Nós aprendemos a escrever da mesma forma que aprendemos a falar?
Por Anna Letícia de Abreu – Bolsista PET-LETRAS
Gabrieli Marques Cabral – Voluntária PET-LETRAS
Isabela Milioli – Autora convidada
Maysa Monteiro – Bolsista PET-LETRAS
Letras-Português
Nos textos anteriores da nossa série especial de divulgação científica #ComunicaLinguagem, refletimos sobre “De onde vem a linguagem?” e “Como as crianças adquirem os sons da fala?”. Agora, para encerrarmos nossa série, vamos falar da diferença entre aquisição e aprendizagem. Às vezes, esses conceitos podem parecer sinônimos, ou no mínimo parecidos, mas a verdade é que existe uma grande diferença entre eles, porque a forma pela qual aprendemos a falar é diferente da forma pela qual aprendemos a escrever.
Não precisamos ensinar uma criança a falar, pois o processo de aquisição da fala e de seus sons, como já vimos anteriormente, é natural e acontece de forma espontânea, seguindo uma sequência previsível. Já a escrita funciona de outro jeito. Ela exige um ensino formal e sistemático, ou seja, precisa ser ensinada.
Para que uma criança aprenda a escrever, mais do que apenas conhecer as letras, ela precisa entender que as palavras são formadas por partes menores: as sílabas e os fonemas. Essa habilidade se chama consciência fonológica e é uma peça chave no processo de alfabetização e, por isso, precisa ser trabalhada desde a educação infantil. Quando a criança percebe que a palavra “bola” começa com o mesmo som da palavra “bolo” ou “boca”, ou que “pato” rima com “gato” e “rato”, ela está desenvolvendo a percepção dos sons da língua. Essa habilidade vai permitir que ela relacione os sons e as letras e escreva o que fala. A consciência fonológica é importante pois sem ela a escrita vira um quebra cabeça sem lógica.
Quando as crianças começam a desenvolver a escrita, tentam representar de forma gráfica sons que já conhecem. Por isso, muitas vezes escrevem “caza” com Z ou “xave” com X. Nesse caso, ela está usando a lógica da fala para representar a escrita. Entretanto, a escrita do Português, como muitas outras línguas, segue diversas convenções – e nem todas obedecem à lógica dos sons. Isso nos leva a um aspecto bem específico da língua escrita: a ortografia, um conjunto de regras e padrões que nos dizem, por exemplo, que “chave” se escreve com CH e não com X. Essas regras não são naturais nem intuitivas: precisam ser ensinadas, discutidas e compreendidas. Enquanto a linguagem oral é adquirida por qualquer criança em contato com um ambiente linguístico, a linguagem escrita precisa ser ensinada.
O papel da escola e do professor é importantíssimo no processo de ensino, mas ainda existem muitas dúvidas sobre como ensinar ortografia. Alguns professores se preocupam tanto com a escrita “certa” que corrigem apenas os erros ortográficos, deixando de lado outros aspectos fundamentais para produção textual, como a capacidade de argumentação, progressão temática e coesão. Outros professores, por outro lado, acreditam que não precisam ensinar a ortografia de forma explícita, e que apenas o contato com textos e as práticas de leitura e escrita serão o suficiente para que os alunos aprendam a escrever corretamente. Porém, ambos os caminhos, embora bem intencionados, não são suficientes.
É interessante que o professor encontre um equilíbrio para conseguir abordar a ortografia de forma contextualizada e reflexiva em situações reais de leitura e escrita, para que assim os alunos consigam não apenas decorar regras, mas também refletir sobre como a língua funciona e aprender com os próprios erros. Quando o aluno entende por que se escreve de um jeito e não de outro, o aprendizado se torna mais sólido e a escrita mais significativa.
Diante disso, é importante também desconstruirmos uma ideia, muito comum e equivocada, de que errar na ortografia é sinal de desleixo ou até falta de inteligência. Esse tipo de julgamento faz parte de um preconceito linguístico enraizado na nossa sociedade e desvaloriza quem escreve “errado” sem levar em consideração o processo de aprendizagem por trás da escrita. A verdade é que errar faz parte do caminho, escrever corretamente não é algo intuitivo ou que acontece de forma natural, é algo que se aprende passo a passo com mediação, escuta, paciência e reflexão. Valorizar este percurso é também valorizar o papel do professor e o direito de todos ao acesso pleno à linguagem escrita.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
SCHERER, Ana Paula. Consciência fonológica na alfabetização infantil. In: LAMPRECHT, Regina (org.). Consciência dos sons da língua: subsídios teóricos e práticos para alfabetizadores, fonoaudiólogos e professores e língua inglesa. Porto Alegre: Edipucrs, 2009. p.130-143.
SEARA, Izabel; NUNES, Vanessa; LAZZAROTTO-VOLCÃO, Cristiane. Para conhecer Fonética e Fonologia do Português. São Paulo: Contexto, 2015.
SILVA, Alexandre (org.). Ortografia na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.



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