As artes marciais e a formação do humano: uma aproximação

22/06/2020 17:05

Felipe Mateus dos Santos,
Bolsista PET – Letras
Letras – Português

A história das artes marciais indica que elas começaram a aparecer na sociedade a partir do desenvolvimento das civilizações e de suas necessidades de acumular e proteger riquezas, territórios e poder. Entretanto, sua origem é incerta, pois não existem muitos registros históricos que nos permitam atestar tal surgimento. Portanto, muitas teorias, inclusive dúvidas, a respeito desses primórdios das artes marciais são propostas. Uma teoria oriental, por exemplo, considera que um monge indiano, chamado Bodhidharma, teria saído da Índia no século VI e ido para a China, chegando a um mosteiro onde ensinou yoga e uma forma de luta rudimentar indiana, que mais tarde constituiria a luta shaolin e se espalharia por toda a China e, posteriormente, por toda Ásia. Por outro lado, há relatos de arqueólogos que descobriram a existência do kung fu há mais de 5.000 anos. 

A origem do termo “artes marciais” também gera algumas interpretações diversas, mas a mais difundida é aquela baseada em uma teoria latina ocidental, a qual faz menção ao deus da guerra, Marte. Na mitologia greco-romana, Marte era aquele que ensinava a arte da guerra aos homens. Já no oriente, alguns termos mais específicos são utilizados para se referir às artes marciais, como Wu Shu, na China, e Bu-Shi-Do, no Japão, os quais podem se referir às artes de guerra ou ao “Caminho do Guerreiro”. Hoje em dia, esses termos são utilizado por todos os sistemas de combate — seja oriental ou ocidental — e com ou sem o uso de armas tradicionais.

Ainda que se atribua as origens das artes marciais às necessidade de manutenção de poder e bens, é possível perceber que a sua prática dentro de um dojô (local do caminho, ou seja, local onde são praticadas as artes marciais) apresenta uma estrutura notadamente nobre. A principal característica da arte marcial seria a defesa pessoal em uma situação de risco, porém, no dia a dia dos treinamentos, considera-se necessário que diferentes aspectos do nosso corpo, da nossa mente e do nosso espírito sejam devidamente trabalhados, para que as artes marciais sirvam ao seu propósito, sendo utilizadas da forma mais justa possível.

Duas grandes áreas do Taekwondo — uma das artes marciais coreanas mais antigas, a qual pratico atualmente — são boas evidências de que a arte marcial pode contribuir para a formação de valores éticos e morais, tais como responsabilidade, respeito e autonomia. Na primeira área do Taekwondo, podemos observar que ele se pauta em cinco princípios básicos, que orientam o caminho de quem o pratica, a saber: Cortesia, Integridade, Perseverança, Autocontrole e Espírito Indomável.  Esses princípios são constantemente relembrados, repetidos e cobrados durante os treinamentos para que o artista marcial tenha sempre em mente os valores aos quais deve se orientar não só na luta, mas também em sua vida. A segunda área dessa arte, de maneira geral, é a sequência de faixas (Kup), que orientam o caminho do praticante, que são elas:

  • Primeira faixa: Branca – Representa a inocência, o artista iniciante que não possui nenhum conhecimento sobre a arte.
  • Segunda faixa: Amarela – Significa a Terra, a qual uma planta brota e começa a germinar, ao passo que o alicerce vai sendo construído.
  • Terceira faixa: Verde – Significa o crescimento da planta, representando o desenvolvimento das habilidades na arte.
  • Quarta faixa: Azul – Representa o céu, através do qual a planta cresce até se tornar uma grande árvore frondosa, enquanto as habilidades na arte progridem.
  • Quinta faixa: Vermelha – Significa o perigo, advertindo o lutador a exercitar o autocontrole e advertindo o adversário a se manter longe.
  • Sexta faixa: Preta – Representa a maturidade e habilidade na arte, indicando também a imunidade ao medo e ao obscuro.

Fonte: Arquivo Pessoal (Imagem de uma cerimônia de troca de faixa)*

Cada faixa é carregada de um significado e de um Tul, que é uma sequência de movimentos que simula um combate com adversários imaginários em diversos ângulos e posições, cada Tul representa um dos personagens históricos ou momentos relativos aos eventos da história coreana.

Com isso, vemos como o caminho que o artista marcial percorre dentro da arte marcial, juntamente com os valores que são trabalhados pelos mestres e professores, tem uma extrema importância para a formação e desenvolvimento do caráter no ser-humano, contribuindo com sua construção de valores morais, que são sempre exigidos na vida em sociedade, e para que ele se lembre da sua história e da história dos seus antepassados. Portanto, assim como é considerado no Japão como Bu-Dô, as artes marciais são vistas como “um caminho educacional através das lutas”.

*Foto descrição: Imagem com um fundo de uma parede branca e uma janela de vidro aberta. Em primeiro plano, sobre um tatame com as folhas intercaladas nas cores azul e laranja, está Felipe em pé à esquerda, de cabelo curto, recém cortado, vestindo um dobok (uma vestimenta branca de pano leve, com a parte de cima de manga longa e uma abertura na frente, e a parte de baixo uma calça confortável). Ele tem os braços levemente abertos e a cabeça baixa, olhando em direção à cintura, enquanto uma menina, de cabelos longos, cacheados e presos em rabo de cavalo, também de dobok e faixa verde amarrada na cintura, amarra uma faixa na cor azul na cintura de Felipe. Mais à direita está um homem branco, de cabelo curto e dobok com listras pretas nas extremidades, uma faixa preta na cintura e segurando uma faixa verde na mão, acompanhando sorridente o momento da troca de faixa.

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