Sangria
Por Anna Letícia Abreu
Bolsista PET-Letras
Letras Português
Dissociando-se da sua realidade, após a perda de seu grande amor, Lucca é atormentado por uma versão assombrosa de si mesmo que não conhecia, confundido suas alucinações com seu próprio irmão gêmeo: Heitor.
Magnéticos, almas que verdadeiramente transbordam arte, a dupla de atores Winicius Michels e Vinicius Colla são estudantes de arte cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e carinhosamente responderam às questões sobre o ofício e as emoções de estrearem nas telas do cinema. Eles são os protagonistas de Sangria, um curta-metragem cujo roteiro e direção foram de Henrique Schlickmann. O curta teve sua estreia no dia 09 setembro 2024, na 28ª edição do Festival Internacional de Cinema Florianópolis Audiovisual Mercosul – FAM 2024.
Em uma conversa com os protagonistas, além do foco da entrevista sobre o processo de trabalhar em um curta, os temas sobre o ato de dar vida à um personagem, o cinema do horror, as perdas da vida e seus reflexos e a possibilidade de viabilizar cada vez mais as diversas formas de arte, foram recorrentes.
Para início de conversa, pedi que Winicius Michels apresentasse o curta e a descrição misteriosa desperta imediato interesse ao leitor: “O curta Sangria acompanha o processo de aceitação do luto do personagem Lucca, que recém perdeu seu namorado, e essas questões com o luto são tão profundas para o personagem que ele começa a projetar no próprio irmão gêmeo, Heitor, uma segunda versão do próprio irmão que assombra ele, até que ele consegue se libertar dessa dor e finalmente aceitar o luto.”
Descrição de imagem: a imagem é o pôster do filme Sangria, de Henrique Schlickmann. Na parte superior, há uma fotografia de três homens brancos correndo em direção à água do mar em uma praia. Eles estão de calção de banho e parecem estar brincando. A cena é capturada em um momento descontraído, com o oceano e as ondas ao fundo. Logo abaixo da imagem, há uma gota de sangue estilizada que desce verticalmente até o centro da página, onde o título do filme aparece escrito com uma tipografia que lembra sangue escorrendo: Sangria. Na parte inferior do pôster, os créditos do filme aparecem com nomes de atores, equipe técnica e a menção ao diretor Henrique Schlickmann. Os atores principais listados abaixo da fotografia incluem Winícius Michels, Vinícius Colla, Eduardo Jaques, Nenê Borges e Cíntia Glock.
Irmãos de alma e melhores amigos, W. Michels e V. Colla atuaram ao lado de Eduardo Jaques, Nenê Borges, Cintia Glock. Ao longo da conversa, compartilharam suas experiências:
Anna: Vocês abraçaram a ideia de “Sangria” à primeira vista ou tiveram alguma questão com a temática?
Colla: Quando eu soube do projeto, eu já fiquei super animado, porque era um curta de horror, então isso já bastava! Desde criança era meu sonho fazer um filme de terror, e quando eu tive essa oportunidade foi, acho que, um dos melhores momentos da minha vida. Eu pude colocar em prática o que eu sempre sonhei desde criança. Ainda mais com o meu personagem, por ele ser uma coisa mais diferentona, meio monstruosa, acho que não tive nenhum problema com a temática, inclusive amo e tem que ser mais falado e mais feita.
Michels: Até o início das gravações de Sangria, eu só tinha participado de um projeto no audiovisual. Então, receber a proposta de ser o protagonista de um curta de terror, fazendo o papel de irmão gêmeo do meu melhor amigo, foi uma proposta incrível. Desde que o Henrique apresentou as ideias pro curta pra gente, foi meio amor à primeira vista. Parece que tinha juntado todas as coisas que a gente tem vontade de fazer e do que a gente gosta, e transformado numa coisa só, então foi uma junção enorme de interesses, foi feito para dar certo.
Anna: Como vocês se conectaram com seus personagens no curta? Houve algum aspecto pessoal que ajudou na construção da atuação?
Colla: Então, o Heitor e o duplo são duas coisas bem diferentes, inclusive bem diferentes de mim, né? É um personagem bem mais fechado e bem normativo e diferente do que eu sou normalmente. E pra mim isso sempre é um desafio, porque é difícil eu conseguir sentir que eu tô sendo natural fazendo um personagem desses, mas eu acho que funcionou. Já pro duplo, eu acho que é um lugar mais de conforto, porque eu me senti fazendo minhas brincadeiras de criança. E eu acho que, como eu assisto muitos filmes, eu tenho bastante referência. E aí eu acho que foi mais nesse sentido de procurar referência e imaginar, porque o duplo não tinha nem… Porque nem o duplo em si tinha tantas diferenças de atuação. Então foi algo mais na minha cabeça e coisas que eu gosto de fazer.
Michels: Acho que a questão principal de conexão pessoal, minha como ator e da história do personagem, é eu estar num relacionamento e o personagem tá passando pelo luto do seu namorado. Acho que isso acabou me dando muita base para ter uma referência na atuação.
