Sinais Caseiros: línguas que emergem através do isolamento linguístico

28/11/2023 15:27

Por Franciane Ataide Rodrigues

Letras Libras

Bolsista PET-Letras

 

Quando pensamos em indivíduos surdos e na existência da comunidade surda brasileira, comumente os relacionamos ao uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras), porém grande parte dos surdos nasceu em famílias ouvintes, usuárias do português e, geralmente, não usuárias nem conhecedoras da Libras.

Cerca de 90 a 96% das crianças com surdez pré-linguística − isto é, que nasceram surdas ou ficaram surdas até os três anos − têm pais ouvintes que, em geral, não são usuários de uma língua de sinais. Esse quadro vale para o Brasil: 90% das crianças surdas têm pais ouvintes (Rosa, 2022, p. 71).

 

É dentro desse contexto de isolamento linguístico no ambiente familiar, de isolamento geográfico, de ausência da socialização com a comunidade surda e a privação ao acesso à língua de sinais brasileira (Libras) que se manifesta a necessidade de uma comunicação “rudimentar”, fazendo com que nasçam as “línguas de sinais caseiras”. Essas são sistemas de comunicação gestual ou visual improvisados e usados por pessoas surdas em situações de necessidade emergencial de comunicação, sobretudo com ouvintes não falantes de Libras, e que não possuem o domínio da língua de sinais formal por não receberam os inputs linguísticos necessários para usá-la.

 

Destarte, estes sinais são caracterizados como “as maneiras únicas, os modos de fazer gestos ou de sinalizar de cada indivíduo, que são usados na família, em casa – daí a denominação ‘sinais caseiros’ ou ‘gestos caseiros’ (Matos, 2016, p. 129)

 

Tais sinais podem ser baseados em necessidades específicas da rotina e do ambiente familiar e podem não seguir regras rígidas no seu processo de criação estrutural. Diferentemente da língua de sinais brasileira, os sinais são convencionados no seio familiar contendo características icônicas ou arbitrárias ao referencial desejado, bem como recebem influência do contexto social experienciado.

Por exemplo, se forem pescadores, os sinais caseiros que emergem podem ser relacionados aos frutos do mar, areia, barraca e outros; numa família da zona rural, eles podem ser relacionados a boi, vaca, leite e assim por diante. Isto também acontece com familiares de surdos que moram na zona urbana, cujo filho e/ou os pais não tiveram contato com a comunidade surda utente da língua de sinais oficial (Adriano, 2010, p. 34)

 

Por serem de caráter emergencial e de uso restrito a apenas um núcleo social, esses sinais podem, muitas vezes, ser usados apenas no momento da ocorrência da situação e entendíveis apenas pelo núcleo que convencionou o uso dos sinais. Sendo assim, é importante esclarecer que a eficácia da transmissão de mensagens durante o processo comunicacional por meio de sinais caseiros pode variar e influenciar na compreensão mútua.

A seguir, apresentamos sinais caseiros convencionados pelo núcleo familiar de Simone Schirlei Sarmento. Simone é uma mulher surda oralizada criada em uma família ouvinte. Nascida em Florianópolis, até os seus dezesseis  anos teve contato somente com ouvintes, onde aprendeu a oralizar e criou sinais caseiros para facilitar a sua comunicação com eles. Aos dezessete anos, começou a estudar na Fundação Catarinense de Educação Especial, em São José, quando aprendeu Libras e iniciou seu contato com a comunidade surda. Atualmente, ainda utiliza os sinais particulares dentro de casa, com a sua família, porém sua convivência com os amigos surdos está mais forte, o que fez aumentar seu vocabulário em Libras. Simone é mãe de 3 filhos ouvintes, considerados Codas. A seguir, serão apresentados por uma das filhas de Simone, Samanta Schirlei Pacheco, alguns sinais caseiros convencionados pela família.

Nas colunas superiores estarão os sinais usados em Libras e, nas colunas inferiores, estarão localizados os sinais caseiros convencionados no núcleo familiar de Simone:

 

1- Sinal em Libras da palavra “mentira” e, posteriormente, o sinal caseiro.

2- Sinal em Libras do vocábulo “mãe” e, posteriormente, o sinal caseiro.

3- Sinal em Libras do termo “médico” e, posteriormente, o sinal caseiro.

 

Em vias de síntese, é importante ressaltar que muito embora os sinais caseiros sejam uma “porta” para a aquisição de uma língua formal e proporcionem um meio de transmissão de mensagem com a possibilidade de comunicação, ainda assim possuem um alcance de compreensão dos signos linguísticos estritamente dependente do ambiente familiar e com um sinalário restrito. Da informação apresentada, decorre, pois, a necessidade urgente do acesso a uma língua com estrutura linguística completa que possibilite conversas mais profundas e estruturadas, desempenhando um fortalecimento linguístico na pessoa surda.

 

REFERÊNCIAS

ADRIANO, Nayara de Almeida. Sinais caseiros: uma exploração de aspectos linguísticos. 2010. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.

ROSA, Maria Carlota. Uma viagem com a linguística: um panorama para iniciantes. São Paulo: Pá de Palavra, 2022.

MATOS, Pâmela do Socorro da Silva. Gestos de surdos e ouvintes: o contar história sem uso da voz. 2016. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2016.

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