Mini resenha literária: romance Torto arado, de Itamar Vieira Júnior

05/04/2021 12:35

Moara Zambonim,
Bolsista PET-Letras
Letras Português

“Mesmo com toda a adversidade, é preciso que a gente tenha essa esperança engajada”,
diz Itamar Vieira Junior

Foto do livro “Torto Arado” – Arquivo pessoal

Vencedor de diversos prêmios, como o LeYa 2018 e o Jabuti, a obra Torto Arado provoca um arrebatamento em quem a lê. De repente, o leitor não se encontra mais em seu sofá na sala: ele vê passar ao seu redor as paisagens do sertão baiano, do coração da chapada, e as personagens estão ali também, figuras — a maioria feminina — que inspiram sabedoria, compaixão e um senso de justiça aguçado.

A partir de um acontecimento na infância, nos é narrada a história das irmãs Bibiana e Belonísia, e também de toda sua linhagem familiar, valendo-se o autor de trocas de foco narrativo, o que inclui a voz de entidades maiores, para contar eventos do passado e suas consequências no futuro.

A sutileza da escrita é tamanha que as mazelas sociais protagonizam a história sem serem óbvias, delineando-se de tal forma que o leitor as constrói como mais uma das incríveis personagens femininas que compõem a narrativa; pois são as mulheres que são centrais na obra, em tramas familiares imbricadas e em ciclos que se repetem entre gerações. A construção dos heróis está repleta de nuances de gênero, de construção de subjetividades raciais que permeiam gerações atreladas a um passado escravista que se costura até a realidade.

Em matéria publicada pela Revista Época, a neta de Euclides da Cunha faz o seguinte comentário: “Exclusão relatada em Os Sertões está presente até hoje”. E é interessante pensar como uma temática literária de mais de 100 anos atrás — depois retomada por Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto e outros, como Raduan Nassar, cuja voz se faz presente na epígrafe do romance — volta, hoje, com representação impecável. Representação que foge de estereótipos e compõe uma visão do sertão precisa e profunda, que infelizmente conversa ainda com textos tão antigos e composições literárias que se estendem até a atualidade.

Eu, particularmente, não consegui largar a leitura: em dois dias, havia finalizado o livro e ficado com uma sensação de “quero mais”. E essas populações invisibilizadas que se apresentam a nós mantêm-se na memória de quem lê.

Vale muito a pena a leitura! Ficção nacional que chega a mais de 100 mil exemplares vendidos, o livro foi primeiramente publicado em Portugal e apenas depois a editora Todavia adquiriu os direitos da obra e a publicou aqui, para nossa sorte. Então, quem precisava de ainda mais um incentivo para ler esse romance, deixo aqui minha recomendação!

 

*descrição: Foto do livro “Torto Arado” no meu colo, aparecendo apenas a ponta dos meus joelhos, com um caderno de couro vegano marrom atrás do livro. O título está em vermelho e a capa do livro é rosa clara e, ao centro, vemos a ilustração de duas mulheres negras de mãos dadas. Nas outras mãos, carregam folhas da planta “espada-de-São-Jorge”, compridas em verdes claro e escuro. Elas levam turbantes coloridos na cabeça e suas roupas são em tons pasteis, combinando com a cor da capa.

 

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