Experiências do ensino de literatura no ensino público

31/01/2023 13:06

Por Laiara Serafim

Letras-Português

Bolsista Pet – Letras

Recentemente, a professora de ensino público, Thaís Gonçalves Martins, concluiu o mestrado, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com um projeto intitulado Baú da Leitura, que visou o desenvolvimento da leitura e da escrita dos alunos do ensino fundamental, a partir de uma visão crítica gerada na interação com os colegas de sala e com a  professora.

No projeto, os alunos do 9° ano realizaram a leitura do livro A bolsa amarela de Lygia Bojunga. Por possuir um único exemplar na biblioteca da escola, a professora teve que imprimir diversas cópias do livro com recursos próprios, para que, assim, todos tivessem acesso à obra. A escolha da obra, segundo a professora, se deu com o intuito de gerar um reconhecimento entre os alunos e a obra, devido ao tema central do livro, que trata sobre os desejos da infância e adolescência de uma garotinha, a Raquel. Mas, sobretudo, porque o livro apresenta questões como o empoderamento feminino e as relações de poder existentes, o que tende a gerar juízos de valor e pensamentos reflexivos e críticos. Segundo a professora, “A leitura do livro A bolsa amarela foi feita de forma gradativa e dinâmica, tendo como instrumento de registro o diário de leitura” (MARTINS, 2022, p. 229). O projeto seguiu diversas etapas, iniciando com uma conversa dinâmica entre a professora e os alunos sobre desejos e vontades; em seguida, foi feita uma breve introdução à obra e realizadas várias formas de leitura – coletiva, individual, pela professora, etc.

Todas essas etapas foram divididas por semanas e em diferentes aulas, mas é importante ressaltar que a leitura foi realizada de diversas formas e em diferentes ambientes, desde a sala de aula até o pátio da escola, proporcionando aos alunos diferentes contatos e experiências com o processo de leitura. Durante cada etapa de leitura era realizada uma pausa para que os alunos pudessem anotar os seus pensamentos, dúvidas e comentários em seus “diários de leituras”, um fichário individual realizado por cada aluno, o que possibilitou o início da formação de um pensamento crítico e principalmente reflexivo. A ideia de formação de pensamento crítico a partir da leitura também é legitimada pelo professor Luiz Percival Britto, em seu ensaio Ao revés e do avesso, que defende, sobretudo, incentivar o desenvolvimento de leitores críticos, capazes de questionar o texto e absorver as ideias do autor de forma consciente.

Após o término da leitura na íntegra, os alunos realizaram uma socialização, na qual debateram sobre o livro, tiraram as dúvidas com a professora e tiveram conhecimento sobre os posicionamentos dos colegas. Por fim, cada aluno produziu uma resenha do livro A bolsa amarela, que foi exposta em um mural na escola.

Segundo a pesquisadora, as discussões e trocas de informações entre os colegas de sala foram essenciais para a compreensão do texto e para a concretização dos posicionamentos defendidos. Por sua vez, a produção do gênero diário de leituras gerou nos estudantes maior reflexão sobre o texto literário e maior interação com os personagens da história, sendo essa uma etapa fundamental para a formação de leitores literários. Para Martins, os projetos de leitura precisam ser organizados e sistematizados pois “[…] de nada adianta promover uma aula de leitura por semana para os estudantes sem propósitos e objetivos.” (MARTINS, 2022, p. 236).

Como aluna advinda de escola pública, entendo a importância dos projetos de leituras na escola, sobretudo entendo a importância do profissional de Letras e pedagogos para que esses projetos aconteçam, uma vez que é necessário tirar do financiamento pessoal para que as aulas de literatura aconteçam no ensino público. Para Britto (2015), a criação de projetos de leitura deve sempre manter um caráter ativo na defesa da leitura como direito e privilegiar os trabalhos nas escolas e bibliotecas públicas. Na atual conjuntura, faz-se cada vez mais  necessário formar cidadãos críticos. E para isso, é necessário formar jovens leitores.

Dada a importância da pesquisa, resolvi conversar com a professora Thaís, que me respondeu algumas questões (por meio de perguntas enviadas on-line):

Laiara: A sua tese é baseada em um projeto realizado em 2019, intitulado “baú da leitura”. Você tem dado continuidade ao projeto? Quais os resultados a longo prazo estão sendo gerados?

Thaís Martins: Não leciono mais na escola que realizei o projeto “baú da leitura”. Em 2020 pedi remoção e atuo em outras escolas, então, não tenho informações sobre a continuidade do projeto, o que sei é que a diretora tinha interesse em continuar, pois foi um projeto que movimentou a escola e proporcionou aos alunos o contato com o mundo da literatura.

