Libras: uma língua ágrafa?

18/11/2023 17:12

Por Franciane Ataide Rodrigues

Letras Libras

Bolsista PET-Letras

As “línguas ágrafas” são formas de comunicação que não possuem um sistema de escrita reconhecido. Estas não possuem um meio de representação gráfica padronizado, como o alfabeto ou qualquer outro tipo de conjunto de caracteres usados para registrar o idioma.

Em diversas culturas e comunidades, a comunicação oral permanece sendo a principal ferramenta de comunicação e transmissão de tradições, culturas e legados. As línguas ágrafas acabam sendo transmitidas de geração em geração principalmente por meio de comunicação oral, o que dificulta os registros e a preservação dessas línguas, pois esses seriam fundamentais para estudos e preservação.

Tendo em vista que a Libras não é uma língua oral, que sua modalidade é espaço-visual, totalmente independente do português, seria ela, então, uma língua ágrafa? De fato, há alguns anos, a Libras era considerada uma língua ágrafa e suas únicas formas de registro eram por meio de desenhos de mãos, fotografias e filmagens caseiras como vídeo cassete e em alguns DVDs.

 Descrição de Imagem: Em um fundo azul, no centro da imagem, está uma mulher de camiseta preta. Ela é branca, de cabelos escuros e o rosto está em expressão neutra enquanto realiza o sinal em Libras da palavra “acessibilidade”. 

 

Entretanto, em 1974, Valerie Sutton, dançarina e coreógrafa, desenvolveu um sistema de registro para coletar passos de danças chamado DanceWriting, ao mesmo tempo em que na Dinamarca diversos estudiosos buscavam uma  maneira de registrar as línguas de sinais.

Descrição de imagem: a imagem apresenta a capa do livro “Sutton Movement Shorthand”, publicado em 1974. Em um fundo bege, está uma jovem dançarina. Ela é branca, tem cabelos negros presos em um coque e está vestida com uma calça preta e uma blusa preta de mangas compridas. A dançarina está em uma pose elegante, indicando movimento e graciosidade. Na lateral esquerda da imagem está escrito o título “Sutton Movement Shorthand”. Acima deste, nota-se o símbolo em DanceWriting que representa o movimento da jovem dançarina. Na parte inferior da capa, encontra-se a inscrição “BOOK ONE. The classical Ballet Key. Valerie Sutton”, fornecendo informações adicionais sobre o conteúdo do livro.

 

É, pois, neste contexto que ocorre a transição de DanceWriting para SignWriting. O sistema desenvolvido por Sutton despertou o interesse dos pesquisadores dinamarqueses da Universidade de Copenhague, o que motivou o convite de Lars von der Lieth e Jan Enggaard Pedersen para que ela, em 1974, realizasse os primeiros registros de movimentos ainda inspirados no sistema que havia criado.

Valerie Sutton ensinando SignWriting em 1985

Descrição de Imagem: em frente a uma lousa verde, uma moça jovem, branca, de cabelos curtos e loiros, vestida com uma blusa verde clara e com a parte de baixo bege, ensina o sistema SignWriting.

 

Deste modo, entre 1975 e 1980, o sistema passou por diversas modificações até se tornar o que hoje conhecemos como SignWriting e se espalhar pelo mundo. No Brasil, as pesquisas sobre SignWriting tiveram início em 1996 por intermédio do Dr. Antônio Carlos da Rocha Costa, da PUCRS, em parceria com as professoras Marianne Stumpf e Márcia Borba, atuantes da área de computação na Escola Especial Concórdia. Estes desenvolveram um grupo de trabalhos e, a partir disso, o sistema começou a ser difundido no território brasileiro.

O desenvolvimento deste sistema, usado para registrar os sinais de Libras, representa uma conquista muito significativa para a comunicação da comunidade surda, sendo uma forma de preservar a história da língua, para que ela não se perca, de perpetuar conhecimentos e interpretações de mundo, sentimentos e de realizar estudos linguísticos que contribuam para a valorização e desenvolvimento da transmissão de ideias entre surdos e ouvintes. Embora existam outras formas de registro da Libras desenvolvidos no Brasil, como os sistemas SEL e ELiS, o  SignWriting continua o principal sistema usado para registro da língua; apesar de não estar muito presente apenas em contextos acadêmicos e não seja do conhecimento de todos os surdos, é um sistema completo, capaz de realizar registros gráficos dos léxicos usados na comunicação sinalizada viso-espacial.

REFERÊNCIAS

CRISTIANO, Almir. Valerie Sutton. Libras, 2017. Disponível em: https://www.libras.com.br/valerie-sutton. Acesso em: 10 nov. 2023.

SUTTON, Valerie. A Global Writing System For A Global Age. Disponível em: https://www.valeriesutton.org/lifestory/autobiography. Acesso em: 10 nov. 2023.

SIGNWRITING. History of SignWriting. Disponível em: https://www.signwriting.org/library/history/hist010.html. Acesso em: 10 nov. 2023.

 

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