Ser ou não ser herói: uma breve comparação entre “Édipo Rei” e “Hamlet”

09/08/2023 20:08

Por Luísa Wierenicz D’Alberto

Letras Português

Bolsista PET-Letras

Segundo o filósofo grego Aristóteles, o gênero trágico é considerado de maior prestígio em comparação aos outros gêneros poéticos. Esse modo artístico tem como base a mímesis, que apresenta-se como a imitação das ações do homem, o que significa que os personagens dramáticos agem por conta própria, de forma direta. Além disso, destaca-se como característica da tragédia a sequência dos atos durante as peças, como fator desenvolvedor de caráter dos personagens, caráter esse que influencia o destino final de cada um. Logo, encontram-se nesse gênero personagens de ações duvidosas e, com consequência, uma apreensão recorrente na trama e teoricamente uma restauração de equilíbrio – a catarse – como remate da peça.

Édipo Rei, escrita pelo dramaturgo Sófocles, é considerada pela perspectiva aristotélica, em Poética, como a  representação ideal do gênero trágico. A peça foi escrita por volta de 427 a. C., na Grécia Antiga. Nela, Édipo recebe uma profecia: está destinado a matar seu pai, casar-se com sua mãe e tornar-se cego. Na tentativa de evitar os acontecimentos, Édipo toma uma série de decisões impulsivas. O protagonista afasta-se de seu pai para evitar sua morte, assassina homens que encontra na estrada por um simples desentendimento, depara-se com a esfinge e não hesita em decifrá-la, e por fim, quando toma consciência de que o infortúnio que assola Tebas é causado pelo assassino do rei anterior a ele, Laio, Édipo começa sua investigação.

A partir disso, o personagem percebe que, ao tentar fugir de seu destino cósmico, suas ações apenas concretizaram seu propósito que já havia sido estabelecido, entrando em uma epifania trágica. Édipo é classificado como o clássico herói grego, visto que falha e tem como causa de sua queda suas próprias ações. O homem, apesar de inicialmente ignorante em relação à própria história, é um tomador de decisões e possui agência, pois é um investigador, o que exemplifica a questão da ação como característica dramática. Édipo tem como parte de sua personalidade características de arrogância e orgulho, além de ser o causador de problemas do enredo.

 

Descrição da imagem: a imagem é um pdf da capa do livro Édipo Rei, de Sófocles. O fundo é preto. Na parte superior, “Sófocles” escrito em uma fonte alaranjada. Logo abaixo, “Édipo Rei” escrito num tom bem claro de amarelo. Embaixo das duas palavras, uma imagem que remete à Grécia Antiga. Um círculo laranja com um homem de chapéu e vestimentas gregas, representando Édipo, e a esfinge, uma forma humana com asas, patas e rabo, sentada em cima de um pilar. Embaixo da imagem, o nome da editora, em letras pequenas, “L&PM Pocket”.

 

Uma outra obra fundamental da literatura pode ser aproximada de Édipo Rei: Hamlet. Escrita pelo poeta William Shakespeare, na Inglaterra, por volta de 1600, a peça, apesar de ser uma tragédia, possui diferenças notórias em relação à obra de Sófocles. Hamlet apresenta-se como um sintoma de um mundo em crise, visto que, na época, o Renascimento trouxe uma onda de pensamentos antropocêntricos para a sociedade. Nesse sentido, Édipo tinha um destino traçado pelo oráculo, ou seja, uma influência mitológica, enquanto que na época de Hamlet, ter como mundo ideal, um mundo em que há um ser divino superior, já não era mais tão tradicional.

 

Descrição da imagem: a imagem é um pdf do livro Hamlet, de Shakespeare. O fundo é num tom de vinho, com uma rachadura no meio, como se imitasse uma parede rachada. Centralizado, “Hamlet” escrita em branco. Abaixo do título, com uma letra menor, “William Shakespeare”, também em branco. Na parte inferior da imagem, em letras pequenas “Tradução Geraldo Carneiro”.

 

A história de Hamlet consiste em um jovem que acabou de perder seu pai, antigo rei da Dinamarca. Quando ele aparece em forma de fantasma para o príncipe, Hamlet recebe a informação que o rei, seu tio Cláudio, era o assassino de seu pai. A partir dessa informação, o protagonista começa uma série de divagações acerca do assassinato; Hamlet não tem um destino traçado, portanto, ele é causador da sua felicidade ou infelicidade. É ele quem tem que decidir se está disposto a sofrer consequências ou não, quais seriam essas consequências etc. O personagem é pensador, hesitante e questionador. Ademais, Hamlet não demonstra traços de remorso em nenhuma de suas ações. No desenvolver da peça, a primeira vítima fatal é Polônio, personagem que não tinha relação direta com o assassinato do rei. Portanto, apesar de Hamlet ter como intenção fazer justiça ao seu pai, suas ações se contrapõem a partir do momento que não se demonstra um personagem empático, tornando custosa a percepção de seu lado bom como herói.

Depreende-se, portanto, que a maior diferença em relação a Hamlet e Édipo Rei, como heróis, é o contexto histórico em que a peça está inserida. Na tragédia de Sófocles, está em vigor um mundo mítico, traçando o destino de Édipo, onde ele realiza suas tentativas falhas de sucesso contra a profecia. Já em Hamlet, o contexto histórico abre margem para o homem pensar além do mítico. Não há um destino traçado ao príncipe; logo, existem inúmeras ações que o personagem pode cometer como humano, realizando as decisões, por si só. Todavia, as duas peças encaixam-se no gênero drama-trágico admirado por Aristóteles, não obstante suas pontualidades.

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