Uma reflexão sobre língua, lusofonia e pós-colonialismo

08/03/2022 20:37

Ananda Gomes Henn,
Bolsista PET-Letras
Letras – Português

Muito se discute em salas de aulas, redes sociais e mesas de bar sobre as particularidades do português falado no Brasil e na África, especialmente em relação àquele falado em Portugal. Opiniões diversas sobre o valor dessas diferenças e o que elas representam para seus falantes são expressas frequentemente e sem muita reflexão, como, por exemplo, a de que “estar em Portugal é ouvir o português correto”. Essa é uma afirmação bastante ousada para se fazer a respeito da língua oficial de nove países, localizados em quatro continentes diferentes. É importante, principalmente para nós, estudantes de Letras, refletirmos um pouco sobre a língua portuguesa e o papel que ela exerce para suas diferentes comunidades de falantes, a partir de uma perspectiva pós-colonial da lusofonia.

Como comenta Carmem Lucia Tindó Secco no podcast Língua Livre (2010), desde a colonização, a língua portuguesa convive com línguas originárias da África ou com línguas criadas a partir desse contato (línguas crioulas). É notável que, através desse contato com as línguas africanas, o português foi modificado para sempre: a influência que as línguas dos quatro milhões de africanos trazidos forçadamente ao Brasil se fez sentir em todos os níveis — seja lexical, semântico, prosódico ou sintático — e, de maneira rápida e profunda, na língua falada, o que deu ao português do Brasil um caráter próprio, diferenciado do de Portugal (CASTRO, 2011). Da mesma forma, o português falado na África já não é exatamente o mesmo que chegou com os colonizadores.

No documentário Língua – Vidas em Português (2001), filmado em cinco países (Brasil, Portugal, Moçambique, Índia e Japão), os indivíduos entrevistados falam a partir de um movimento pós-colonial, após a independência e uma ampliação da convivência colonial, dentro do quadro nacional da Nação (Angolana, Moçambicana etc.). Nas nações africanas, apesar disso, há uma continuidade da mentalide pré-independência — no sentido de “a língua portuguesa é a nossa língua” — o que estimula com que as línguas originárias sejam deixadas para trás. O nacionalismo, independência nacional, não produziu a autonomia e valorização dessas línguas nacionais/originárias. O português continua sendo a língua oficial, a língua utilizada nos lugares institucionalizados, onde o poder está centralizado.


Fonte: Cartaz do documentário Língua – Vidas em Português*

Nesse sentido, Carmem Tindó Secco (2019) problematiza a ideia de “lusofonia” — que, segundo ela, tem uma tentação imperialista de colocar Portugal no centro — e, em seu lugar, apresenta uma “lusografia”, conceito que faz referência ao português como a “língua de escrita”. O status oficial da língua portuguesa não necessariamente implica que ela é a língua mais falada. As políticas linguísticas governamentais a favorecem, afirmando-a como a língua dos negócios, da escolarização, ainda que prevaleça a oralidade e as línguas originárias, com um grande número de falantes que não é fluente em português.

Se interessou pelo assunto? Fica aqui a recomendação de dois podcasts muito interessantes que tratam do assunto e que inspiraram a escrita desse texto: o décimo primeiro episódio do Língua Livre Podcast, entrevistando a professora Carmem Tindó Secco, especialista em literaturas africanas em língua portuguesa; e o episódio do Fumaça Podcast em que o autor moçambicano Mia Couto discorre sobre literatura, língua portuguesa e colonialismo. Além disso, o documentário “Língua – Vidas em Português” está disponível na íntegra no YouTube.

Referências

CASTRO, Yeda Pessoa. Marcas de africania no português brasileiro. Africanias, 2011. Disponível em: < http://www.africaniasc.uneb.br/pdfs/n_1_2011/ac_01_castro.pdf>. Acesso em: 20 maio 2021.

SECCO, C. L. T. Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.  In: PAIXÃO, V.; MACHADO, L.; SECCO, C. L. T. Língua Livre Podcast #1. 2019. 118 min. Disponível em: <https://www.lingualivre.com/post/ll_11>. Acesso em: 20 maio 2021.

LÍNGUA – Vidas em Português. Direção de Victor Lopes. 2001. (105 min.), son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=JBmLzbjmhhg>. Acesso em: 20 maio 2021.

MIA Couto sobre literatura, língua portuguesa e colonialismo. Fumaça Podcast, jul. 2019. 64 min. Disponível em: < https://omny.fm/shows/eapenasfumaca/mia-couto-sobre-literatura-l-ngua-portuguesa-e-col>. Acesso em: 20 maio 2021.

*Descrição da imagem: Cartaz do documentário “Língua – Vidas em Português”. Na parte superior do cartaz há a fotografia de uma pessoa em pé na areia da praia, de perfil, olhando para o mar em sua frente. Acima, no céu da imagem, lê-se o texto “Algumas delas estão nesse filme”, e abaixo dos pés da pessoa, “Um documentário de Victor Lopes”. Embaixo da fotografia há o título do documentário em caixa alta, ocupando toda a largura do cartaz: “Língua”; linha abaixo: “Vidas em Português”. Abaixo do título lê-se “Uma produção Tvzero e Sambascope”, e embaixo há a imagem de alguns dos entrevistados: José Saramago, Martinho da Vila, João Ubaldo Ribeiro, Madredeus, Mia Couto. Abaixo disso, informação dos produtores do documentário.

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