Língua e memória: ‘eine Hommage an meinen Vater’

14/10/2020 12:04

Vítor Pluceno Behnck,
Bolsista PET-Letras
Letras – Inglês

Há pouco mais de um ano eu perdi o meu pai. Foi um grande choque para mim porque eu, no auge dos meus 17 anos, no primeiro ano de faculdade e morando sozinho, não sabia muito bem o que sentir ou dizer a respeito. Meu pai era descendente de imigrantes alemães que vieram para o Brasil em 1824, mais ou menos. Eles fundaram uma colônia no interior do Rio Grande do Sul, e é de lá que vem toda minha família paterna. Como eu sei disso? Bem, meses antes de seu falecimento, precisamente nas férias de inverno de 2019, eu comecei uma busca incessante para entender como eu vim parar aqui, no sul do Brasil. Por parte de mãe não houve nenhum registro; mas por parte de pai, consegui uma série de documentos que me levaram até meu trisavô. Cheguei até a descobrir que minha tia, irmã mais velha da geração do meu pai, lembrava de algumas palavras que os mais velhos falavam no dialeto que trouxeram lá no século XIX — completamente diferente do que se fala nos dia de hoje, por sinal.

Fonte: Deutsch Welle*

Meu pai chegou a ficar sabendo de algumas das descobertas que eu e meu irmão fizemos, e logo depois que ele faleceu, me matriculei nos Cursos Extracurriculares de Alemão da UFSC. Só quem já estudou Língua Estrangeira sabe: as primeiras aulas de nível A1 são uma maravilha. Depois? Vish… Só um santo na causa para explicar todas as declinações e os trennbare Verben. Já se tornaram incontáveis as tantas vezes que eu ouvi coisas como: “Alemão? Você é louco”; ou, até mesmo, a famigerada frase: “A vida é muito curta para aprender alemão”. Contudo, a realidade é que eu amo essa língua! Para além do apego afetivo, o alemão é uma língua desafiadora, com diferenciais muito idiossincráticos que a tornam um desafio solucionável, mas que necessita de apreço e atenção. Se você tem interesse em mergulhar nesse universo, eu recomendo os websites da DW Deutsch Lernen e Germanofonia e os canais Alemanizando e Deutsch und Deutschland.

Para além de ser uma mini crônica sobre a minha vida e uma referência à minha experiência como aprendiz de uma nova língua, essa matéria também é um manifesto clamando pelo entendimento de língua como um componente crucial para o patrimônio histórico e cultural das sociedades humanas. É sempre bom lembrar que a herança linguística no Brasil é um privilégio, pois o apagamento histórico, cultural e linguístico de minorias acontece no país desde que certas caravelas atracaram aqui lá pelos 1500. Com a morte de anciões de aldeias indígenas por conta da COVID-19, 190 línguas de povos originários correm perigo de sumir. Para mim, estudar alemão é manter viva em mim a memória daqueles que já partiram e fizeram com que eu estivesse aqui hoje. É lembrar meu pai, meus avós e todos que vieram antes. Isso não deveria ser um privilégio. Não podemos mais normalizar tantas tragédias. Precisamos agir. História, memória e língua sempre caminham juntas!

*Fotodescrição: fotografia tirada à noite com uma câmera analógica. Uma multidão está em frente ao Bundestag, sede do parlamento alemão, comemorando a Reunificação Alemã, no dia 3 de outubro de 1990. O Bundestag é composto por uma parte central, com cinco pilares de concreto e uma cúpula no topo. Nos lados esquerdo e direito, há a continuação do prédio que levam a duas torres maiores, com a bandeira da Alemanha (composta pelas cores preta, vermelha e amarela, de cima para baixo) em seus topos. A multidão que está na frente do Bundestag usa roupas com estilo dos anos 80, segurando bandeirinhas da Alemanha e gravetos com faíscas saindo da ponta. Ao fundo, há vários fogos de artifício e bandeiras não-identificáveis (provavelmente dos estados da Alemanha) no lado direito do Bundestag.

Comments

Tags: comunicaPET