Breves reflexões sobre políticas linguísticas e seus impactos no ensino de línguas adicionais
Por Paula Scalvin da Costa
Letras Inglês
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As políticas linguísticas fazem parte de um campo que, embora muitas vezes seja um tanto invisível para uma maioria das pessoas, está profundamente entrelaçado com as experiências sociais, educacionais e políticas das comunidades. Elas não se limitam a decretos governamentais ou documentos oficiais: abrangem decisões sobre quais línguas são ensinadas nas escolas, quais são valorizadas socialmente, quais têm presença nos meios de comunicação e quais são marginalizadas. Compreender o que são políticas linguísticas é o primeiro passo para entender por que elas afetam tão diretamente as crenças dos alunos sobre o que é “aprender uma língua”.
A princípio, pode parecer que a política linguística se refere apenas à presença ou à ausência de determinada língua no currículo escolar, mas ela vai além. Trata-se de um conjunto de decisões – explícitas ou implícitas – sobre como as línguas são utilizadas, promovidas ou silenciadas em uma sociedade. Essas decisões afetam diretamente a forma como os cidadãos compreendem o valor e a função das línguas no seu cotidiano. Isso envolve, por exemplo, o que consideramos uma fala “adequada” em determinados contextos, ou qual língua associamos ao sucesso profissional. De forma geral, a política linguística envolve tanto o planejamento da estrutura das línguas quanto a sua distribuição funcional: quem fala o quê, onde, e para qual propósito.
No início do campo de estudos sobre políticas linguísticas, nas décadas de 1960 e 1970, o foco estava voltado para o planejamento de línguas em contextos pós-coloniais. O objetivo era muitas vezes o de fortalecer uma identidade nacional por meio da adoção de uma única língua, considerada símbolo de unidade. Isso levava à valorização de uma língua hegemônica e à marginalização de línguas locais, indígenas ou de comunidades migrantes. A ideia era resolver “problemas linguísticos” a partir de uma perspectiva técnica e centralizadora; porém, com o tempo, essas práticas passaram a ser criticadas justamente por ignorarem a complexidade e a diversidade linguística dos territórios.
É nesse contexto que surgem abordagens críticas, como a histórico-estrutural, que questionam as decisões que parecem neutras, mas que na verdade reproduzem desigualdades sociais. Essas abordagens, representadas por estudiosos como Tollefson, chamam a atenção para o fato de que as políticas linguísticas não acontecem no vazio: elas estão ligadas a disputas por poder, território, identidade e reconhecimento. Ao mesmo tempo, outros autores passam a falar sobre as políticas implícitas – aquelas que não estão nos documentos legais, mas que se manifestam nas normas sociais e culturais. Um bom exemplo disso é quando uma sociedade, sem declarar oficialmente uma língua, passa a tratar outras línguas como inadequadas, menos prestigiadas ou até mesmo indesejáveis.
Um caso emblemático que ilustra como essas decisões são carregadas de ideologia é o recente decreto assinado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em março de 2025, tornando o inglês a língua oficial do país. Essa decisão, embora pareça nova, apenas oficializou algo que já estava presente há muito tempo na prática social americana. Antes disso, a Constituição dos EUA não estipulava nenhuma língua oficial, e cada estado tinha autonomia para decidir quais línguas reconhecer. Mesmo assim, o inglês sempre foi hegemônico e, na vida pública, existia uma forte pressão social para o seu uso. O decreto, então, pode ser lido como uma forma de reforçar o nacionalismo e promover uma ideia de “identidade americana” excludente, apagando a diversidade linguística de comunidades como as que falam espanhol, chinês, árabe ou línguas indígenas.
Nesse sentido, a medida de Trump nos permite observar como políticas linguísticas podem ser usadas para afirmar poder, definir fronteiras culturais e reforçar a dominação de um grupo sobre outros. Ao tornar oficial algo que já era dominante, o decreto fortaleceu a exclusão das demais línguas do espaço público, ao mesmo tempo em que comunicava ao mundo – e aos próprios cidadãos – quais formas de expressão seriam valorizadas e quais seriam marginalizadas. Essa imposição da unidade linguística, sob o pretexto de proteção cultural, ignora as contribuições das múltiplas comunidades linguísticas que compõem o país e que, historicamente, têm suas línguas apagadas por políticas de assimilação.
Podemos perceber que, embora esse tipo de medida tenha um impacto político e social evidente, ele também produz efeitos concretos na forma como as pessoas enxergam o aprendizado de línguas. Ao privilegiar uma única língua no espaço público, cria-se a ideia de que apenas essa língua é suficiente, ou mesmo que ela é “melhor” do que as outras. Isso gera crenças entre os estudantes, como a de que é preciso falar perfeitamente o inglês para ser bem-sucedido, ou de que ter sotaque é um sinal de ignorância. Essas crenças, disseminadas e reforçadas por meio de decisões políticas e pressões sociais, influenciam diretamente a maneira como os alunos se engajam com o aprendizado de línguas adicionais.
