“The first pride was a riot”: em tributo a Stonewall e ao mês do orgulho LGBT

18/06/2020 19:14

Ananda Henn,
Bolsista do PET-Letras
Letras – Português

Se você usa redes sociais, é provável que esse mês tenha visto rolando bastante por aí o termo “pride month”. Talvez tenha aparecido para você em threads de recomendações de filmes no Twitter, ou quem sabe até em e-mails de promoções de lojas virtuais. Aqueles que sabem que no dia 28 de junho é celebrado o dia internacional do orgulho LGBT — e que em sua homenagem ocorre a famosa “parada gay”, ou melhor, a parada do orgulho LGBT — podem ter chegado automaticamente a conclusão de que no Brasil, assim como em outros países, junho é celebrado como o pride month, ou “mês do orgulho”, para a comunidade LGBT. Mas afinal, você sabe por que dia 28 de Junho? Uma palavra: Stonewall.

Fonte: Montagem feita pela autora a partir de imagens retiradas da internet.*

Quem já pesquisou sobre a história dos movimentos LGBT por direitos, inevitavelmente, deve ter esbarrado em algum momento com os protestos de Stonewall, mas mesmo dentro da comunidade poucos realmente conhecem o que aconteceu naquele junho de 1969 e o porquê de ter sido tão significativo. Para isso, é preciso entender um pouco do contexto histórico daquelas manifestações.

Como exposto por Carter (2004) no livro Stonewall: the riots that sparked the gay revolution, em grandes metrópoles como Nova York, bairros como Greenwich Village se tornaram no pós-guerra o lar de um grande número de homossexuais; eram poucos os estabelecimentos, porém, onde membros da comunidade pudessem se reunir abertamente. Os “bares gays”, portanto, ocupavam um espaço central da comunidade, mas devido a uma regra da New York State Liquor Authority (em português, Autoridade de Bebidas do Estado de Nova York), a presença de um “homossexual conhecido” em um estabelecimento com licença para venda de álcool por si só tornaria o local “desordenado” e passível de ter a licença revogada. Assim, quem assumiu o controle de bares gays foi ninguém menos que a máfia, que pagava aos policiais para evitarem ataques frequentes aos bares e, em compensação, garantirem para si muito lucro ao vender bebidas superfaturadas misturadas com água, além da cobrança da taxa de ingresso aos estabelecimentos.

Um desses bares era o Stonewall Inn, localizado na Christopher Street do Greenwich Village e controlado pela Família Genovese. Era um dos bares mais populares por ser barato e o único bar para homens gays na cidade onde era permitido dançar — um grande atrativo. Muito frequentado por “street kids”, jovens homossexuais moradores de rua, e por drag queens, sua clientela era bastante diversa entre brancos, negros e hispânicos, sendo a maioria gay, e, também, contava com significativa presença de lésbicas.

As invasões da polícia costumavam ocorrer cedo e em noites da semana, momentos de menor movimentação do bar, e os funcionários geralmente eram avisados com antecedência pelos seus contatos na polícia para que a bebida pudesse ser escondida (o estabelecimento não tinha licença para vender álcool). Na madrugada de um sábado de 28 de junho de 1969 não foi assim que aconteceu. Pressionado a “limpar a cidade” em busca da re-eleição em Novembro, o prefeito de Nova York incentivou a polícia a aumentar as invasões nos bares gays. Naquela noite, o bar lotado foi invadido e, para alguns, era a primeira vez que presenciavam a ação policial. O procedimento padrão era conferir as identidades dos clientes e fazer com que as policiais do sexo feminino levassem aqueles vestidos como mulheres para o banheiro para verificar seu sexo, sendo que qualquer pessoa fazendo cross-dressing seria presa (era obrigatório por lei o uso de ao menos três itens de vestimenta “apropriados ao próprio sexo”).

Por algum motivo, ao invés de aceitar com resignação, a população revidou. Ninguém sabe ao certo como tudo começou — as pessoas que conseguiram sair do bar não foram embora, como de costume, mas se juntaram na frente do prédio; alguns clientes se recusaram a mostrar suas identidades; drag queens se recusaram a terem seu sexo confirmado; os selecionados para serem levados para delegacia se recusaram a entrar no comboio policial. Logo, segundo consta nos registros, a sensação era de revolta e indignação e, com o número de homossexuais do bar e da vizinhança, atraídos pela movimentação, era significativamente maior que o de policiais, a situação acabou virando de tal maneira que todos os policiais entraram no bar com medo da violência (STONEWALL, 2010).

O que se seguiu foram horas de conflitos. Os frequentadores do bar atearam fogo em latas de lixo, quebraram janelas, atiraram moedas (em referência à propina recebida da máfia), pedras e outros objetos nos policiais, se recusaram a deixá-los levar os clientes presos, cercaram o quarteirão para os impedir de irem embora, saquearam o bar e, enfim, começaram o que ficou conhecido como a Rebelião de Stonewall. No dia seguinte, o bar já estava em funcionamento novamente e a polícia voltou com gás lacrimogêneo e mais violência, mas a população estava preparada. Inspirado e apoiado pelos crescentes movimentos de direitos civis e das mulheres, de ações antiguerra, de Maio de 68 e da contracultura da década de 60, nasce com força o movimento LGBT por direitos.

