“Sabotagem sem massagem, na mensagem: Slam, resistência!”

17/12/2020 14:28

Felipe Mateus dos Santos,
Bolsista PET – Letras
Letras Português

O título deste texto faz menção ao grito ecoado pelo apresentador e pelo público de um dos Slams mais famosos de São Paulo — o “Slam Resistência” — e mostra um pouco do caráter e do conteúdo das produções artísticas apresentadas ali. Essas competições, também consideradas por muitos como um “esporte da poesia falada”, trazem em sua essência a voz de identidade e resistência dos poetas contemporâneos e reivindicam cultura jovem, popular e periférica.

Esse movimento artístico surgiu na década de 1980 em Chicago, nos Estados Unidos, e, de acordo com um documentário chamado: Slam: Voz de Levante, Marc Kelly Smith foi o primeiro organizador desse evento que reúne diversos artistas. Segundo ele, o Slam utilizou a lógica da competição — como acontece nas batalhas de rima da cultura Hip Hop —  como forma de chamar atenção para o texto e a performance dos artistas.

O Slam é semelhante a um sarau, porém com algumas regras simples de organização e funcionamento:

– poesias de autoria própria, decoradas ou não, de até três minutos;
– proibido a utilização de figurinos, cenários ou instrumento musical;
– escolha aleatória de cinco jurados na plateia, responsáveis por dar notas de zero a dez;
– ganha a competição aquele ou aquela que tiver a maior nota.

Em cada competição, nas apresentações de Slam, o poeta é performático e só conta com o recurso de sua voz e de seu corpo. Os campeonatos com o foco nas poesias seguem etapas ao longo do ano. Portanto, de fevereiro a novembro, temos três rodadas e o vencedor, escolhido pelos cinco jurados da plateia, o qual recebe como prêmio livros e participa do Campeonato Brasileiro de Slam (Slam Br). Nesta etapa, o vencedor ganha a oportunidade de competir na Copa do Mundo de Slam, a qual é realizada todo ano na França no mês de dezembro.

Aqui no Brasil, os Slams foram introduzidos no ano 2008 por Roberta Estrela D’Alva, uma das slammers (poetisa) brasileiras mais conhecida pela mídia e que conquistou o terceiro lugar na Copa do Mundo de Poesia Slam 2011, em Paris. Ela proporcionou que os Slams brasileiros começassem através do ZAP! Slam (Zona Autônoma da Palavra) na cidade de São Paulo, dando assim, espaço para outros movimentos do gênero em  diversos outros lugares do país, como é o caso do Slam da Guilhermina, do Slam Paz em Guerra, do Slam do Caruaru, e dentre muitos outros campeonatos de Slams espalhados pelo país. Atualmente, apenas no estado de São Paulo, são registrados por volta de 50 eventos Slams. O movimento difundiu-se de maneira muito ampla pelo Brasil e, na estimativa geral realizada em 2018, cerca de 150 comunidades de Slam foram registradas no país todo, tendo pelo menos um evento Slam acontecendo em cada estado brasileiro, de acordo com um artigo escrito por  Igor Gomes Xavier para o Programa Profs Educação.

Fonte: Facebook/Slam Resistência, 2017*

Importante ressaltar, também, que a disseminação dessa competição poética foi e é tão grande, que hoje é possível perceber seu impacto no ambiente escolar. Algumas escolas do Estado de São Paulo fazem seu próprio Slam e levam seus vencedores às etapas seguintes, até que os finalistas participem do Slam Interescolar: Das ruas para as escolas, das escolas para as ruas. Essa modalidade do Slam é organizada, desde 2014, pelo coletivo Slam da Guilhermina — o maior Slam da Zona Leste de São Paulo. E não é exagero dizer que a presença do Slam nas escolas talvez seja um dos maiores incentivos que os alunos recebem para se tornarem leitores ativos, escritores, e cidadãos críticos e politizados.

Outro Slam que muito chama atenção, porém, infelizmente, ainda é pouco conhecido, é o Slam do Corpo, que tem como lema “novo jeito de falar, novo jeito de ouvir. O Slam do Corpo é o primeiro Slam de surdos e ouvintes em nosso país, os poemas são performados na Língua Brasileira de Sinais e em português simultaneamente, criando assim, um encontro muito produtivo para as duas línguas e culturas. De acordo com o evento, os poetas se apresentam seguindo as seguintes regras:

– os poemas devem ser autorais
– não podem passar de 3 minutos de duração
– não podem ter apoio de qualquer objeto de cena
– os jurados são escolhidos na hora e eleitos pelo próprio público.

Além do Slam do Corpo, outros eventos também são protagonizados por e para um público específico, como é o caso do Slam das Minas (apenas mulheres podem batalhar), do Slam Marginália (apenas travestis, pessoas trans e gênero-dissidentes podem batalhar), do Slam des Surdes (apenas pessoas surdas batalham, não havendo intérprete), mostrando assim a importância desses espaços e contextos culturais para exercício da cidadania estabelecidos através da palavra e do corpo.

Os Slams são espaços de poesia e resistência, empoderamento e impulsionamento pessoal, de superação de barreiras, além de ser um espaço político e social, levantando bandeiras de causas negras, indígenas, LGBTQIA+, feministas, de pessoas com deficiência, anticapitalista, ambiental, dentre outras causas tão importantes e vivenciadas dia após dia em nossa sociedade. É um espaço para encontrar seus pares, para entender a sua própria vivência e também a vivência do outro. E, acima de tudo, a existência do Slam por si só é um belo poema.

 

*Fotodescrição: Foto de uma mulher negra de cabelos presos no estilo dread, com um braço esticado ao lado e a outra mão apoiada no peito. Ela está de perfil, com a cabeça levemente inclinada para cima, tem os olhos fechados e a boca aberta, em posição de fala. Ela usa uma blusa roxa de alças finas e um colar no pescoço. Ao fundo vê-se pessoas sentadas lado a lado no chão e sobre uma estrutura construída no local.

 

 

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