O romance de formação no contexto de obras escritas por mulheres

03/09/2022 09:01

Por Emmanuele Amaral Santos

PET-LETRAS

Letras Português

Em um vídeo elaborado pela TV Brasil no quadro “trilha de letras”, a escritora Carola Saavedra comenta que o “romance de formação” permite compreender um pouco mais sobre quais são as definições culturais que transformam uma criança em adulto. Dentre essas definições, podemos pensar em ritos de passagem como a menarca, mudanças na escolha das vestimentas, usos da linguagem, faixa etária e diversas responsabilidades que envolvem não só as escolhas do ser “em formação”, mas também o que é socialmente esperado dele.

Historicamente, a tradição canônica traz obras escritas e protagonizadas por homens brancos como exemplos de romance de formação por excelência, tais como David Copperfield, de Charles Dickens, e O apanhador no campo de centeio de J.D. Salinger.  Em contrapartida, as vivências femininas, que ainda são pouquíssimo representadas nos contextos de “romances de formação”, podem ser percebidas em diversas obras quando assumimos a ideia de que livros podem ser lidos e interpretados como “romances de formação” – escolha de narrar as vivências de um personagem no decorrer do seu processo de amadurecimento – tal como argumenta Saavedra. Deste modo, obras como Jane Eyre e A redoma de vidro também podem ser analisadas como exemplos dessa perspectiva.

Um maior número de escritos que se enquadrem como “romances de formação” permite são só investigar as diferenças e as semelhanças entre definições histórico-culturais para homens e mulheres em diferentes décadas, mas também como esses paradigmas ainda interferem em nossas concepções contemporâneas de “torna-se” adulto. Além disso, quando somamos essa escolha narrativa a aspectos autobiográficos, certas obras como Eu sei porque o pássaro canta na gaiola, de Maya Angelou, e os diários publicados de Maria Julieta de Andrade, Helena Morley e Anne Frank, podem ser incluídos como um importante material para entender mais intimamente sobre aspectos formadores característicos de cada época e suas dualidades.

Em Metáforas de vida e de escrita, apresentado na edição 203 da revista Cult, por exemplo, Miriam Adelman cita as percepções distintas da casa/ambiente doméstico como local restritivo para mulheres brancas e da perspectiva de um lar como sinônimo de uma liberdade e de uma segurança que era negada às mulheres negras. As nuances dessa dualidade perpassam violências estruturais e reflexões íntimas na obra de Maya Angelou, que relata a importância da comunidade afro-americana em um contexto de forte segregação racial, no qual a sua casa (segurança) virou seu bairro.

Assim, tanto Miriam Adelman quanto Carola Saavedra reafirmam a importância de perceber as dualidades de conceitos, percepções e objetivos da escrita de mulheres, identificando como essas obras expressam diversas vivências mais ficcionadas ou menos ficcionadas do que são as trajetórias de se compreender como mulher em diferentes recortes sociais, raciais e históricos.

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Descrição da imagem: Na imagem apresenta-se um livro apoiado em uma parede de fundo branco. A capa do livro é composta pelas feições de uma jovem mulher na horizontal, desenhadas a partir de traços beges em um fundo escuro no qual destacam-se os olhos e os lábios. Na bochecha inferior é possível identificar “Maya Angelou” em laranja ao lado de “eu sei porque o pássaro canta na gaiola”, escrito em bege.

REFERÊNCIAS

ADELMAN, Miriam. Metáforas de vida e de escrita. Revista Cult, 7 jul. 2015. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/metaforas-de-vida-e-de-escrita/. Acesso em: 02 set. 2022.

ROMANCE de formação. Direção de Emília Ferraz. São Paulo: Tv Brasil, 2019. YouTube (26 min.), son., color. Série Trilha de letras. Disponível em: https://tvbrasil.ebc.com.br/trilha-de-letras/2019/08/romance-de-formacao. Acesso em: 02 set. 2022.

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