Fonte: Montagem feita pela autora a partir de imagens da internet.**

Além dos eventos de Stonewall terem incentivado a criação de grupos como a Frente de Liberação Gay e instigado muitos membros da comunidade a se tornarem ativistas, no ano seguinte, para marcar o aniversário de Stonewall, foi organizada uma marcha de protesto no dia 28 de junho, divulgada como “Christopher Street Gay Liberation Day” (em português, “Dia da Libertação Gay Rua Christopher”), considerada a primeira parada de orgulho LGBT, a qual, hoje, é realizada em diversas cidades por todo o mundo. Embora infelizmente tenha perdido muito do seu caráter político e de protesto, e mesmo muitos participantes sequer saberem de sua história, toda parada carrega consigo um pouquinho do espírito de Stonewall.

Referências:
CARTER, David. Stonewall: the riots that sparked the gay revolution. Nova York: St. Martin’s Griffin, jun. 2004. 323 p.)
STONEWALL Uprising. Direção de Kate Davis‎ e David Heilbroner. Nova York: First Run Features, 2010. (82 min.).

*fotodescrição 01: colagem de três fotos em preto e branco. Na esquerda, foto do bar Stonewall Inn como era na época dos protestos: prédio de dois andares, tendo a parte inferior revestina de tijolos aparentes, contornando duas portas com o topo oval e uma grande janela de vidro retangular; e a parte superior pintada de branco; atrelado ao prédio um grande letreiro vertical onde se lê “Stonewall Inn”. Na direita, a foto superior retrata jovens manifestantes na rua sendo empurrados pela policia; eles estão de frente para a câmera e somente as costas dos policiais aparecem na foto; ao fundo, pessoas em escadas observam o tumulto. Na foto abaixo, observa-se um grupo participando de uma parada/marcha; a figura central é um homem de barba preta comprida, boné e com a camisa aberta segurando uma bandeira americana, cuja a ponta, somente, aparece na foto — atrás, ao seu lado direito, dois jovens de cabelo comprido e bigode estão também caminhando, e em seu lado esquerdo, caminhando atrás, pode-se observar outro jovem de bigode e cabelo curto castanho; ao fundo desses três homens, acima de suas cabeças pode se observar uma faixa sendo carregada por participantes da macha, onde se lê “Stonewall means fight back! Smash gay opression! Gay Caucus – Youth Against War & Fascism” (em português, “Stonewall significa revidar! Esmague a opressão gay! Caucus Gay – Juventude Contra Guerra e Fascismo”), sendo que a cabeça do rapaz principal cobre parcialmente a palavra “youth” (em português, juventude).

**fotodescrição 02: colagem de quatro fotos em preto e branco. Na esquerda, a foto superior retrata dois jovens posando em pé na rua com uma faixa onde se lê “Christopher Street Gay Liberation Day 1970” (em português, “Dia da Libertação Gay Rua Christopher 1970”), que seguram por hastes de madeira acima de suas cabeças; ao fundo, vê-se outras pessoas em pé interagindo. A foto inferior retrata um grupo de manifestantes em pé atrás de uma barreira da polícia, na extrema esquerda pode-se identificar Sylvia Rivera, falando de perfil, e ao seu lado Marsha P. Johnson, sorrindo de frente e segurando um guarda-chuva, duas ativistas proeminentes de Stonewall; as outras manifestantes também sorriem, sendo que a da extrema direita segura um cartaz onde se lê “Gay Rights for Lesbian People Vote for Intro 475” (em português, “Direitos dos Gays para Pessoas Lésbicas Vote para a Intro 475”), e apoiado na barreira policial em outro cartaz se lê “Dyke Power” com o desenho de um triângulo logo abaixo. Na esquerda, a foto superior retrata um jovem participante dos protestos de Stonewall sendo confrontado por cinco policiais; ele está de frente para a câmera, virado para a direita, e tem seu braço direito segurado por um policial de costas para a câmera e o outro braço erguido para afastar outro policial que se aproxima pela sua esquerda; o manifestante está posicionado de forma meio abaixada e parece falar alguma coisa para o policial da esquerda. Na foto abaixo, quatro jovens caminham em uma marcha/parada; o da extrema esquerda, negro e de cabelo crespo curto, sorri para a câmera com a boca coberta pela mão esquerda, ao seu lado, dois jovens brancos e de cabelo castanho curto tem o rosto virado para a esquerda, sendo que o terceiro sorri e carrega um balão preto amarrado em um barbante, e o quarto jovem, da extrema direita, branco de cabelo loiro e curto, sorri e carrega uma ponta da faixa que paira acima dos outros três, em que se lê “Gay Liberation Front” (em português, “Frente de Libertação Gay”) e é ilustrada pelos símbolos duplo marte, que representa a homossexualidade masculina, e duplo vênus, que representa a homossexualidade feminina.

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