A Academia Brasileira de Letras e a subversão do cânone

23/11/2021 10:57

Moara Zambonim,
Bolsista PET-Letras
Letras Português

Fundada em 1897, a Academia Brasileira de Letras (ABL) teve sua primeira integrante mulher apenas 80 anos depois dessa data. Raquel de Queiroz, mulher nordestina, ingressa em 1977 na Academia. Recentemente, Fernanda Montenegro ingressou na ABL, que tem aberto espaço para outros tipos de manifestação cultural, na tentativa inclusive de incorporar expressões artísticas populares. Em entrevista a Malu Gaspar, a atriz comenta:

“Já não teve nenhuma mulher [na academia]. Isso [mulheres ocupando cadeiras na ABL] não vai parar. Vai chegar uma hora que talvez tenha mais mulheres do que homens. Certamente, a chegada das mulheres vai ter força e será aceito. É do tempo atual, da justiça em torno da existência humana.”

Outro ingresso recente na ABL foi o de Gilberto Gil, dentro da mesma ideia de abertura para outras artes. Ele comentou sobre a importância de haver mais pessoas negras ocupando esses lugares e também disse, à Folha, que, na juventude, fazia muitas críticas a essas estruturas canônicas, inclusive tendo uma postura antiacademicista. Gil relembra que, nessa época,], sua geração enxergava a ABL como uma “referência passadista”, mas que, hoje, consegue entender a “dimensão da importância” dela.  Relembrando a sua trajetória e a revisão de valores da juventude à velhice, Gil comenta: “É preciso ter apreço por isso”.

Gilberto Gil e Fernanda Montenegro*
Fonte: imagem da internet

Há quem defenda a total extinção da Academia e da estrutura canônica literária que obviamente refletem construções sociais, seus valores, seus preconceitos. Segundo esse ponto de vista, esse perfil acadêmico corrobora para a permanência dessas estruturas hoje entendidas como carentes de revisão crítica — seus espaços simbólicos afirmam a hegemonia masculina, de caráter sexista e racista. Mas, ao repensarmos a construção do cânone literário, observamos que se abre caminho no sentido de inserir mais personalidades que, à margem do sistema social e/ou cultural, tiveram suas vozes silenciadas ao longo da história.

O ingresso desses dois representantes na Academia Brasileira de Letras confirma essa abertura e ratifica o prestígio não somente deles, mas, também, da área em que atuam.  Uma das maneiras, que entendo bastante positiva, para que essa caminhada, realizada com critério, avance, atingindo a todas as camadas da sociedade, é difundir nas escolas as obras que novos integrantes produzem, seja no campo da literatura, das artes cênicas, da música ou outras. Dar visibilidade a novos objetos culturais de valor e a seus autores é, a meu ver, um grande passo para uma sociedade mais justa e humanizada.

* Descrição da imagem:  Fernanda Montenegro, uma senhora branca, com cabelos curtos brancos e óculos de armação branca, está de terninho azul em pé ao lado de Gilberto Gil, um senhor negro com cabelos curtinhos grisalhos, de terno branco. Eles estão de máscara e olhando para o lado. Percebemos que eles estão dentro de um prédio, o da ABL, o chão é de azulejo e as paredes são cinza com janelas quadradinhas. Ao fundo, estão algumas cadeiras encostadas na parede.

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