Contos que exploram o terror psicológico

12/05/2023 15:51

Por Ingryd Giovanna Lima Pereira

Letras – Inglês

Bolsista PET Letras

Os contos, apesar de serem histórias curtas com personagens e ambientações limitadas, podem ser extremamente impactantes e surpreendentes. Se engana quem pensa que a brevidade dos contos interfere na capacidade de gerar impacto emocional no leitor, na verdade, ao focar a narrativa em um número restrito de personagens e em uma ambientação específica, o autor é capaz de explorar elementos com profundidade criando uma conexão forte com o leitor. 

Com certeza, um dos gêneros de contos mais fascinantes e intrigantes é o de terror. Esse tipo de narrativa é capaz de criar cenários sombrios e aterrorizantes que nos fazem mergulhar nas experiências dos personagens. Quando se trata de terror psicológico, uma das características mais marcantes é sua capacidade de manipular as emoções do público para causar desconforto mental e medo. Para isso, o gênero se diferencia do gore que utiliza a violência explícita, sangue e aspectos repugnantes para utilizar-se da criação de um ambiente de tensão e incertezas, promovendo um clima de suspense, que gera perturbações e mantém o público assustado mesmo após o desfecho da história. 

Descrição da imagem 1: Imagem em tons de preto e branco, há vários rostos de caveira enfileirados nas dimensões horizontal e vertical. 

Do medo à paranoia, passando pela insanidade e pelo colapso mental, dois contos em particular, “O Papel de Parede Amarelo” e “Um Incidente na Ponte do Riacho da Coruja”, são exemplos marcantes de como a literatura pode explorar o terror psicológico através da deterioração da sanidade mental e da confusão entre realidade e ilusão. Ao longo desses contos, é possível acompanhar a evolução do desespero, a tensão dos personagens em situações de colapso e momentos desconcertantes. As histórias são satisfatoriamente construídas para manter o leitor em um estado constante de tensão, até que o clímax final traga uma revelação surpreendente.

Descrição da imagem 2: Ao fundo da imagem vemos um papel de parede amarelo com detalhes abstratos organizados de maneira padronizada. Sobre o papel de parede tem uma sombra escura de uma mulher. 

A impactante história do conto O papel de parede amarelo retrata a degradação da saúde mental de uma mulher que luta contra a opressão, a submissão e a falta de tratamentos adequados ao seu problema mental. Escrito por Charlotte Perkins Gilman, no final do século XIX, o conto narra a história de uma família que aluga uma mansão para passar as férias. No entanto, a narradora é diagnosticada com histeria por seu marido, um respeitado médico, e é confinada em um dos quartos da mansão, sendo proibida de escrever e cuidar de seu filho ou passear pelos jardins da casa. 

Conforme o tempo passa, a protagonista começa a ter alucinações com o papel de parede amarelo do quarto, imaginando que os padrões e as manchas presentes no desenho do papel de parede formam grades que aprisionam várias mulheres que estão gritando por liberdade. Sua obsessão com o papel de parede, que faz um paralelo com seus próprios sentimentos de impotência, leva-a a perder a noção da realidade e acreditar que as mulheres estão tentando se comunicar com ela, fomentando um grande desejo em rasgar o papel de parede para libertá-las.

Este conto é uma reflexão da realidade das mulheres da época, que tinham sua saúde mental e física subestimadas e eram muitas vezes tratadas com negligência. A obra aborda de forma sensível a importância de dar voz às mulheres, além de mostrar como os homens através da medicina buscavam controlar as mulheres, julgando-as como irracionais, assim como ensina a historiadora Margareth Rago. Inspirado na própria vida da autora, que provavelmente sofria de depressão pós-parto agravada pelo tratamento de repouso absoluto prescrito por seu médico, O papel de parede amarelo é um conto atemporal que continua a promover reflexões e discussões sobre diversos problemas presentes na sociedade contemporânea. 

O conto explora o terror psicológico através da insanidade da protagonista causada pelo isolamento e privação de estímulos externos.  A partir da obsessão da personagem com o papel de parede amarelo do quarto, o conto constrói uma atmosfera de tensão e suspense que explora a linha tênue entre a realidade e a imaginação. Além disso, a narradora se sente cada vez mais impotente e incapaz de se libertar da situação em que se encontra, aumentando ainda mais a sensação de desespero e claustrofobia. 

