A cidade onde não estamos: representatividade de pessoas com deficiência

17/11/2020 15:17

Ana Maria Santiago,
Bolsista de Acessibilidade
Letras – Português

Quantas pessoas com deficiência frequentam os mesmos lugares que você? E os seus círculos de convivência? Quantas são suas colegas, professoras, amigas? Essa pergunta é feita com certa frequência em relação às outras minorias, mas, mesmo assim, geralmente, estamos no final da lista. Dessa lista de minorias, que nem deveria existir. Só que dizer que a opressão contra as pessoas com deficiência é estrutural também significa que existe um lugar que querem que ocupemos para que outros continuem a ocupar o seu lugar de privilégios.

Fonte: imagem da internet*

Voltando à pergunta inicial. Já tem a resposta? Então, por quê? Será que somos poucos? Será que queremos ficar em casa? Na realidade, acho que sabemos que está longe de ser tão simples quanto isso. Por que não estamos em todos esses lugares? Talvez porque nos ensinaram que não deveríamos estar, não é mesmo? Não com uma palavra ou outra, mas sistematicamente por meio de atitudes cotidianas. É possível dizer que nossa presença, por vezes, incomoda. Sabe o porquê disso? Porque somos encarados como “um desafio”; porque nos querem em casa e em alguns instituições específicas; porque acham que não somos responsabilidade de ninguém; porque você, agora mesmo, está duvidando de todas essas coisas.

E a cidade? A cidade, arquitetonicamente planejada, nos diz que não pertencemos a ela. As calçadas, os prédios e as paisagens, enfim, as pedras e todo o concreto gritam que foram feitos para um tipo de pessoa que não somos nós. O ônibus passando impassível e o semáforo silencioso sussurram ou mesmo gritam que precisamos nos adaptar, não o contrário. Contudo, ninguém deveria precisar se adaptar à própria cidade, não é mesmo? Pois é. Motivos práticos não faltam. Além disso, a informação que só chega em um formato, em uma foto ou em três línguas, sendo que nenhuma delas é Libras, por exemplo. O fato é a cidade em que não estamos. Não estamos, por quê?

Quando estamos, somos considerados heróis do “por causa” ou do “apesar”; somos a sua fonte inesgotável de dúvidas previsíveis, até desconfortáveis, às vezes. Só que quando importa, vocês não perguntam. Acreditam que sabem o que é melhor para quem somos. Ah, claro que sabem. Somos um suposto modelo de muitas coisas. Todas erradas. Por trás de tudo o que você acha que sabe sobre nós, não somos. De novo: o que resta? Alguém tentando viver a própria vida.

Todavia, uma vez mais, e a pergunta inicial? Estamos falando de uma estrutura, aquela lá dos privilégios, mas também de tantas outras coisas. Ou seja, não é acidental o fato de você conhecer poucas pessoas com deficiência. Ou se envolver com poucas de nós. Não quer dizer que outros fatores também não interfiram, mas pense. Por que não estamos? Pensei, por um tempo, que com quem nos relacionamos ocupasse um âmbito muito individual, mas as nossas relações também são políticas. E, então, ficam as perguntas: quantas pessoas com deficiência frequentam os mesmos lugares que você? E os seus círculos de convivência? Quantas são suas colegas, professoras, amigas?

*Descrição da imagem: A imagem apresenta uma rua com um pouco de água acumulada no chão onde há quatro pares de calçados alinhados horizontalmente na parte superior da imagem. Diante os calçados, há a projeção das sombras de quatro pessoas jovens sobre o chão molhado. A parte superior direita da imagem está mais iluminada e as luzes vão se tornando mais suaves em direção a parte inferior e o lado esquerdo.

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