade e reduziu o bem-estar e a prosperidade desta. Entretanto, vivemos também na era da informação em tempo real, da globalização da economia, da realidade virtual, da quebra de fronteiras entre nações, da robótica e dos sistemas de produção automatizados.

Imagem 1:

Descrição da imagem: Em um fundo bege claro, aparece um planeta terra, em tons de verde, acima de uma mão rodada e com as unhas pintadas de verde. Estes são acompanhados de várias ilustrações em tons terrosos que fazem alusão à sustentabilidade, incluindo talheres de bambu, uma lâmpada e um ícone de material reciclável. Também é possível identificar duas nuvens no canto superior esquerdo e dois ramos de folhas que contornam o planeta Terra lateralmente.

O cenário está dado: globalização provocada pelo avanço da revolução tecnológica, caracterizada pela internacionalização da produção e pela expansão dos fluxos financeiros; regionalização caracterizada pela formação de blocos econômicos; fragmentação que divide globalizadores e globalizados, centro e periferia, os que morrem de fome e os que morrem pelo consumo excessivo de alimentos, rivalidades regionais, confrontos políticos, étnicos e confessionais, terrorismo (GADOTTI, 2001, p. 82, grifo do autor).

O contexto explicitado por Gadotti ainda se faz intrisicamente presente nas vivências contemporâneas, assim como a importância de refletir sobre a chamada educação do futuro. Podemos começar esse processo discutindo sobre algumas categorias que propõe a compreendê-la, como:

  1. Planetaridade: segundo Padilha et al. (2011, p. 239), esta categoria consiste em “tratar o planeta como um ser vivo e inteligente”. Está relacionada a optar por uma relação saudável e equilibrada com o contexto, consigo mesmo, com as outras pessoas e com os ambientes.
  2. Sustentabilidade: o tema da sustentabilidade surgiu na economia e na ecologia para se inserir definitivamente no campo da educação. Ele se fundamenta no lema “Uma educação sustentável para a sobrevivência do planeta”, difundido pelo Movimento pela Carta da Terra na Perspectiva da Educação e pela Ecopedagogia.
  3. Virtualidade: esta categoria consiste na discussão atual sobre a educação à distância e o uso de internet nas escolas. A informação deixou de ser compreendida como uma área ou especialidade para se transformar em uma dimensão de tudo, alterando a forma como a sociedade se organiza, inclusive o modo de produção.
  4. Globalização: o processo de globalização está realizando mudanças na política, economia, cultura, história… Portanto, também na educação. É uma categoria que deve ser observada sob vários prismas. O global e o local se fundem em uma nova realidade: o “glocal”. Para pensar a educação do futuro, precisamos refletir sobre o processo de globalização da economia, da cultura e das comunicações.
  5. Transdisciplinaridade: embora com significados distintos, algumas categorias, muito próximas da transdisciplinaridade, como transculturalidade, transversalidade, multiculturalidade e outras, também indicam uma nova tendência na educação, que é necessário analisar.

Essas categorias são essenciais para a compreensão das perspectivas atuais da educação, mas não bastam para entender a ecopedagogia como uma teoria da educação que impulsiona a aprendizagem do sentido das coisas a partir da vida cotidiana. Para isso, precisamos desenvolver outras categorias relacionadas ao âmbito da subjetividade, da cotidianidade e do mundo vivido; categorias que estruturam a vida cotidiana, levando em conta as práticas individuais e coletivas e as experiências pessoais.

Para compreender o que é ecopedagogia, devemos começar por determinar o que é pedagogia e o que é sustentabilidade. Nos livros de Francisco Gutiérrez e Daniel Prieto sobre a “mediação pedagógica”, eles definem pedagogia como um trabalho de incentivo da aprendizagem por meio de recursos necessários para o processo educativo no cotidiano das pessoas. Para os autores, a vida cotidiana é o espaço do sentido da pedagogia, pois a condição humana caminha irremediavelmente por ela. A mídia eletrônica não anula esse espaço, uma vez que “a revolução eletrônica cria um espaço acústico capaz de globalizar os acontecimentos cotidianos” (GUTIÉRREZ, 1996, p.12 apud GADOTTI, 2001, p. 85), tornando o local global, e o global, local. Isso é o que denominamos, nas Organizações Não Governamentais (ONGs), de “glocal”. O cotidiano e a história se fundem em um só. A cidadania ambiental local se torna também cidadania planetária.

