O fenômeno atual do “fascismo” e seus elementos em algumas palavras soltas

02/06/2020 15:39

Carlos Rodrigues,
Tutor do PET-Letras

Fascistas não passarão!
Sim, a história foi e será implacável!

Um dos importantes historiadores do fascismo, Stanley Payne, após dedicar boa parte de sua vida a identificar, descrever e conceituar o fascismo, considera que tal definição e compreensão não é algo simples nem fácil. Para ele, tal conceito político pode até ser usado, de certo modo, como um “termo vago”. Sabe aquele paradoxo socrático: “só sei que nada sei” (ipse se nihil scire id unum sciat)? Então, arrisco-me dizer que ele se aplica bem aqui: quanto mais estudo o(s) fascismo(s) menos o(s) compreendo em si mesmo(s), em sua lógica absurda.

Embora tenha sido combatido e derrotado, os elementos do fascismo italiano, vez por outra, teimam em ressurgir em algumas sociedades, como é o caso do Brasil de hoje, em que o fascismo vem recebendo seguidores, bem como atualizações e novas roupagens. Para continuarmos essa conversa, precisamos entender que uma primeira aproximação à compreensão do que é fascismo deve, a meu ver, enxergá-lo como um regime político situado em um dado tempo e espaço históricos. O facismo “primordial” é um fato experimentado no contexto italiano de Mussolini, de certa maneira instaurado em 1922 e concluído em 1943.

Todavia, o fascismo não é meramente um fato histórico, mas, sim, um processo historicamente constituído e manifesto, o qual pode ser identificado em distintos tempos e espaços para além da conhecida e famosa Itália Fascista. Ao assumir isso, torna-se possível não somente compreender historicamente esse regime político, mas perceber como seus elementos fundantes e característicos não tiveram início, meio e fim apenas no âmbito da Itália de Mussolini, tendo existências diversas, perpetrando e reerguendo-se em outros momentos, ainda que com novas máscaras e vestimentas.

Podemos imaginar que é como se a história se encarregasse de uma constante mudança marcada de idas e vindas, de um eterno retorno do velho transvestido de novo. É um pouco da ideia de Antoine Laurent de Lavoisier (1743-1794) aplicada à compreensão do devir da história. Explico. É como se o princípio da conservação de massa de Lavoisier — representado na célebre frase: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” — pudesse ser parafraseado e transposto à percepção do tempo histórico: “Na história humana, nenhuma fatídica realidade se perde, todas elas se transmutam e retornam”.

Enfim, diante dessa denominada “ameaça fascista” tão presente e intensa em nossos dias, é necessário fazer algumas perguntas no intuito de encontrar possíveis e plausíveis respostas: o que é fascismo? O que ele representa? Como ele se manifesta? Quais  elementos permitem compreendê-lo e identificá-lo?

Segundo o historiador italiano Emílio Gentile, podemos pensar o fascismo italiano, o mais conhecido e famoso de todos — primeiro experimento totalitário concretizado na Europa Ocidental —, a partir de três dimensões:

  • organizativa (como um movimento de massas organizadas e representadas por um partido-milícia, com a missão de regeneração nacional por meio da aniquilação de todo e qualquer adversário, bem como dos direitos do homem e do cidadão em prol da “nova civilização”);
  • cultural (como ideologia de característica anti-ideológica; cultura fundada em certo pensamento mítico e baseada na militarização da política, na sacralização do estado e na primazia absoluta da nação como uma comunidade etnicamente homogênea que deve ser formada por meio da aculturação e subordinação total dos indivíduos e das massas ao Estado e em prol do “homem novo”); e
  • institucional (como regime totalitário que se funda em um aparato de polícia para reprimir, controlar e/ou suprimir o individual e o coletivo; centralização do Executivo, que subordina a si o Judiciário e que defende a existência de um partido único, o qual existe em simbiose plena com o Estado que se encarrega da supressão das liberdades individuais).

Vale destacar que tais dimensões estão coordenadamente integradas e evidenciam a “sacralização da política” promovida pelo(s) facismo(s) e realizada, ao menos, por elementos totalitaristas, nacionalistas, antiliberais, antimarxistas, antipartidários, imperialistas e, até mesmo, racistas que deram forma e, portanto, caracterizaram o fascismo italiano, assim como outros fascismos.

Por outro lado, é importante entender que quando atacamos as pessoas que personificam determinadas “ideologias” e deixamos de combater sistemas já institucionalizados que geram e perpetuam vertentes fascista(s), autoritária(s), conservadora(s) e afins, estamos errando o alvo.

Ah, não posso deixar de dizer também que há, sim, uma diferença radical e antinômica entre o que foi o fascismo e o que seria a proposta do comunismo. Por isso, fascistas (assim como faziam “nazistas e franquistas”) queriam combater e eliminar — a todo custo e de maneira agressiva, violenta, militante e militarizada — qualquer traço que remetesse ao comunismo: o anticomunismo era uma de suas bandeiras, que fique bem claro, apenas uma delas.

O “fascismo” identificado e, até mesmo, reivindicado por grupos e representantes da política brasileira se aproxima, ao mesmo tempo que se afasta, dos demais regimes fascistas historicamente delimitados. Um rápido e despretensioso olhar permite-nos enxergar, nesse propagado “novo fascismo”, tanto uma série de elementos caros ao fascismo histórico quanto elementos que não são partilhados com certos regimes fascistas anteriores, um desses elementos não compartilhados é esse nacionalismo populista que defende à chegada ao poder por meio das eleições, a qual os governantes de inspirações e aspirações “(neo)fascistas” usam para bradar aos quatro ventos que são representantes legítimos do povo.

Por último, quero dizer que o que é denominado “fascismo” em nossos dias nem sempre é fascismo de fato e verdade, mas, nem por isso, é menos nocivo. Assim sendo, a campanha “antifascista” atual, que povoa as redes sociais, é um elemento indispensável à denúncia de irregularidades, de ameaças e de riscos, assim como à conscientização da sociedade tão desamparada e, até mesmo, confusa. Portanto, a campanha é um fôlego e uma esperança de combate aos reacionários — que são hostis à democracia, ameaçando-a —, em meio ao caos que está instaurado no Brasil e que vem sendo, dia a dia, regado a fake news, a mortes pela pandemia da COVID-19, a desemprego, a desigualdade de oportunidades, a crise econômica, a shows de horrores, estrelados pela trupe de governantes, a ausência de um governo do/para/pelo povo e assim por diante.

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