DE FÉRIAS COM O PET | Resenha: “A autobiografia da minha mãe”, de Jamaica Kincaid

30/01/2024 13:36

 

Por Laiara Serafim

Letras-Português

Bolsista Pet-Letras

Ano novo. Vida nova. Novas metas. Nova lista de leituras.

No De férias com o Pet dessa semana, venho trazer uma indicação de leitura, para você que está precisando dar o “pontapé” inicial nas suas leituras de 2024 ou para você que, assim como eu, já criou uma lista de leitura enorme da qual sabe que não vai dar conta. Eis que aqui vai mais um nome para a sua lista: A autobiografia da minha mãe , de Jamaica Kincaid, publicado em 1996.

A segunda obra de Jamaica Kincaid traduzida no Brasil traz uma narrativa realista, cruel e emocionante de Xuela, transportando as palavras para além das páginas, tornando-as quase palpáveis ao leitor. A habilidade literária de Kincaid conduz o leitor pela vida de Xuela, desde a sua infância até sua casa na velhice, em uma obra sem capítulos ou diálogos. A protagonista da obra perde a mãe no parto e é criada por uma lavadora de roupas da família. A narrativa nos aproxima de Xuela a cada cena, revelando as dificuldades cotidianas que ela enfrenta. Por trás das cenas de sofrimento de toda a sua trajetória, Kincaid expõe um cenário marcado pelo colonialismo. Xuela é filha de uma mãe caribenha e de um pai meio escocês e meio africano, e é moradora da ilha de Dominica, ilha que foi colônia da Inglaterra por anos, até conseguir a sua independência apenas no ano de 1978.

Descrição da imagem: A imagem é a capa do livro “A autobiografia da minha mãe”,  de Jamaica Kincaid.  O fundo da imagem é bege. No centro há o desenho de uma mulher de pele negra e cabelo preto, vestindo uma blusa amarela. Em torno na imagem está o nome do livro e, abaixo, o nome da autora, ambos em letras da cor laranja.

A realidade de Kincaid parece ter sofrido os mesmos desdobramentos. Segundo o jornal Folha de São Paulo, “só quando chegou aos Estados Unidos, aos 17 anos, Kincaid percebeu que a cor da sua pele poderia ser interpretada como um forte marcador de desigualdade.” E é através do cenário do colonialismo que Kincaid traz os temas centrais de sua obra, identidade e busca por suas raízes.

“Passei a me amar por rebeldia, por desespero, porque não havia mais nada. Esse amor basta, mas apenas basta, não é o melhor; tem gosto de uma coisa que ficou tempo demais na prateleira e estragou, e que revira no estômago quando é comida. Ele basta, ele basta, mas só porque não existe mais nada que ocupe o seu lugar; não é recomendado.” (p. 38).

No romance, a personagem Xuela também enfrenta um grande embate com o racismo. A autora critica constantemente essa realidade, assim como o colonialismo, examinando os conflitos presentes em diversos grupos étnicos e desconstruindo ideias generalizadas sobre a formação das identidades. Outro grande elemento abordado na obra de Kincaid, relacionado à questão de nacionalidade e pertencimento, é a linguagem. Dado que a língua desempenha um papel fundamental na formação da identidade de cada indivíduo, saber a língua do colonizador era extremamente importante para o status social; para  participar de uma sociedade colonizada, ainda era necessário que se falasse a língua do colonizador “corretamente”, sem traços da língua nativa.

“Comecei a falar bastante na época — comigo mesma frequentemente, com os outros quando absolutamente necessário. Falávamos em inglês na escola — inglês correto, não patoá — e entre nós o patoá francês, uma língua que não era considerada nada correta, uma língua que uma pessoa da França não sabia falar e teria dificuldade de entender” (p.15).

A autobiografia da minha mãe é um livro que fará você sair da zona de conforto. Um livro forte, belíssimo em seu lirismo e perturbador em seu enredo. A obra é uma boa alavanca para refletir sobre os conceitos de nacionalidade e os impactos do colonialismo, mas também sobre perdas, sobre relações familiares e os estigmas na vida da mulher.

REFERÊNCIA

KINCAID, Jamaica. A autobiografia da minha mãe. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2020.

 

 

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