Um diálogo com a Morte: “A menina que roubava livros”

02/05/2022 17:42

Daniely Karolaine de Lavega,
Bolsista PET-Letras
Letras Português

Se você está em busca de um livro que o devaste como a perda de um ente querido, A menina que roubava livros, escrito pelo australiano Markus Zusak, com sua primeira publicação no Brasil pelas mãos da Intrínseca, em 2007, é a alternativa perfeita para você. Apesar de sua adaptação cinematográfica, dirigida por Brian Percival e lançada em 2014 nos cinemas brasileiros, ser brilhante, ela não é capaz de transmitir com precisão a complexidade da narradora desenvolvida por Zusak.

A menina que roubava livros é um romance narrado pela Morte.

Com absoluta sinceridade, tento ser otimista a respeito de todo esse assunto, embora a maioria das pessoas sinta-se impedida de acreditar em mim, sejam quais forem meus protestos. Por favor, confie em mim. Decididamente, eu sei ser animada, sei ser amável. Agradável. Afável. E esses são apenas os As. Só não me peça para ser simpática. Simpatia não tem nada a ver comigo. (ZUSAK, 2010, p. 9, grifo do autor).

Liesel Meminger, a pequena ladra de livros que protagoniza essa história, é filha biológica de uma comunista perseguida pelo nazismo. Devido às circunstâncias, a mulher envia Liesel e o irmão mais novo desta para um subúrbio alemão, onde um casal extremamente pobre deseja adotá-los por dinheiro. Porém, o menino falece no decorrer da viagem de trem e é enterrado por um homem que deixa cair um livro no solo coberto de neve. O manual do coveiro é o primeiro livro surrupiado pela menina. Tendo a Segunda Guerra Mundial como cenário e um judeu escondido no porão de sua nova casa, Liesel é ensinada a ler por seu pai adotivo e encontra, na literatura, uma maneira de sobreviver à violência da Alemanha Nazista — que gera trabalho em dobro a Morte.

Liesel escapa da Morte três vezes. Entre os anos de 1939 e 1943, a Morte acompanha os passos de Liesel e narra, com assombro e uma pitada de humor ácido, os acontecimentos em torno da ladra de livros. A narradora demonstra nutrir uma afeição inusitada pela menina, descrevendo-a como uma especialista em ser deixada para trás. As reflexões que a Morte realiza acerca das ações humanas nos leva a pensar profundamente sobre nossa existência e o quão cruel o homem é capaz de ser. É impossível ler a história fictícia de Liesel Meminger e não relembrar a trágica história vivida por Anne Frank.

O ser humano não tem um coração como o meu. O coração humano é uma linha, ao passo que o meu é um círculo, e tenho a capacidade interminável de estar no lugar certo, na hora certa. A consequência disso é que estou sempre achando seres humanos no que eles têm de melhor e de pior. Vejo sua feiura e sua beleza, e me pergunto como uma mesma coisa pode ser as duas. Mas eles têm uma coisa que eu invejo. Que mais não seja, os humanos têm o bom senso de morrer. (ZUSAK, 2010, p. 426).


Fonte: Amazon.*

A menina que roubava livros, com suas 480 páginas, é um livro que nos afeta como um desastre. Como uma obra premiada e classificada como favorita em muitas estantes, a história de Liesel e sua louvável narradora não nos permite dormir antes de alcançar a última página. Além das interessantes reflexões que o livro propõe, ele mostra o papel de refúgio e transformação que a leitura pode exercer em nossas vidas. Depois de finalizar a leitura de A menina que roubava livros, como nossa ilustre narradora declara certo dia, posso-lhes afirmar: “Os seres humanos me assombram” (ZUSAK, 2010, p. 478).

Referência:

ZUSAK, Markus. A menina que roubava livros. 2. ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010. 480 p. Tradução de Vera Ribeiro.

*Descrição da imagem: A capa do livro é predominantemente branca, representando um solo coberto de neve. Na parte inferior, há um asfalto estreito por onde a silhueta de uma pessoa de vestimenta longa caminha segurando um guarda-chuva vermelho. Um pouco acima, lê-se o título do livro em duas cores: “a menina que roubava…”, em preto, e “…livros”, em vermelho. Um pouco acima do título, lê-se o nome do autor na cor preta. Ao lado esquerdo do título e do nome do autor, há uma árvore seca. No canto superior direito, encontra-se o logotipo da editora, que consiste em uma letra I minúscula em preto (tendo seu ponto em vermelho) com o nome da editora escrito verticalmente em branco em seu interior.

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