Contudo, “não podemos falar em cidadania planetária excluindo a dimensão social do desenvolvimento sustentável” (GUTIÉRREZ, 1996, p. 13 apud GADOTTI, 2001, p. 85). Essa advertência de Francisco Gutiérrez é elucidativa, pois é necessário diferenciar um ecologismo elitista e idealista de um ecologismo crítico que coloca o ser humano no centro do bem-estar do planeta. Porém, “o bem-estar não pode ser só social, tem de ser também sócio-cósmico” (BOFF, 1996, p. 3 apud GADOTTI, 2001, p. 85). O planeta é minha casa, e a Terra, meu endereço. Como posso viver bem em uma casa mal arrumada, mal cheirosa, poluída e doente?

Para Francisco Gutiérrez, parece impossível construir um desenvolvimento sustentável sem uma educação para o desenvolvimento sustentável. Para ele, o desenvolvimento sustentável carece de quatro condições fundamentais:

  1. economicamente factível
  2. ecologicamente apropriado
  3. socialmente justo
  4. culturalmente eqüitativo, respeitoso e sem discriminação de gênero.

A ecopedagogia como prática educacional também é articulada e incentivada por diversas instituições internacionais, como é o caso da UNESCO. No documento “Educação para os objetivos de Desenvolvimento Sustentável – Objetivos de Aprendizagem” publicado em 2017, por exemplo, a UNESCO descreve a organização da EDS (Educação para o desenvolvimento sustável)[inserir link], indicando objetivos, atividades e métodos a serem implementados por educadores, escolas e políticas públicas educacionais. Em consonância a agenda global para a educação até 2030, esse documento da UNESCO pensa a prática educacional ecopedagógica como um pilar essencial no processo de garantia dos diversos objetivos que compõem o desenvolvimento sustentável:

[…] que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e da não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural[…]  (UNESCO, 2017, p.8)

Em âmbito nacional, podemos destacar o projeto (PECP) Programa educação para a cidadania planetária, desenvolvido entre os anos 2007 a 2011 em Osasco (SP) com intermédio do Instituto Paulo Freire. Esse programa concebe “[…] uma educação com visão de totalidade do conhecimento e dos saberes, superando a histórica fragmentação do conhecimento e considerando a sua complexidade.” (PADILHA, 2001, p.19), ou seja, o PECP evoca diversos conceitos essenciais para a ecopedagogia como a transdisciplinaridade e a planetaridade.

Outros conceitos relevantes para entender o programa são a cidadania planetária e a pedagogia da Terra. Ambos propõe a ideia de que a Terra é um organismo vivo ao qual somos interdependentemente ligados e que isso torna necessária a inserção de outros conceitos como  ecologia, ética, estética e sociedade no contexto escolar. Além disso, essa proposta de civilização planetária compreende o ser humano dentro da esfera de complexidade e diversidade da natureza, assim como a importância da manutenção dos direitos sociais, políticos, culturais e econômicos para a fundamentação dessa proposta tal qual descrevem os princípios da ecopedagogia.

 

REFERÊNCIAS

 

GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra: ecopedagogia e educação sustentável. In: TORRES, Carlos Alberto (comp.). Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI. Buenos Aires: CLACSO, 2001. p. 81-132.

PADILHA, Paulo Roberto et al. (org.). Educação para a cidadania planetária: currículo intertransdisciplinar em Osasco. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2011.

UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a CulturA. Education for Sustainable Development Goals: learning objectives. Paris, 2017.

 

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