Uma leitura de “Direitos das mulheres e injustiça dos homens”, de Nísia Floresta

20/10/2024 15:33

Por Maysa Monteiro

Voluntária – PET-LETRAS

Letras Português

 

Por que a ciência nos é inútil? 

Porque somos excluídas dos cargos públicos; 

e por que somos excluídas dos cargos públicos? 

Porque não temos ciência.

 

Com a epígrafe que dá início ao texto Direito das mulheres e injustiça dos homens, publicado primeiramente em 1832, Nísia Floresta – escritora, educadora e poetisa – debate sobre o papel da mulher, começando, logo nas primeiras linhas, a escancarar algumas das verdades que, infelizmente, ainda se fazem presentes nos dias atuais. Ela diz “Encontraríamos todos de acordo em dizer que nós nascemos para seu uso, que não somos próprias senão para procriar e nutrir nossos filhos na infância, reger uma casa, servir, obedecer, e aprazer a nossos amos, isto é, a eles homens” (Floresta, 2010, p. 81).

Descrição da Imagem:  Nísia Floresta, em imagem preto e branco, apenas de seu rosto. Ela tem os cabelos presos com coque e uma franja, pretos, ao modo do século XIX. É uma mulher branca, de olhos pretos.

 

Esse é um bom resumo de como a sociedade enxerga a mulher: obediente, dócil, submissa e sempre a serviço do homem. No entanto, esses predicados não são a essência do feminino, eles foram atribuídos à mulher, como diz Simone de Beauvoir. Em O Segundo Sexo (2016), Beauvoir afirma que as propriedades da mulher foram atribuídas pela cultura e pela história, e é essa cultura e essa história que Nísia Floresta contesta em seu ensaio.

 

Nísia Floresta foi pioneira na educação para meninas no Brasil, o que é muito relevante, pois historicamente o ensino para mulheres destinava-se a ensiná-las afazeres domésticos, enquanto Floresta ensinava diversas línguas e geografia, por exemplo. Em 1832, a autora afirmava que “Se não nos veem nas cadeiras das universidades, não se pode dizer que seja por incapacidade, mas sim por efeito da violência com que os homens se sustentam nesses lugares em nosso prejuízo” (Floresta, 2010, p. 96). Essa violência epistêmica pode ser aproximada ao que Beauvoir explicita ao debater sobre transcendência e imanência. Para a filósofa e escritora francesa, ao homem foi atribuído o lugar de transcendência, ou seja, o ser que representa o espírito, o pensamento e a intelectualidade. Por conta disso, poderia viver para seus projetos. Por outro lado, para a mulher tem-se o conceito da imanência, que a atribui ao natural, ao corpo: fadada a uma vida repetitiva em prol de outros. Quando Nísia Floresta questiona o papel das mulheres em seu texto e ensina geografia para meninas, ela está questionando a naturalização dessas atribuições.

 

Após os questionamentos de Nísia Floresta ao longo de suas linhas, tem-se um final, no mínimo, intrigante e passível de análise. A escritora e educadora finaliza seu texto assim: 

De quanto tenho dito até o presente não tem sido com a intenção de revoltar pessoa alguma de meu sexo contra os homens, nem de transformar a ordem presente das coisas, relativamente ao governo e autoridade. Não, fiquem as coisas no seu mesmo estado (Floresta, 2010, p. 103).

 

Esse trecho, especificamente, me intriga e me incomoda. Após Nísia Floresta debater sobre o quanto as mulheres são competentes, que elas podem e devem entrar nas ciências, ela exclama que não tem a intenção de “transformar a ordem presente das coisas”. Seria um recuo? Uma estratégia? Um pensamento da época? Um pensamento da autora? Ao meu ver, parece como uma estratégia para que o texto pudesse circular e pelo menos ter suas ideias difundidas. Ou seja, para que as palavras do texto atingissem mais pessoas sem sofrer censura, ou que, pelo menos, ela pudesse continuar com seus trabalhos. Acredito que seja difícil decifrar qual o seu verdadeiro objetivo em tal trecho da conclusão – mas que incomoda, incomoda.

 

Mesmo assim, é impossível negar a relevância do ensaio e de Nísia Floresta. Ela foi pioneira em muitos sentidos e nos cabe, então, analisar criticamente essa conclusão, guardando as proporções da época e dizendo, hoje, que sim: queremos transformar a ordem presente das coisas. É necessária a revolução. 

 

REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. 

FLORESTA, Nísia. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. In: DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana, 2010. p. 81-107.

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