Anna: Como foi o processo de preparação para os papeis?
Resposta em conjunto na voz de V. Colla: A nossa preparação foi feita pela Laute Gamarra. No início, a gente focava mais nas relações das personagens. A relação entre os irmãos, a relação dos namorados, a relação da sogra e do genro… E aí, depois, conforme foram passando os dias, a gente foi indo. A gente ensaiava cena por cena com a Laut, e além disso, a gente também tinha um caderno, que era meio que um diário de cada personagem, que a Laut mandava meio que umas tarefinhas para a gente escrever quando a gente não estava ensaiando. Então, a gente colocava algumas sensações do personagem vivido naquele dia da cena, o que aconteceu naquela cena e como foi que o personagem lidou com aquilo.
Anna: Quais desafios vocês enfrentaram durante as filmagens, especialmente em cenas emocionalmente intensas?
Resposta em conjunto na voz de V. Colla: Acho que durante todos os set, as gravações foram bem tranquilas, porque os atores e a direção, a produção, todo mundo fazia de tudo para que tudo fosse muito tranquilo e confortável, assim. Então, cenas muito pesadas eram super divertidas de fazer, no final. A única cena mais tensa, entre aspas, foi a cena da banheira, porque era um líquido para remeter a sangue e que tinha corante. E que provavelmente podia ser que manchasse tanto o corpo do Vinny quanto a roupa que eu usava de duplo. E aí a gente só tinha uma chance para gravar ela, então ela tinha que sair a cena perfeita. E estava um momento de tensão, assim, nos set, porque tinha que ser perfeita a cena e foi o que aconteceu. No final ficou uma cena linda e emocionante.
Anna: Vocês acreditam que a interpretação de um personagem pode transformar a percepção de si mesmos ou da realidade? Algo se transformou em vocês após dar vida aos personagens de “Sangria”?
Resposta em conjunto na voz de W. Michels e V. Colla:
Michels: Essa eu respondo por mim e pelo Vini, que a técnica de atuação que a gente estuda tem um foco maior em que a gente produza estados e sensações e que isso proporciona a gente a viver essas experiências que o personagem tem que viver do que realmente tipo viver uma vida dupla.
Colla: E que o que é ficcional fica na ficção, a gente sempre tem essa diferença em não trazer coisas da ficção para a vida real também.Michels: Então para a gente foi uma experiência muito boa para os “Vinícius” lá como atores e ter vivido todas essas coisas do set e essas cenas pesadas, essas coisas difíceis que os personagens passaram, passaram pela gente, mas a gente não carrega para fora.
Vinicius Colla fecha nossa entrevista com sua mensagem final, pensando no curta para além do seu enredo: “Eu acho que o Sangria, apesar de ser um curta de terror, ele também tem tantas outras camadas, trata de temas difíceis de serem falados, mas que eles são colocados de formas sensíveis e que tem momentos de horror, tem momentos de medo, de suspense, mas que também tem momentos singelos que geram empatia no público, de se colocar no lugar do outro. Enfim, é um curta bonito, tem uma mensagem bonita que tem a sua dualidade, apesar de ser um filme de horror, tem uma mensagem bonita no fim.”
Como afirma Rosália Duarte (2002, p.17), autora do livro Cinema & Educação, “[…] ver filmes é uma prática social tão importante, do ponto de vista da formação cultural e educacional das pessoas, quanto a leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais”. O cinema, nesse sentido, carrega um peso cultural significativo. Nele, encontramos uma linguagem própria, a junção de movimentos, elementos visuais, sonoros e outros aspectos que compõem o mundo cinematográfico. Esses elementos proporcionam ao espectador uma experiência de interação e, muitas vezes, de identificação, seja em termos psicológicos ou circunstanciais, que podem influenciar sua vida.
Contudo, o acesso a curtas, como o caso Sangria, pode ser restrito enquanto participam de festivais nacionais e internacionais, seguindo regras do circuito audiovisual que priorizam a exclusividade em competições. Esse contexto acaba limitando o público, restringindo o alcance cultural dessas produções ao longo desse período; porém, elas ficam guardadas as memórias daqueles que já tiveram a oportunidade de assisti-las, enquanto outros aguardam por sua disponibilidade futura.
A arte, em suas diversas formas, deve ser um direito a ser ofertado a todos. Portanto, devemos valorizá-la, promovê-la e trabalhar para garantir seu acesso e disseminação ampla na sociedade: que vejamos Sangria!
Por fim, agradeço aos meus grandes colegas e atores, Vinicius Colla e Winicius Michels. Vida longa à arte que se perpetua pelas vias do amor, do terror e da emoção.
REFERÊNCIAS
DUARTE, Rosália. Cinema & Educação. In: DUARTE, Rosália. A pedagogia do cinema. Belo Horizonte. Autêntica. 2002. p. 13-21.
SANGRIA. FAM de Todos Brasil. 2023. Disponível em: https://www.famdetodos.com.br/filme/9798/Sangria. Acesso em: 24 out. 2024.
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