DE FÉRIAS COM O PET | Linguística Popular/Folk linguistics e sua difusão

16/01/2024 10:37

Por Hanna Boassi

Bolsista PET-Letras | IC/CNPq

 

O termo linguística popular é associado a denominações anglo-saxônicas que envolvem o termo folk, traduzido para o francês como popular, espontâneo, inexperiente, profano ou ordinário, remetendo também à linguística do senso comum. Baronas (2019), no seu artigo Seis sabres e três quartos que você (interessada/o em questões de Linguagem) precisa aprender sobre Linguística Popular/Folk Linguistics diz que, por ora, chamamos de popular o saber espontâneo dos atores sociais sobre o mundo, que se diferencia do saber acadêmico ou científico, assim como o saber prático se diferencia do saber teórico. Ou seja, os saberes populares não passam por investigações científicas que os provam como verdade, mas dependem da crença desses atores sociais para que sejam um senso comum: “Os sentidos pejorativos geralmente apensos ao termo popular fazem parte do escopo dos estudos da linguística popular e podem se tornar um importante objeto de estudo para esse domínio.” (Baronas, 2019, p. 4) A linguística popular, por sua vez, não diz respeito apenas à linguística em sua legitimidade, mas abrange ao uso da língua em situações corriqueiras, de pessoas que não estão dentro da área acadêmica e científica.

Neste mesmo artigo,  Baronas  traz o exemplo de um trabalho de não-linguistas sobre a língua, o Aurélia – A Dicionária da Língua Afiada. Publicado em 2006, a “dicionária” foi elaborada por dois jornalistas, Fred Libi e Vitor Angelo Scippe, sendo uma paródia do famoso dicionário Aurélio. A dicionária explica expressões utilizadas no dialeto pajubá, que é utilizado pela comunidade LGBTQIA+ de falantes da língua portuguesa, destacando falantes do Brasil. O intuito desta obra é entrar no espaço que os dicionários tradicionais ocupam, ser utilizada como uma ferramenta útil para a sociedade.

A Aurélia mostra então que as obras possuem línguas próprias, ou melhor, que as textualizações, os discursos têm as suas próprias línguas, não em termos de morfologia, léxico ou sintaxe, que são únicos para uma determinada língua, mas destacando ou silenciando certos sentidos, autorizando ou não certas leituras, interpretações, determinadas co-enunciações e co-enunciadores e, especialmente, evidenciando a existência de um tipo particular de corporeidade linguística que advêm dessas próprias línguas. (Baronas, 2019, p. 13)

Descrição de Imagem: uma capa de livro com fundo amarelo, onde se enxerga o desenho de um rosto feminino gritando e com uma expressão brava. Na parte superior se lê “1300 verbetes” e logo abaixo “Aurélia, A Dicionário da Língua Afiada”. Em uma forma oval laranja, os nomes dos autores: Angelo Vip e Fred Libi e abaixo outra forma oval, desta vez vermelha, onde pode se ler “24º edição, tá, meu bem?”. E por fim, no canto inferior direito o logo da Editora da Bispa.

 

É interessante pensar que, mesmo de uma perspectiva folk,  os jornalistas conseguiram descrever o pajubá, colocando-o no meio dos dicionários – entendidos como  produtos tecnológicos que têm como objetivos silenciar outras formas de sentido que não as que são “autorizadas” por eles mesmos. Aqui, porém, estamos no campo das resistências.

Algo que faz parte da linguística popular nos dias atuais são as expressões que aparecem na rede social X (antigo Twitter), que foram se popularizando cada vez mais na era digital. Em 2018, Vivian Macedo publicou, na plataforma de jornalismo social Medium, um chamado Pequeno dicionário do twitter caprichete, explicando as principais expressões que eram utilizadas no ano de 2018 na rede social.

 

Descrição de Imagem: Trecho do texto de Vivian na plataforma medium onde se vê uma captura de tela do Tweet de @MARIATOSCANO15 onde se lê “NACLARA PELA ENÉSIMA VEZ DIZENDO ‘AMANHÃ VOU PRA ACADEMIA’ A CARA NEM TREME!!!” e acima a explicação de Vivian para a expressão utilizada “A cara nem treme: Expressão usada quando a pessoa está mentindo e nem se abala com isso.”

Outro perfil muito popular na rede X é o Greengo Dictionary, um perfil voltado para traduzir de forma literal e explicar expressões brasileiras, como vemos abaixo:

Descrição de imagem: Em um fundo verde, um verbete de dicionário:

“train (variations)

train /trem/ 1 (n.) in General Mines, a word that represents basically

anything, except actual trains.

ugly train /trem fei/ 1 (exp.) something complicated, difficult.

good train/trem bão/ 1 (exp.) a pleasant situation

big train /trenzão/ 1 (n.) someone impressively beautiful.

lil’ train /trenzin/ 1 (n.) affectionate way to refer to somebody.

crazy train /trem doido/ 1 (exp.) a mad situation.

a train like this has no fitting/ num tem cabimento um trem desse/

1 (exp.) that’s not possible, unbelievable.”

 

Criado pelo designer gráfico Matheus Diniz, nele são selecionadas expressões brasileiras populares que referenciam acontecimentos do momento. O exemplo dado acima da expressão trem foi realizado no dia 12 de dezembro, aniversário de Belo Horizonte, onde a expressão é mais utilizada. “A escolha de traduzir as expressões brasileiras para o inglês não é aleatória e se apresenta como uma estratégia de divulgação cultural” (Silva, 2021, p. 89).

Como se vê, os estudos de Linguística Popular/Folk Linguistics podem contribuir na compreensão do uso da língua como objeto social e colocar em discussão a univocidade dos saberes sobre a língua. É interessante ouvir além de linguistas, mas também pessoas “não autorizadas” a falarem sobre esse “objeto” – uma tarefa que folk pretende realizar.

 

REFERÊNCIAS

BARONAS, Roberto Leiser. Seis saberes e três quartos que você (interessada/o em questões de Linguagem) precisa aprender sobre Linguística Popular/Folk Linguistics. Piqueling, 2019. Disponível em: https://www.piqueling.ufscar.br/publicacoes/linguistica-popular-prof-roberto-baronas. Acesso em: 13 jan. 2024.

MACEDO, Vivian. Pequeno dicionário do twitter caprichete. 12 abr. 2018. Medium: @vihvs. Disponível em: https://medium.com/@vihvs/esse-pequeno-dicion%C3%A1rio-explica-as-principais-express%C3%B5es-que-aparecem-no-twitter-e-para-ajudar-a-816fb0c7b9a6. Acesso em: 13 jan. 2024.

SILVA, Priscila Aline Rodrigues. Linguística Popular e Análise do Discurso: possibilidades de diálogo entre línguas e teorias com Greengo Dictionary. Porto das Letras, [S. l.], v. 7, n. 4, p. 83–103, 2021. Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/portodasletras/article/view/12854. Acesso em: 13 jan. 2024.

 

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