O pichador de setenta anos: as cores de uma cidade.
Angelo Perusso,
Bolsista PET-Letras
Letras Português
Em Porto Alegre, a 470 quilômetros ao sul de Florianópolis, é absolutamente impossível passar por qualquer rua da região central da cidade sem se deparar com um adesivo ou uma pichação que diga “Toniolo”. Geralmente, os adesivos vem acompanhados de alguma crítica política, mas, às vezes, levam só o nome de seu autor. O problema de contar essa história é que quem não vive em Porto Alegre não faz ideia da proporção. Os adesivos preenchem o chão do centro da cidade, não é possível dar 10 passos sem cruzar com um deles. Pessoas da minha geração, a dos anos 2000, e até da geração de meus irmãos, dos anos 1990, raramente sabem a verdadeira história por trás desses adesivos. Lá em casa já se teorizou de tudo, mas nunca chegamos perto do que era de verdade.
Aos 76 anos, Sérgio José Toniolo, um senhorzinho muito carismático, cola de 400 a 500 adesivos por dia pelas ruas de Porto Alegre, e afirma que, quando mais novo, chegou a colar 1800 por dia. O senhorzinho vai andando pela rua, abaixa, cola o adesivo, então passa o pé em cima para firmar bem e, assim que está bem colado, parte para o próximo. Mas o que há de mais interessante nisso tudo é a história que o levou a desenvolver esse curioso hábito. Toniolo era policial civil no período ditatorial. Revoltado contra o sistema, como ainda o é, escrevia crônicas em que reivindicava direitos ao povo, colocava o dedo na ferida do governo. Tanto os jornais quanto a própria polícia proibiam suas crônicas de serem publicadas, mas foi só em 1982, quando Toniolo tentou se lançar como deputado estadual e teve sua candidatura embargada ilegalmente, que o homem de 37 anos começou a pichar.
Fonte: Imagem da Internet
Em 1984, Toniolo teve a ideia que fez com que seu nome ficasse conhecido em Porto Alegre. Enviou para todos os jornais da cidade o aviso de que no dia 17 de janeiro, às 17h horas, ele picharia o Palácio Piratini, que é a sede do governo do estado do Rio Grande do Sul. No dia anterior, Toniolo deu até entrevista para uma rádio, que também entrevistou o chefe da Casa Militar, que afirmou que estariam esperando Toniolo “de braços abertos”. Ninguém, absolutamente ninguém na cidade inteira, apostava que ele fosse conseguir. Chegado o dia, Toniolo ficou dentro da igreja que fica ao lado do Palácio, e um minuto antes das cinco o homem saiu da igreja e foi em direção ao palácio, chegando ao cordão de policiais da Brigada Militar, ele disse “boa tarde, irmãos”, e os policiais caíram no seu disfarce de padre. A TV, os porto-alegrenses viram a parede do Palácio Piratini amanhecer com uma pichação que dizia “TONIOL” porque na hora de fazer o “O” ele foi descoberto e detido pela polícia, mas aí, a desmoralização já estava completa, e também estava completo o grande feito de Toniolo: a primeira pichação com hora marcada da história.
Hoje, 40 anos após começar, Toniolo afirma: “Meu protesto não adianta nada, eu não convenço ninguém.”. De acordo com o pichador, protesto que tem impacto verdadeiros são aqueles com cartazes e gritos, que lotam as ruas, mas cada um tem que fazer alguma coisa, e esse é o jeito dele de participar. Além disso, afirma ele, se parar agora, vai engordar. A maioria dos cidadãos de Porto Alegre nem sabem que Toniolo existe, mas todos por lá conhecem seu nome.
Fonte: O próprio Toniolo, em Entrevista ao jornalista em quadrinhos Pablito Aguiar.
*Descrição da imagem: A foto mostra um gramado verde, sobre o qual há uma escultura, que é composta de colunas dispostas na diagonal para a esquerda, de cor cinza, que atravessam um disco largo e marrom. No centro do disco marrom há uma pichação, em cor branca, que contém o seguinte texto: TONIOLO. Mais ao fundo, vemos algumas árvores, o céu cinzento e prédios no canto superior direito.
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