Processos de aquisição da linguagem

14/08/2024 18:44

 

Por Izabel Bayerl e Laiara Serafim

Letras-Português

Bolsistas Pet-Letras

 

Como as crianças aprendem a falar? Por que meu filho repete tudo que eu falo? Por que a criança troca a letra “R” pelo “L”? Por que algumas crianças aprendem a falar mais rápido que outras? Essas são algumas das perguntas centrais que permeiam a área da aquisição da linguagem.  Os processos de aquisição são diversos e estão presentes em todas as fases do aprendizado da criança, desde os primeiros sons nos primeiros meses, até a entrada da criança no ensino formal. Aqui, nos dedicamos a explicar de forma breve como ocorre a aquisição e desenvolvimento da fala e quais processos estão envolvidos.

É verdade que desde a barriga a criança já começa a ter contato com a sua língua materna, mas é só por volta dos seis meses que a criança começa a produzir os primeiros sons. Contudo, esses primeiros sons não estão diretamente ligados apenas à língua falada pelos pais, mas refletem também conhecimentos inatos da gramática universal. De acordo com Chomsky (1968), a GU permite que os falantes nativos de uma língua reconheçam e produzam sentenças daquela língua. Essa competência não é simplesmente uma cópia do que é ouvido no ambiente linguístico, mas inclui uma capacidade intrínseca de criar e interpretar estruturas linguísticas de maneira criativa e variável, no entanto, somente os conhecimentos inatos não são suficientes para que a criança adquira a língua, ou seja, ela precisa receber estímulos externos, dos pais e da comunidade.

Já por volta do primeiro ano ao segundo ano de idade a  criança começa a produzir as suas primeiras palavras.  É um momento mágico e podemos pensar que ela está apenas repetindo aquilo que ouviu dos pais ou familiares. Embora a interação com ambiente seja essencial para que ocorra a aquisição da linguagem, esse processo não ocorre através de escuta-repetição. O que acontece de verdade é que a criança está criando juízos de gramaticalidade e prova disso é que crianças são capazes de produzir palavras e até sentenças que nunca ouviram, como: “Eu trazi” e “eu sabo”. Ao produzir uma sentença como essas, a criança está utilizando de forma generalizada uma regra de conjugação verbal, como a seguir: “Eu nado”, “eu falo”, “eu sabo”. De todo modo, as crianças podem repetir aquilo que ouviram de um adulto, mas isso não significa que a aquisição da linguagem se dá através da repetição, mas sim de uma combinação de vários fatores, dentre eles a internalização da gramática da língua, antes mesmo da criança entrar no ensino formal.

Durante todo o processo de aquisição da linguagem, as crianças utilizam diferentes recursos para produzir palavras e sons que elas ainda não adquiriram, respeitando sempre a sonoridade ou sonância da língua. Esses processos são naturais e fazem parte do desenvolvimento da linguagem. A capacidade da criança de reconhecer e respeitar a cadeia de sonância é um reflexo de como ela internaliza e começa a aplicar as regras fonológicas da sua língua materna ao longo do tempo. Dentre as estratégias de reparo estão:  omissão do som, realização de glides (semivogal), realização de outro som próximo na escala de sonância,  epêntese (acréscimo de uma vogal), além de alterar a sonorização da palavra.

Com o avanço dos anos a criança começa a produzir sentenças mais extensas e completas. É nessa fase, por volta dos 3 anos, que pode ocorrer a troca entre algumas letras. Entretanto, essa troca é uma das estratégias de reparo utilizadas pela criança para produzir palavras que ainda não adquiriu por completo. Essa troca ocorre entre sons semelhantes. A criança, quando ainda não adquiriu o “R” na sua gramática, pode usar o som do “L” para substituí-lo, pois eles são muito próximos na escala de sonância.

Já na fase da educação formal, diversas questões podem influenciar a capacidade de consciência fonológica das crianças. Por exemplo: aquelas que são filhas de pais analfabetos ou que não fazem uso da atividade de ler e escrever no cotidiano possuem a capacidade fonológica bem menos desenvolvida do que crianças que crescem com maior acesso à cultura escrita, e isso está ligado diretamente com o processo de desenvolvimento da leitura e escrita quando essas crianças chegam à escola.

É possível notar que a aquisição da linguagem possui processos complexos e variados para cada fase da aprendizagem, e esses processos podem ocorrer de forma distinta para cada criança, em tempos diferentes. É importante conhecer quais fenômenos fazem parte de cada etapa para promover estratégias e recursos que estimulem o processo individual de aquisição de cada criança.

REFERÊNCIAS

GROLLA, Elaine; SILVA, Maria Cristina Figueiredo. Pra conhecer: aquisição da linguagem. São Paulo: Contexto, 2014. p. 36-55

LAMPRECHT, Regina (org.) et al. Aquisição fonológica do português: perfil de desenvolvimento e subsídios para a terapia. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 73-94.

RIGATTI-SCHERER, Ana Paula. Consciência fonológica na alfabetização infantil. IN: LAMPRECHT, Regina et al. Consciência dos sons da língua. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2009. p. 130-143.

CHOMSKY, Noam. Linguagem e mente. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

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