As consequências desse tipo de política não são exclusivas do contexto americano. No Brasil, temos um exemplo recente e igualmente revelador da relação entre política linguística e formação de crenças: a retirada do espanhol como disciplina obrigatória no Ensino Médio. A obrigatoriedade do espanhol foi estabelecida em 2005, mas revogada em 2017, sob justificativas variadas, que incluíam tanto argumentos internos quanto pressões externas. A medida foi defendida por setores políticos que alegavam a necessidade de priorizar o ensino de português e matemática, ao mesmo tempo em que embaixadas de países europeus, como França e Alemanha, atuaram contra a permanência do espanhol, sob a justificativa de defender o plurilinguismo e evitar que outras línguas fossem excluídas do currículo.
Esse episódio revela, de forma clara, como as políticas linguísticas não se restringem a decisões técnicas ou educacionais. Elas envolvem interesses econômicos, alianças internacionais, disputas geopolíticas e diferentes visões sobre o papel da escola na formação cidadã. Enquanto isso, países vizinhos do Brasil, especialmente da América Latina, manifestaram preocupação com a retirada do espanhol, pois viam nele uma ferramenta importante de integração regional. A decisão brasileira, portanto, ao mesmo tempo em que se justificava como uma abertura ao plurilinguismo, parecia desconsiderar os vínculos históricos, culturais e econômicos com seus vizinhos de fala espanhola.
Quando analisamos esses dois casos – o decreto de Trump e a retirada do espanhol no Brasil – percebemos que as políticas linguísticas não ocorrem isoladamente. Elas fazem parte de um ecossistema maior, de forças nacionais e internacionais, que orientam a forma como as línguas são ensinadas e aprendidas. E, mais do que isso, elas nos mostram que o valor de uma língua não é um dado natural, mas uma construção histórica, carregada de interesses e disputas. Por isso, é essencial trazer esse debate para dentro das escolas.
Ao discutir com os alunos como essas políticas influenciam suas vidas, ajudamos a construir um olhar mais crítico sobre a linguagem. Mostramos que a língua não é apenas um instrumento neutro de comunicação, mas uma prática social que carrega ideologias, normas, afetos e exclusões. Os alunos precisam entender, por exemplo, que falar com sotaque não é um erro, mas uma marca de identidade. Ou que o inglês que aprendem na escola não precisa ser uma cópia exata do inglês americano padrão, mas pode ser uma forma de expressão própria, válida e eficaz. Esses entendimentos ajudam a desconstruir crenças limitadoras, promovem a autoestima linguística e abrem caminhos para uma aprendizagem mais significativa.
Nesse sentido, o papel do professor é central. É ele quem pode criar espaços de reflexão, de escuta, de crítica e de construção coletiva de sentido. O professor, ao abordar essas temáticas, não está apenas ensinando uma língua, mas formando cidadãos conscientes de seu lugar no mundo, capazes de questionar as estruturas que os cercam. A sala de aula, então, deixa de ser um local de mera repetição de normas e conteúdos, para se tornar um espaço político – no melhor sentido do termo – onde se pensa o mundo, as relações sociais e as possibilidades de transformação.
Levar para a sala de aula notícias, como o decreto americano ou as mudanças no currículo brasileiro, pode ser uma forma prática e potente de iniciar esses debates. Mas é importante que essas discussões sejam feitas com sensibilidade, respeitando o contexto e as vivências dos alunos. Cada turma terá suas necessidades, seus interesses e suas formas de se relacionar com a linguagem. Cabe ao professor mediar essas conversas de maneira ética e responsável, ajudando os estudantes a se reconhecerem como sujeitos históricos, capazes de agir e de se posicionar no mundo por meio da linguagem.
Por fim, pensar sobre políticas linguísticas é também pensar sobre o tipo de sociedade que queremos construir. Uma sociedade plural, justa e democrática precisa valorizar a diversidade linguística como parte fundamental da sua identidade. Isso implica, por exemplo, reconhecer e proteger línguas indígenas, apoiar o ensino de línguas de imigração e garantir o acesso equitativo ao aprendizado de línguas estrangeiras. Mais do que isso, implica formar pessoas capazes de entender que cada língua carrega uma visão de mundo, e que aprender uma nova língua é, também, aprender a escutar o outro. A política linguística começa onde há decisão sobre a linguagem. E a escola é, sem dúvida, um de seus territórios mais importantes.
Bibliografia consultada
SILVA, Elias Ribeiro da. A pesquisa em política linguística: histórico, desenvolvimento e pressupostos epistemológicos. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v. 52, n. 2, p. 289-320, jul./dez. 2013.
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