Para além de um teto todo seu: a invisibilidade de Júlia Lopes de Almeida

09/11/2023 06:28

 Por Monisse da Cunha Silva

Letras-Português

Voluntária PET

“Os homens tiveram todas as vantagens em relação a nós no que diz
respeito a contar sua versão da história. Eles tiveram uma educação muito mais
refinada; a pena sempre esteve em sua mão.”
Jane Austen – Persuasão

 

Descrição de imagem: A imagem consiste em uma colagem que apresenta duas fotografias de mulheres dispostas da direita para a esquerda: Virginia Woolf e Julia Lopes de Almeida. O fundo da imagem é feito para parecer um pedaço de papel que imita uma carta, e um círculo no centro da imagem exibe as duas fotos sobrepostas. No canto superior direito e no canto inferior esquerdo, há flores cor-de-rosa. A imagem não contém texto.

 

Em 1929, Virginia Woolf (2019) lançou Um teto todo seu, um ensaio composto a partir de duas palestras proferidas pela autora na Inglaterra no ano anterior. As palestras abordaram as condições materiais e intelectuais das mulheres escritoras no país. Sua importância reside, entre outros motivos, no fato de ter colocado no cerne do debate acadêmico e do meio literário a questão do que significa para as mulheres escrever e sob quais condições elas têm realizado, ou não, esse trabalho, além de explorar as razões por trás dessas condições. Ao escrever este ensaio, Virginia reivindicava a autonomia financeira para que as mulheres pudessem escrever: um quarto todo seu e uma quantia de libras mensais.

Podemos analisar o apagamento histórico de Júlia Lopes de Almeida, uma escritora carioca nascida em 1862, a partir deste ensaio de Woolf. Lopes deixou uma contribuição notável para a literatura e o jornalismo ao longo dos séculos XIX e XX. Nasceu em uma época em que as mulheres frequentemente não eram reconhecidas em suas respectivas profissões e na sociedade, enquanto a educação formal era um privilégio concedido a poucas delas. De uma família de imigrantes abastados, desfrutando do privilégio de uma educação formal abrangente. Seu pai, que era proprietário de uma escola, apoiou desde cedo sua inclinação pela escrita. Assim, desde muito jovem ela participou de várias rodas intelectuais – e no meio dessas rodas surgiu a Academia Brasileira de Letras. Mesmo depois de se casar, Júlia não foi impedida de continuar escrevendo, uma condição que a colocava em uma posição privilegiada para os padrões de sua época. Apesar de desfrutar de privilégios relacionados à sua raça e à sua classe social, a autora experimentou um apagamento histórico, com escassa menção ou discussão sobre ela dentro e fora do âmbito acadêmico. Por que, mesmo tendo suportes financeiros e “um quarto todo seu” para escrever, esses elementos não foram suficientes para evitar esse desfecho?

Isso nos faz refletir sobre como a história literária tem uma tendência a priorizar autores do sexo masculino, relegando as contribuições femininas a um plano secundário. Essa falta de visibilidade das mulheres não se limita apenas à literatura, mas se estende a diversos contextos que envolvem a expressão, evidenciando o quanto as mulheres foram historicamente silenciadas. Isso não afeta apenas a esfera artística, mas também se estende a como as mulheres sentem, vivem e percebem o mundo ao seu redor.

A arte, sobretudo quando vista a partir da perspectiva das mulheres, transcende a mera expressão e se torna uma ferramenta de intervenção na realidade. Julia Lopes produziu obras que exploraram o insólito dentro do âmbito da vida cotidiana, ao mesmo tempo em que denunciou as limitações impostas às mulheres, demonstrando sua versatilidade em diversos gêneros literários, e engajando-se na luta pelo direito ao voto feminino.

Dessa forma, com base nessa breve reflexão, podemos reconhecer o ensaio de Virginia Woolf como uma ferramenta que permite estabelecer diálogos e análises das obras de escritoras, permitindo uma abordagem da literatura produzida por essas mulheres que transcende o texto em si. Isso envolve a consideração de vários aspectos de suas trajetórias, incluindo como gênero, raça e classe social se entrelaçam e impactam suas carreiras como escritoras, bem como influenciam a circulação e a recepção de suas obras.

 

REFERÊNCIAS

Woolf, Virginia. Um teto todo seu. Nova Fronteira, 2019.

 

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