Tri, Afu e Baita: como funcionam?

19/01/2023 07:52

Por Angelo Perusso

Bolsista PET-Letras UFSC

Letras – Português

Ao nos depararmos com alguém nascido em Porto Alegre naturalmente associamos a fala dessa pessoa a expressões como “bah, tri legal né, guri”, por serem expressões muito presentes no vocabulário da maioria das pessoas nascidas na capital gaúcha. Neste texto, tendo em vista essas variedades, trataremos mais especificamente de adjetivos intensificadores que também podem atuar como adjetivos positivos, por exemplo, o consagrado “tri”. O “tri” (além de ser o nome do cartão do ônibus de Porto Alegre) é também uma expressão que pode atuar nessas duas funções, pois quando temos uma frase do tipo “esse teu tênis é tri feio”, ele está atuando como atuaria o “muito”, o “mega”, o “super”, entre outros termos usados para atribuir intensidade. Ou seja: o tênis não é somente feio, mas “tri” feio. Quando o “tri” aparece neste uso, ele está mais próximo do seu sentido original, que a Zero Hora, jornal típico de Porto Alegre, explicou em uma matéria de 2018, e que é o seguinte: a expressão se popularizou nos anos 1970, logo após o Brasil ser tricampeão da Copa do Mundo de Futebol. Logo, tudo que era muito bom (ou muito ruim, ou muito qualquer coisa), era três vezes bom, então era “tri.” Porém, o que decorreu disso foi que o porto-alegrense pegou gosto pelo tal do “tri” e eventualmente começou a dispensar o adjetivo que vinha depois, quando se tratava de coisa boa. Logo, se algum porto-alegrense vir o seu tênis novo e disser “bah, que tri”, ele quer dizer que o tênis está aprovado, que é bonito, ou legal, ou qualquer coisa boa.

Ainda na fala do porto-alegrense, há um outro exemplo bastante comum de casos como esse, que é do “afudê” e do “afu”, que são pai e filho. Em um passado distante, o termo mais comum era o “afuzel”, que é avô do “afu”. Essa expressão era usada para expressar que algo era bom, bonito, legal, entre outras coisas boas. Lentamente, o “afuzel” foi substituído pelo “afudê”, que significa a mesma coisa: algo bom. “Bah, que afudê teu tênis”: se seu amigo disse isso, pode sair pra festa tranquilo com o teu tênis novo, ele é bonito. Se tu contar que foi de férias para Floripa e teu amigo te disser “afudê, meu”, significa que ele achou “bem legal”.

Porém, surgiu uma abreviação, que é o “afu”, e que por sua vez funciona muito mais como intensificador, mas também pode ser visto como adjetivo positivo. Por exemplo, se alguém se aproxima de ti e diz “tu tá cheiroso afu, hein meu?”, significa que tu está muito cheiroso, assim como se alguém disser que tu é “feio afu”, significa que tu é muito feio. No caso do “afu”, nos dias atuais, essa é a forma amplamente mais popular de utilizá-lo, como um intensificador do que vem a seguir. Até pouco tempo atrás e, provavelmente, por causa da relação com o “afudê”, era possível se deparar com diálogos do tipo “como foi o jogo?”, “foi afu”. Logo, aqui nessa função, o adjetivo intensificador “afu” também vai assumir uma postura de adjetivo positivo, assim como faz o “tri”. Entretanto, é necessário pontuar que o “tri” é muito mais produtivo na fala.

Agora, subamos para a praia veranear e falemos então de uma expressão que, embora também aconteça na fala porto-alegrense e de outros lugares, aparece com os dois sentidos, que buscamos na fala dos moradores da Ilha de Santa Catarina, especificamente a dos nativos, que é o “baita”. Conversando com uma amiga um dia desses, ela me disse que os nascidos e crescidos em Florianópolis, popularmente chamados de “manezinhos”, se fossem flertar com uma menina, poderiam dizer a frase “tais uma baita hein, feia”. Aqui, vemos o termo “baita” aparecer como um substituto para “bonita” ou “atraente”. É possível ver ainda, ao mostrar o tênis novo ou contar uma história, reações como “que baita”, que seria justamente o “baita” aparecendo na função do “legal”. Outro caso ainda é quando ouvimos que “foi um baita jogo” ou que alguém viu um “baita filme”. Essa pessoa muito dificilmente estará se referindo ao tamanho do jogo ou o tamanho do filme, mas sim a sua qualidade; logo, essas frases poderiam ser substituídas por “foi um ótimo jogo” e “um ótimo filme.” Ou seja, nessa maneira de utilizar a expressão ela está agindo como um adjetivo positivo, mas em sua função original ela age do mesmo jeito que o “tri” agia quando surgiu, que é na função de intensificador.

A grande questão é que o baita na função de intensificador apresenta nuances, pois ele pode indicar intensidade, mas também tamanho. Voltando à fala porto-alegrense, alguém pode dizer que teve que subir uma “baita lomba”, ou seja, um grande morro, mas também pode dizer que alguém é um “baita de um mala sem alça”, ou seja, uma pessoa “muito chata”. Por vezes também é possível confundir se o baita está agindo como um adjetivo que indica que algo é bom ou grande, por exemplo, na frase “ele é um baita homem”. É possível interpretar que o homem em questão é grande, mas também que ele é um homem bom, honrado. Logo, vemos que o “baita” também pode aparecer tanto na função de adjetivo positivo como de intensificador.

Algo semelhante, e que nos ajudará a entender esses processos, é explicado por Basso (202, p.6). Ao fazer uma análise do intensificador “puta”, ele percebe que a maneira que um intensificador se comporta vai variar de acordo com o que ele está se combinando. No caso do “puta”, vemos que quando ele está combinado com um nome, ele pode ser substituído por “ótimo” ou “bom”, como em “João tem um puta emprego”. Por outro lado, se o “puta” estiver combinado com um adjetivo, ele então poderá ser substituído por “muito” ou “bastante”, como em “ele é um puta chato”.

O “baita” se comporta da  mesma maneira, pois poderíamos dizer que “João tem um baita emprego”, colocando o baita como um intensificador nominal e atribuindo assim o caráter de “bom” ou “ótimo”, bem como poderíamos utilizar “Ele é um baita chato”, colocando o “baita” como intensificador adjetival e atribuindo assim o caráter de “muito chato”. Algo parecido (mas não igual) pode ser feito também com o “afu” e com o “tri”, pois se disséssemos que “João tem um emprego tri” ou “um emprego afu”, estaríamos combinando nossos intensificadores com um nome, e eles estariam atribuindo a ideia de “ótimo” ou “bom” a esse nome; porém, nesses casos, precisam aparecer somente após o nome na sentença. Caso utilizássemos “ele é tri chato” ou “ele é chato afu”, teríamos os intensificadores combinados com adjetivos, atribuindo característica de “muito” ou “bastante” ao adjetivo. Novamente, como vimos, o “tri” muda de posição e, ao se combinar com o adjetivo, aparece antes dele na sentença, enquanto o “afu” permanece sempre após o termo que ele se combina.

Por fim, cabe dizer que se tu chegou até aqui e não entendeu nada, então esse texto foi “tri nada a ver”.

Comments