Sobre salvar vidas e alimentar almas

03/06/2020 19:46

Vítor Pluceno Behnck,
Bolsista do PET-Letras
Letras – Inglês

Enquanto milhares de pessoas sofrem e perdem a vida por conta do novo Coronavírus (COVID-19), aqueles podem e conseguem, dentro das suas limitações, permanecer em casa, encontram-se num estado de isolamento não só físico, mas existencial: dentro de nossas casas, parece que nada mais faz sentido. Como ser produtivo enquanto a consciência pesa porque milhares têm de se expor e arriscar suas vidas na rua, já que são obrigados a alimentar o sistema que esperam que os alimentem de volta? Qual o sentido de manter essa lógica produtivista num momento em que o mundo para, e que a melhor maneira de salvar vidas é permanecendo reclusos em nossas casas?

Dentre tantas questões, aqueles que conseguem permanecer protegidos buscam refúgio naquilo que nos faz nos entendermos como humanidade: a arte. Nesse momento, são os filmes, as novelas, os livros, as séries e as músicas, por exemplo, que dão a tônica de nossos dias, permitindo-nos realizar uma “fuga” da realidade ou, até mesmo, repensar a nossa própria existência e, assim, ressignificar esses momentos que potencialmente são social e individualmente traumáticos. É um tanto irônico que, numa época onde a Ciência é percebida como indispensável para a prosperidade humana por sua fiel descrição dos fatos e da natureza — e que de fato é —, as mais abstratas e singulares maneiras de descrição da realidade e dos sentimentos, que são as manifestações artísticas, preenchem uma lacuna substancial na vida de milhões de pessoas enquanto cientistas buscam respostas sobre como resolver os problemas que estamos enfrentando.

(Reprodução: Instagram – @susanocorreia / Susano Correia.
Obra “homem morando onde não lhe cabe mais”. Óleo sobre tela, 88 cm x 115 cm. 2019.)*

(Reprodução: Instagram – @susanocorreia /  Susano Correia.
Obra “homem sufocado com sua própria delicadeza”. 2019.)**

Ao conceber o título desse texto, “Sobre salvar vidas e alimentar almas”, pensei em propor a reflexão: qual o papel que nós, profissionais da área de Linguística, Letras e Artes, desempenhamos durante uma pandemia global que duramente acomete milhares de pessoas diariamente e, ainda por cima, causa dor e sofrimento inclusive àqueles que não podem se despedir de seus entes queridos como habitualmente se fazia? Enquanto enfermeiros, médicos e demais profissionais da saúde lutam para salvar vidas, qual o nosso papel e de que modo podemos alimentar as almas que sobrevivem ao COVID-19, mas que talvez tenham dificuldades em sobreviver ao estranhamento da vida pós-pandêmica?

Uma coisa é certa: a arte, em todas suas facetas e modos de ser, desempenhará um papel ainda mais fundamental nos próximos anos ao tentar digerir o trágico embrolho histórico que estamos experienciando. No meio da “descoisificação”, da desconstrução e do repensar sobre tudo que entendíamos como cultura, sociedade e política, o esforço se voltará à tentativa de encontrar o que restará de humano na humanidade. E mais uma vez, a máxima de Ferreira Gullar ecoará novamente, e perceberemos que a arte existe porque a vida não basta.


(Reprodução: Instagram – @gabuffon / Gabriela Buffon. Obra “Mentecaptos”.
Colagem, 15 cm x 15 cm. 2020.)***

(Reprodução: Instagram – @gabuffon / Gabriela Buffon. Obra “O diálogo do olhar”.
Lápis de cor, carvão vegetal, lápis dermatográfico e colagem, 29,7 cm x 42 cm. 2020.)****

Por fim, gostaria de deixar a indicação de artistas e divulgadores de arte na internet. Começando pelos artistas citados na matéria: ambos catarinenses, Susano Correia (Instagram @susanocorreia) é artista natural de Florianópolis formado em Artes Visuais na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC); e Gabriela Buffon (Instagram @gabuffon) é acadêmica da primeira fase de Artes Visuais na UDESC.

Além deles, recomendo o canal ViviEuVi  no YouTube, que possui um imenso e rico repertório de curiosidades e análises artísticas; e o aplicativo Google Arts & Culture (disponível para iOS e Android), que permite visitar museus e conhecer artistas pelo seu smartphone, dentre outros recursos. Vários museus estão realizando curadorias no Instagram, como @masp, @museelouvre, @vangoghmuseum, e o projeto de extensão do Instituto Federal Catarinense – Campus Concórdia, @museus.virtuais.ifc.

Fique em casa, e não esqueça de alimentar sua alma!

Fotodescrição: *Pintura de tinta a óleo de fundo azul escuro. Em destaque, um homem de pele branca com um aspecto sujo está nu. Ele está com os braços e a cabeça dentro de uma casinha, sendo que está com o rosto na porta com uma cara de desconforto, e os braços estão passando pela parede lateral da casa. A casinha paredes brancas, uma porta, uma janela quadrada ao lado dessa porta, e uma janela redonda mais acima, perto do telhado.

**Pintura de tinta a óleo com fundo azul claro. Em destaque é possível ver um homem, do peito para cima, de pele esbranquiçada. Ele está olhando para cima e possui o topo de sua cabeça pontuda. Sua boca e olhos estão abertas com flores que se assemelham a margaridas saindo dessas cavidades.

***Colagem de fundo branco. Na figura de fundo, há três colunas com 5 linhas cada, de pares de diferentes pessoas conversando com várias expressões faciais. No canto inferior esquerdo, há uma assinatura escrito “Norman Rockwell”. Acima dessa figura, centralizado, há várias letras de revistas coladas formando as palavras “Economiopia / Desenvolvimentir / Utopiada / Consumidoidos / Patriotários / Suicidadãos”.

****Obra abstrata de fundo branco em folha A4 com técnica de lápis de cor, carvão vegetal, lápis dermatográfico e colagem. Centralizado, há um desenho em preto que se assemelham a letra C, e nas extremidades círculos vermelhos. Algumas linhas pretas e vermelhas estão dispostas pela figura. É possível perceber formas abstratas em azul e verde dentro da letra C em destaque, e alguns rabiscos em amarelo no canto inferior esquerdo. Também é notável algumas formas redondas pela obra, que se assemelham a olhos. Na parte inferior da figura há um recorte em papel colado em que pode-se ler “O diálogo”. De cima para baixo, do lado direito, há as seguintes palavras coladas:”matriz / básico / capítulo / processo”. No canto inferior direito, a assinatura da artista: “Gabriela Buffon, 2020” em marrom.

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