Descrição da imagem 3: Foto em tons de preto e branco, no meio da imagem vemos uma ponte férrea, no lado direito, vemos Peyton Farquhar preparado para ser executado, ele está apoiado na metade de uma estaca de madeira que por sua vez está apoiada na ponte. Há uma corda envolvida em seus punhos e uma segunda corda envolvida em seu pescoço. Em cima da ponte há quatro soldados. 

Através de uma narrativa não linear, Um Incidente na ponte do Riacho da Coruja escrito por Ambrose Bierce em 1890, se passa durante a Guerra Civil Americana, que dividia os Estados Unidos em dois grupos: os estados do Norte (União) e os estados do Sul (Confederação). O início da história se passa em uma ponte férrea sobre o Riacho da Coruja, na qual está o fazendeiro Peyton Farquhar, simpatizante da causa da Confederação, prestes a ser executado pelos soldados da União. Após acompanharmos a preparação da execução do fazendeiro, a narrativa volta ao passado para conhecermos o personagem e entender as circunstâncias que o trouxeram até ali. Em seguida, voltamos para a ponte e acompanhamos os pensamentos aflitos do protagonista ouvindo o barulho do relógio de pulso de um dos soldados enquanto planeja uma maneira de sobreviver. 

Ao cair no riacho, o fazendeiro consegue se libertar das amarras feitas em seu pulso e pescoço; então, através de uma descrição vívida e detalhada, acompanhamos sua incessante fuga. Farquhar, com os sentidos a flor da pele, consegue ouvir nitidamente os ruídos de cada animal enquanto nada em direção à superfície, sendo perseguido pelos tiros que os soldados disparavam. Em seguida, Farquhar entra em uma floresta exuberante em direção a sua fazenda e passa o dia sentindo uma enorme fome, sede e fadiga, pensando sempre em sua esposa e família. Ao chegar em sua fazenda, é recebido calorosamente por sua esposa; mas antes que pudesse desfrutar do momento, tudo fica escuro ao barulho de um estalo em seus ouvidos de seu pescoço sendo quebrando. Tudo o que Farquhar experimentou e viveu em seus últimos momentos de vida foi apenas uma ilusão, uma fantasia criada por sua mente enquanto era estrangulado pelos soldados da União.

Novamente, o conto explora o terror psicológico através de narrativa de fuga falsa, fazendo com que o leitor acredite que os devaneios do personagem principal são reais. Essa técnica narrativa é usada  para criar uma reviravolta chocante no final do conto, deixando o leitor surpreso e perplexo. Além disso, para uma história de terror, é importante que a ambientação expresse aspectos sinistros e fúnebres. Esses detalhes já se fazem presentes no conto desde de seu início, ao citar um homem em preso a uma forca e logo após em constante agonia em uma floresta. Ao longo da história, somos levados a sentir a esperança e o desespero que Peyton Farquhar sentiu enquanto estava sendo executado; a ilusão criada pelo autor é tão vívida e real que é difícil não se sentir envolvido pela história. Isso nos faz refletir sobre a capacidade da mente humana em criar realidades alternativas diante do perigo de morte. O conto nos mostra que, em momentos extremos, nossa imaginação pode nos levar a lugares desconhecidos e transformar nossos medos em realidades alternativas. Além disso, a narrativa transmite a ideia de que, nos momentos finais de nossa vida, as pessoas e as coisas que são mais importantes para nós são aquelas que passam pelos nossos pensamentos.

Em suma, percebemos que além de causar impacto no leitor os contos através de uma narrativa focada no terror psicológico, possuem a característica marcante de gerar reviravoltas surpreendentes nas histórias. O terror psicológico é gerado através de questões filosóficas sobre vida, morte e ilusões, bem como explorando questões psicológicas sobre a saúde mental. Além disso, é possível que as histórias transmitam mensagens implícitas por meio de simbolismos e metáforas, enriquecendo a experiência de leitura e permitindo reflexões sobre questões sociais através de diferentes perspectivas. Percebemos que os contos de terror psicológicos são eficazes em transmitir emoções intensas aos leitores ao longo de uma narrativa que explora medos profundos e questões existenciais que possamos vim a enfrentar. 

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