Laiara: No texto, você diz ter escolhido o livro “Bolsa Amarela”, de Lygia Bojunga, para o projeto, por ter como objetivo “encontrar uma adesão mais fácil dos estudantes”(MARTINS, 2022, p.226). Sabendo que o Brasil é um país com baixa adesão à leitura desde o ensino fundamental, quais as principais dificuldades encontradas ao trabalhar sobre um livro na sala de aula?

Thaís Martins: As dificuldades são inúmeras, pois o desinteresse pela leitura é uma questão que ultrapassa a sala de aula, e, se tratando das escolas públicas, as questões socioeconômicas influenciam muito, pois a maioria dos estudantes possui realidades cruéis, muitos vão para escola com o objetivo de fazer a única refeição do dia, como esse aluno vai se interessar pela leitura? Como vai ter vontade de ler algo? Outra dificuldade que encontramos é a concorrência com o mundo digital, no caso daqueles  estudantes que possuem condições financeiras um pouco melhores, pois não é fácil competir com jogos, videogames, redes sociais e as inúmeras atrações do mundo tecnológico.

Laiara: É sempre recorrente e, recentemente, reapareceu – principalmente na internet – o debate sobre a leitura de obras clássicas (como Machado de Assis, Clarice Lispector, Aluísio Azevedo) por estudantes no ensino fundamental e ensino médio. Qual o seu posicionamento sobre o tema? Quais mecanismos podem ser utilizados para romper as barreiras que existem entre o jovem leitor e os textos clássicos?

Thaís Martins: Parafraseando Antônio Candido, acredito que a literatura é um direito e um fator de extrema importância para a formação humana, dessa forma, a escola é o lugar que deve propiciar aos estudantes o contato com o mundo dos livros. Podemos utilizar muitos mecanismos para trabalhar com textos clássicos em sala de aula, por exemplo, o professor pode iniciar pelos contos de Machado de Assis, pois são textos mais acessíveis ao público jovem, com temas interessantes e polêmicos, uma leitura feita pelo professor com pausas para explicação sobre as palavras rebuscadas, situando o contexto histórico, com entonação e dramatização, ou seja, promover de forma mais lúdica e prazerosa a leitura de alguns textos clássicos pode ser um bom mecanismo.

Outro ponto que podemos observar nas escolas é a obrigação relacionada à leitura dos clássicos, o papel da escola é aproximar esses textos dos estudantes e não distanciar, portanto, obrigá-los a ler não é o caminho ideal. Acredito que uma boa estratégia é o trabalho com os seminários de literatura, nos quais a turma é dividida em grupos de trabalho, cada grupo precisa estudar uma determinada obra literária para apresentar aos colegas. Nessa proposta, alguns estudantes leem o livro na íntegra, outros leem os resumos, o importante é que de uma forma ou de outra acabam tendo contato com textos clássicos e não passarão pela Escola Básica sem conhecê-los.

Laiara: Em um trecho do texto é dito que “[…] os alunos recebiam o capítulo para leitura apenas no momento da aula. Para isso, a professora tirou cópias com recursos próprios, pois na escola havia apenas um exemplar do livro A bolsa amarela.” (MARTINS, 2022, p. 229). Dentre as diversas dificuldades que existem na formação de um leitor, você acredita que dentre elas está o baixo investimento na educação, especialmente em escolas públicas, com baixo repertório de livros nas bibliotecas ou, por vezes, escolas que não possuem nem mesmo uma biblioteca?

Thaís Martins: Com certeza, a situação da maioria das escolas públicas é precária, faltam bibliotecas, faltam profissionais especializados para trabalhar, faltam investimentos em acervos, em projetos, falta vontade dos responsáveis em investir na educação. Infelizmente, essa é uma triste realidade no Brasil, um país onde investimentos em educação são considerados despesas, um país onde os professores não são valorizados. Precisamos avançar em políticas públicas que tenham por objetivo uma educação de qualidade, enquanto isso, muitos professores seguem fazendo milagres em suas escolas, tirando dinheiro do próprio salário para tentar proporcionar uma formação digna aos seus estudantes.

Assim, reforço mais uma vez a importância de uma boa formação para os profissionais de Letras, mas, sobretudo, a importância do investimento governamental em escolas públicas, para que outros professores não precisem fornecer de recursos pessoais para proporcionar aos estudantes uma formação literária digna.

 

REFERÊNCIAS

BRITTO, Luiz Percival Leme. Ao revés do avesso: leitura e formação. São Paulo: Pulo do Gato, 2015. 144 p.

MARTINS, Thaís Gonçalves. Baú da leitura: uma proposta de formação crítica para os estudantes do ensino fundamental. In: LIMA, Sheila Oliveira; PASCOLATI, Sonia (org.). Práticas de leitura literária na escola. São Carlos: Pedro & João Editores, 2022. p. 223-239.

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